Olaf Scholz tem 26% nas pesquisas e o candidato do partido de Merkel, Armin Laschet, tem 21%

Os alemães vão às urnas no domingo (26) para escolher o sucessor da primeira-ministra Angela Merkel (CDU), que anunciou sua aposentadoria da cena política depois de 16 anos de mandato, desde 2005.

As pesquisas de opinião têm apontado vantagem para o atual ministro das Finanças, o social-democrata Olaf Scholz, com o candidato de Merkel, Armin Laschet, atrás, seguido por Annalena Baerbock, do Partido Verde.

Segundo a Reuters, o SPD tem 26%, contra 21% da CDU e 15% dos Verdes. Os liberais têm 12%, a AfD (Alternativa para a Alemanha, extrema-direita) 11% e Die Linke, esquerda, 6%. A social-democracia vem sendo o sócio menor do governo de coalizão preto (CDU)-vermelho (SPD) desde 2013.

Pelo sistema eleitoral alemão, cada pessoa vota duas vezes na cédula, a primeira no candidato do distrito eleitoral (vence o mais votado, que poder ser um independente) e, a segunda, na lista partidária (proporcional), havendo uma cláusula de barreira de 5% para ingresso no parlamento. O sistema é parlamentarista, com o presidente sendo um cargo honorífico.

Milhões de cidadãos já votaram pelo correio, inclusive Merkel. Nas eleições parlamentares de 2017, 28,6% dos votos chegaram por carta. Este ano, com a pandemia, o total deve ser bem maior. O voto não é obrigatório, estando aptos a votar os maiores de 18 anos com cidadania alemã e que vivem no país há pelo menos três meses. Alemães que residem no exterior podem se registrar para votar remotamente.

Nos 299 distritos eleitorais do país, os locais de votação vão abrir às 8h e fechar às 18h (horário local). Logo depois do encerramento das urnas, sai a pesquisa de boca de urna, em paralelo à apuração oficial.

A dois dias das cruciais eleições, Merkel pediu na sexta-feira (24) que os eleitores votem no candidato de seu partido, Armin Laschet, para manter a “estabilidade” da Alemanha. Depois de permanecer à margem da campanha, no mês passado Merkel saiu em defesa de Laschet, que meteu os pés pelas mãos e cometeu várias gafes, permitindo a escalada de Scholz.

Baerbock, que chegou a estar em segundo, atrás de Laschet e à frente de Scholz, acabou definhando após vir a público plágio em livro que publicou e omissão de informação de renda no IR, e a campanha dos verdes passou a ser vista como decepcionante.

Já Laschet foi flagrado às gargalhadas ao fundo, em meio a uma visita a uma região atingida por enchentes, enquanto o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, fazia um discurso para a população local, duramente atingida pela tragédia natural.

“A questão de quem governa a Alemanha não é trivial”, insistiu Merkel, que buscou atemorizar eleitores de que a social-democracia, além de se associar com os verdes – o que já fez -, possa vir a chamar para o governo os progressistas do “Die Linke” (A Esquerda). “Dá para imaginar um governo vermelho-vermelho-verde?”, acrescentou.

Nem a CDU (Democracia Cristã), nem o SPD (social-democracia) têm nessas circunstâncias a capacidade de formar sozinho o governo. Observadores consideram que foi Scholz, e não Laschet, quem conseguiu emplacar entre os eleitores a imagem de uma “nova Merkel”, uma figura que transmite a ideia de continuidade sem sobressaltos. Mas Laschet teve uma certa recuperação na reta final.

Se as pesquisas não estão furadas, o vencedor da eleição provavelmente precisará negociar uma coalizão com pelo menos dois partidos para garantir maioria no parlamento (Bundestag), o que não acontece desde os anos 1950.

A prevalecer o SPD, este teria que optar entre um governo vermelho-verde-vermelho (cores respectivas do SPD, Verdes e A Esquerda), ou uma coalizão vermelha-verde-amarela (SPD, Verdes e Partido Liberal). Ou retomar a Grande Coalizão vermelha-negra (SPD e CDU).

Segundo as pesquisas, Scholz foi o vencedor dos debates televisionados entre os candidatos a primeiro-ministro. “Precisamos de uma renovação para a Alemanha. Precisamos de uma mudança de governo e queremos um governo liderado pelo SPD”, afirmou o social-democrata, ministro das finanças e vice-primeiro-ministro do atual governo. Ele irá encerrar sua campanha em Potsdam, onde espera ganhar um assento de deputado.

Legado de Merkel

Do início de carreira como a “garota de Kohl” logo depois da anexação da Alemanha Oriental até o atual status de “mãe da Alemanha”, é marcante a trajetória de Merkel. Nem sempre pelos motivos corretos, como qualquer grego pode explicar, sobre o momento em que ela foi algoz da Grécia, para salvar bancos alemães e franceses.

No período mais recente, Merkel dedicou-se a três iniciativas, que são de certo modo um legado para as gerações futuras. Haver bancado, contra a pressão do governo Trump e, depois, de Biden, a conclusão do gasoduto russo-alemão Nord Stream 2. Ter concluído, com a Alemanha na presidência da União Europeia, o Acordo de Investimento com a China. E ter enfrentado, durante a pandemia de Covid-19, a fúria dos negacionistas do AfD (Alternativa para a Alemanha).

Também bancou o acolhimento de uma multidão de imigrantes na Europa no auge da intervenção e martírio na Síria. E se manteve nos Protocolos de Minsk, no Formato Normandia, sobre uma solução pacífica para a crise na Ucrânia pós-golpe de Maidan.

No plano interno, a bem da verdade, o principal golpe partiu do próprio SPD, com sua Agenda 2010 e sua lei de arrocho Hartz IV, que a CDU radicalizou em 2005, com cortes nos direitos trabalhistas e no seguro-desemprego, a título de coibir os ‘parasitas sociais’.

Resumindo: quem não se submetesse às regras rígidas e aceitasse qualquer trabalho por qualquer salário e sob qualquer medida absurda ficava à mercê da miséria.

É de seu governo a ‘reforma previdenciária’: desde 2007, a idade de aposentadoria foi gradualmente aumentada para 67 anos. Um ano antes, seu governo havia preparado o caminho para a tributação integral das pensões.

No geral, a pobreza na Alemanha aumentou sob Merkel. De acordo com o Escritório Federal de Estatísticas, quase 16% de todas as pessoas na Alemanha viviam abaixo da linha de risco de pobreza em 2019 (de 60% da renda mediana), e mais de um quinto das crianças foram afetadas – tendência que está aumentando.

Pais solteiros também são particularmente afetados. De acordo com uma pesquisa da Fundação Bertelsmann – que aliás trabalhou nas leis de arrocho de Hartz -, cerca de 43% deles são pobres.

Após o crash de 2008, veio a crise de 2011, o socorro aos bancos, quando o governo Merkel decidiu cortar os gastos públicos em mais de 80 bilhões de euros nos três anos seguintes – houve corte até do subsídio para aquecimento no inverno.

Em 2011, cerca de 40% dos empregados da Alemanha Oriental e 24% dos da Alemanha Ocidental trabalhavam no setor de baixos salários. O IVA foi aumentado de 16 para 19 por cento. Em suma, o ajuste foi feito nas costas dos pobres e da classe média baixa. Se foi assim na Alemanha, imagine-se nos PIIGS.

Apesar do papel positivo de Merkel em relação aos refugiados, nem por isso a vida deles era minimamente facilitada. Uma corte constitucional chegou a pedir a equiparação do auxílio a que tinham direito ao valor do salário do minijob, de pouco mais de 400 euros.

Com a chamada Lei de Exclusão de 2016, imigrantes candidatos a empregos, especialmente vindos do Leste e sul europeus, tiveram quaisquer benefícios básicos de seguridade social negados, a menos que estivessem no país há pelo menos cinco anos e tivessem um emprego. O trabalho precário se ampliou e impulsionou o empobrecimento social, com filas de diaristas que ofereciam seu trabalho por alguns euros. Processo que contribuiu para que as forças extremistas anti-imigrantes se espraiassem com seu discurso de ódio, enquanto o Mar Mediterrâneo se tornava uma vala comum.