A Alemanha acusou o governo Trump de “pirataria moderna” na sexta-feira (3) e denunciou que 200.000 máscaras faciais de alta qualidade, do tipo N95, para uso na contenção da Covid-19, encomendadas e já pagas, foram “confiscadas” em Bangkok e nunca chegaram ao seu destino.

O secretário do Interior da cidade-estado de Berlim, Andreas Geisel, chamou de “ato de pirataria moderna” a subtração das máscaras faciais no meio do caminho da entrega.

“Mesmo em tempos de crise, não devemos usar métodos do velho oeste. […] Estou pedindo ao governo alemão que exija dos EUA o respeito à ordem internacional.” Foi seu Estado que encomendou e pagou pelas máscaras.

O incidente é apenas uma pequena parte do que está acontecendo no mundo inteiro, em nome do “America First”, com agentes norte-americanos cometendo assédio até na hora do embarque no aeroporto para desviar entregas, com dinheiro vivo a rodo.

Entre os países que já denunciaram essa prática, estão, ainda, França, Brasil e Canadá. Sob anonimato, uma autoridade do Departamento de Segurança Interna confirmou à Reuters que empresas e o governo dos EUA estão pagando valores acima do preço do mercado pela maior parte dos equipamentos comprados fora do país.

Ele acrescentou que Washington não vai parar de comprar “até que nós tenhamos muito mais que o suficiente”.

Segundo a fonte, a caçada por equipamentos de saúde e de proteção no exterior poderia durar até agosto. “Colocaremos nossas mãos em tudo aquilo que pudermos”, afirmou, só faltando complementar com um “os outros que se danem”.

Na quarta-feira, uma autoridade francesa alertara sobre a pirataria. “Na pista, os americanos sacam o dinheiro e pagam três ou quatro vezes o preço dos pedidos que fizemos, é preciso lutar”, disse Jean Rottner, presidente da região francesa do Grande Est, um dos mais afetados pelo surto do novo coronavírus, falando com o rádio RTL.

Desse jeito, se apossaram de um carregamento de 60 milhões de máscaras que regiões francesas haviam comprado da China.

Segundo ele, os aviões partem para os EUA e não para a França. “É complicado, lutamos 24 horas por dia” para obter as máscaras, disse Rottner, explicando que ele criou uma unidade especial em sua região nesta questão.

Na terça-feira, Renaud Muselier, presidente de outra região francesa (Paca, sudeste), também reclamou das práticas norte-americanas.

“Um pedido francês foi comprado em dinheiro pelos americanos na pista, e o avião que deveria voar para a França decolou para os EUA”, disse Renaud Muselier à RT France.

Muselier é o chefe da região de Provence-Alpes-Côte d’Azur (PACA), além de presidente da Associação de Regiões da França. Foi a associação que tentou comprar as máscaras da China.

Mesma situação vivida pelo Brasil, como relatou em coletiva em cadeia nacional o ministro da Saúde, Luis Henrique Mandetta: todo um carregamento de equipamentos de proteção individual (EPI) comprados na China foi desviado para os EUA e o Brasil ficou no prejuízo.

“Hoje os Estados Unidos mandaram 23 aviões cargueiros dos maiores para a China, para levar o material que eles adquiriram. As nossas compras, que tínhamos expectativa de concretizá-las para poder fazer o abastecimento, muitas caíram”, afirmou o Ministro da Saúde. (VEJA NO HP).

O ministro disse que situação semelhante ocorreu com respiradores usados em UTIs. “Entregaram a primeira parte. Na segunda parte, mesmo com eles contratados, assinados, com o dinheiro para pagar, quem ganhou falou: não tenho mais os respiradores, não consigo te entregar. Então, nós voltamos de algo que a gente achava que a gente já tinha, demos um passo para trás”. Ou seja, passaram impiedosamente a perna no Brasil.

Isso depois do presidente Jair Bolsonaro ter se gabado do telefonema para Trump, em que este supostamente se solidarizara com o Brasil na questão do combate ao coronavírus.

O jornal francês Liberation pintou uma imagem sombria de “caos logístico” no mercado chinês, onde os americanos estão “pagando em dobro e em dinheiro, antes mesmo de ver as mercadorias”, de acordo com uma fonte não identificada.

Até mesmo o presidente da comissão de Inteligência da Câmara dos EUA, Adam Schiff, advertiu que Trump estava “corrompendo as cadeias de suprimento globais”, o que geraria muitos problemas à frente.

Além de ser uma violação imoral da orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que a pandemia de covid-19 só pode ser detida através da cooperação de todos.

Nesta sexta-feira, a 3M, empresa que produz máscaras e outros itens de proteção, disse que o governo de Trump determinara à companhia que interrompesse suas exportações de equipamentos de proteção para o Canadá e para a América Latina.

A 3 M disse que não acataria a determinação por ter “implicações humanitárias significativas” e poder levar a retaliações de outros países contra os EUA. A remessa destinada à Alemanha e surrupiada em Bangkok fora fabricada por uma subsidiária da 3 M na China.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, reagiu afirmando que o bloqueio de remessas de equipamentos médicos ao país seria um “erro”, um tiro que poderia sair pela culatra, lembrando que profissionais de saúde canadenses atravessam a fronteira todos os dias para trabalhar em cidades norte-americanas.

A pirataria dos EUA sobre os equipamentos de proteção individual deixa outra discussão para depois da pandemia. “Espero que nunca mais o mundo cometa o desatino de fazer 95% da produção de insumos em um único país”, como assinalou o ministro da Saúde brasileiro, Mandetta.