Nos últimos dias, várias entidades da sociedade civil têm se pronunciado diante dos ataques crescentes e preocupantes do neofascista Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral e à democracia brasileira. Há controvérsias sobre a possiblidade do êxito de um golpe no Brasil, mas ninguém tem dúvidas acerca dos intentos golpistas do “capetão”, um terrorista desde os seus tempos de quartel.

Por Altamiro Borges*

Entre os manifestos, vale destacar o assinado pela Coalizão pela Defesa do Sistema Eleitoral, que reúne a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e a Coalizão Negra por Direitos, entre várias outras organizações. O documento foi entregue ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin.

Ele afirma que é “inadmissível” que Bolsonaro afronte “os deveres jurídicos e institucionais, atacando de forma periódica, reiterada e sistemática o sistema eleitoral, dirigindo-lhe críticas infundadas e afirmações desprovidas de respaldo técnico e racional”. As entidades afirmam não aceitar a “condição de reféns das chantagens e ameaças de ruptura institucional”.

A coalizão rechaça ainda as fake news do governo contra as urnas eletrônicas. “Tais agressões, bravatas e afirmações desprovidas de respaldo técnico, científico e moral, servem a um único propósito: o de gerar instabilidade institucional, disseminando a desconfiança dos brasileiros e do mundo acerca da correção e regularidade das eleições brasileiras, e, por consequência, desacreditar o próprio país, como nação democrática, colocando em xeque a segurança jurídica, em momento especialmente delicado, em que se faz essencial a tranquilidade e a isenção de ânimos, para que o processo eleitoral transcorra sem sobressaltos ou mesmo atos de violência”.

Leia a seguir a íntegra da carta entregue ao presidente do TSE:

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Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Fachin

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral – TSE

As entidades da sociedade civil abaixo listadas vêm à presença de V. Exª manifestar, inicialmente, sua indignação e repúdio em face dos constantes ataques que o senhor Presidente da República e seus seguidores vêm desferindo contra o processo eleitoral brasileiro, a Justiça Eleitoral e seus juízes e servidores.

É inadmissível que o primeiro mandatário – ocupante do cargo que se situa na cúpula da estrutura hierárquica do Poder Executivo nacional e que, portanto, tem o dever de dirigir os rumos do país com serenidade e responsabilidade – valha-se de seu cargo, para atuar de forma exatamente oposta a seus deveres jurídicos e institucionais, atacando de forma periódica, reiterada e sistemática o sistema eleitoral brasileiro, dirigindo-lhe críticas infundadas, dúvidas e afirmações desprovidas de respaldo técnico e racional.

É isenta de dúvidas a forma como o Brasil vem, ao longo de décadas, aprimorando e fazendo evoluir seu sistema de votação e de apuração de votos. Esse sistema que, em todas as eleições realizadas, entregou seus resultados dentro da mais ampla transparência e lisura, foi, inclusive, o sistema que permitiu que o atual Presidente assumisse seu cargo e fosse diplomado, com mais de 50 milhões de votos, nas últimas eleições.

Tais agressões, bravatas e afirmações desprovidas de respaldo técnico, científico e moral, servem a um único propósito: o de gerar instabilidade institucional, disseminando a desconfiança da população brasileira e do mundo acerca da correção e regularidade das eleições brasileiras, e, por consequência, desacreditar o próprio país, como nação democrática, colocando em xeque a segurança jurídica, em momento especialmente delicado, em que se faz essencial a tranquilidade e a isenção de ânimos, para que o processo eleitoral transcorra sem sobressaltos ou mesmo atos de violência.

Tal necessidade se atrela não apenas à vida democrática e institucional do povo brasileiro, mas igualmente à sua imagem e reputação no cenário internacional, em que a segurança jurídica é condição primeira para a construção de um clima de confiança, no qual o desenvolvimento social, econômico e político do país possa ser retomado.

Não aceitamos a condição de reféns de chantagens e ameaças de ruptura institucional após pouco mais de três décadas em que a normalidade democrática foi restabelecida em nosso país, com o custo de muitas vidas, sofrimentos, privações e lutas.

Nessa medida, manifestamos a V. Exa. nossa solidariedade, em face dos ataques que as instituições da justiça eleitoral vêm sofrendo de forma reiterada e sistemática.

Também registramos nossa preocupação com a utilização indevida, pelo Governo Federal, de instrumentos tecnológicos de espionagem e inteligência artificial, tais como o Pégasus, DarkMatter e o Córtex com a finalidade de obtenção de informações sigilosas, ao arrepio da legalidade, com a finalidade de interferir no processo eleitoral.

Nessa preocupante conjuntura, organizadas em forma de “Coalização para a Defesa do Sistema Eleitoral”, as organizações e entidades abaixo listadas comparecem à presença de V. Exa. para:

a) Reafirmar seu compromisso com a lisura e integridade do processo eleitoral e com as instituições da Justiça Eleitoral,

b) Manifestar sua solidariedade em face dos ataques infundados que as instituições da justiça eleitoral vêm sofrendo sistematicamente;

c) Requerer a imediata abertura de edital de chamamento público para a composição de uma grande “Missão Internacional de Observadores Eleitorais”, com experiência comprovada em observações dessa natureza, nos moldes de experiências bem-sucedidas de outros países;

d) Que essa presidência solicite informações ao Poder Executivo e, se necessário, requisite a abertura de inquérito acerca do uso, pelo Governo Federal, de instrumentos tecnológicos de espionagem e de inteligência artificial, tais com o Pégasus, DarkMatter e Córtex, com a finalidade de obter informações sigilosas, de forma ilegal, e interferir na regularidade do processo eleitoral;

e) Reivindicar a efetividade das políticas afirmativas de acesso de grupos minoritários aos fundos eleitorais com o fito de incentivar a participação política de mulheres, povos indígenas e pessoas afrobrasileiras.

Na oportunidade, renovamos cordiais saudações democráticas.

Brasília (DF), maio de 2022.

Assinam o presente documento:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia – APD
Associação Americana de Juristas – AAJ
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
Associação de Juristas pela Democracia – AJURD
Associação Juízes para a Democracia – AJD
Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP
Coalizão Negra por Direitos
ColetivA Mulheres Defensoras Públicas do Brasil
Coletivo Transforma MP
Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP
Comissão Justiça e Paz de Brasília – CJP-DF
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Federação Nacional dos Estudantes de Direito – FENED
Fórum Social Mundial Justiça e Democracia – FSMJD
Grupo Prerrogativas
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU
Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Sindicato dos Advogados de São Paulo – SASP

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Articulação democrática dos senadores

Outra iniciativa importante em defesa da democracia foi tomada na semana retrasada. Segundo notinha da Folha, “um jantar na casa da senadora Kátia Abreu na quarta-feira (11/05), em Brasília, promoveu o encontro de um grupo de senadores críticos ao governo Jair Bolsonaro (PL)… Nessa reunião, parte dos parlamentares presentes avançou na ideia de criar um grupo em defesa da democracia e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros da corte têm sido alvo constantes de ataques de Bolsonaro”.

Além da presença de vários senadores, como Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Marcelo Castro (MDB-PI), Jaques Wagner (PT-BA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE), também participaram do jantar os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, do STF.

Conforme explicou Renan Calheiros, “um grupo de senadores fez conversas com vários ministros do STF e com o presidente do Senado, algumas vezes, sobre a necessidade de institucionalmente defendermos a democracia, a Constituição e a separação dos Poderes. Continua o terror institucional e não podemos deixar o STF sozinho, já que o presidente da Câmara [Arthur Lira, do PP, seu antagonista em Alagoas] está atrelado ao projeto de poder de Bolsonaro. Esse nosso grupo é suprapartidário e quer ser majoritário”.

“O grupo não tem nome ainda. Não sabemos quantos somos, sabemos somente desse grupo menor que participou do jantar da Kátia e de outras reuniões anteriores. Tem que ver pelo perfil, quem defende a Constituição e está disposto a se entregar a essas tarefas de fazer a relação com outros parlamentos do mundo, atrair observadores para a eleição, fortalecer o Supremo, que é o poder da vez que está sendo contestado, não deixar o STF solitário”, acrescentou Renan Calheiros.

“É uma frente em defesa das urnas e da democracia. O sentimento foi o de que pela primeira vez os ministros se sentiram amparados. A ideia é ter uma trincheira comum para que as bravatas de Bolsonaro não se concretizem”, enfatizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

 

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*jornalista, coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e secretário nacional de Mídias do PCdoB.

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