Além de alimentos, há alta de preços e escassez de insumos industriais
A empresária Laissa Negoseki, proprietária de uma pequena confecção em Curitiba, produz camisetas inspiradas em memes para vendas on-line. Dona da marca Brusinhas, ela já vinha observando que as malhas usadas para produzir as roupas estavam ficando mais caras. O que acontece agora, no entanto, é inédito: além de uma nova alta de preços, as malhas estão em falta.
“No começo do ano, teve reajuste. Depois, lá pelo começo da pandemia, teve mais reajuste e agora mais um de novo. Só que agora não tem mais [malha]. Não tem tecido, é muito difícil de conseguir. Teve muito atraso na entrega. Pedidos [de malha] que eram para ter chegado em julho só estão chegando agora. No fim, a gente não está mais conseguindo nem fazer pedido”, relata a empresária.
Segundo Laissa, os fabricantes alegam que não há fio disponível para fazer as malhas. “Eles falam que não tem fio para produzir e que tudo o que recebem já está comprometido com pedidos grandes, pedidos recorrentes para empresas grandes”, conta.
Na avaliação da empresária, o dólar alto é o principal motivo por trás da escassez e da alta de preços dos tecidos, que usam como matéria-prima um produto exportado pelo Brasil: o algodão. “A pandemia, com certeza, travou as produções, [as fábricas] não têm o mesmo potencial de antes. Mas acho que não é só isso. O que eu acredito que seja é a desvalorização do real e as commodities [produtos básicos com cotação internacional] que estão sendo vendidas para fora”, afirma.
A elevação de preços, bem como o relato de atrasos nas entregas e até falta de insumos, não são uma exclusividade de produtos feitos a base de algodão. Para citar alguns, há relatos de problemas na oferta de PVC, polipropileno, polietileno, componentes eletrônicos e aço.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Produtor (IPP) das Indústrias Extrativas e de Transformação registra alta de 10,8% no acumulado do ano em 2020. No acumulado de 12 meses, a elevação chega a 13,74%. No mês de agosto, os preços para a indústria subiram 3,28% na comparação com julho de 2020.
Cenário de incertezas
O economista Altair Garcia, analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), afirma que o dólar valorizado desempenha um papel importante na alta de preços e redução da oferta de alguns produtos. No entanto, diz, é preciso ter em vista outras questões, como a pandemia, que levou alguns mercados a se tornarem mais fechados.
“O que a gente tem percebido é que a pandemia acelerou, tornou mais sensíveis alguns movimentos. Tem a questão do câmbio, das exportações, que, quando fica depreciado, [o produtor nacional] acaba remetendo muito para fora. [Além disso], alguns países priorizaram seus mercados e, talvez, essa seja uma tendência para frente. E isso tem um rebatimento [no mercado internacional]. Dependendo dos produtos, alguns [países] preferiram não exportar”, afirma.
A queda na produção devido aos meses de isolamento social também pode ter sido um fator que pressionou os preços, acredita Garcia. A capacidade das indústrias foi desmobilizada. Agora, com a reabertura, leva um tempo para os estoques retornarem ao patamar anterior.
“Essas altas [de preços] são as maiores da série histórica. A produção industrial teve uma queda abrupta de dois meses e voltou a crescer. As empresas demandando papelão, insumos, e acaba mobilizando esses estoques e aí tem uma oscilada de preços natural”, comenta o economista.
Segundo ele, é incerto quando o cenário será normalizado, principalmente porque isso depende do comportamento da pandemia. “A pandemia vai continuar e podemos ter aumentos intermitentes de contaminação. A vacina vai melhorar isso? Ninguém sabe. A gente sabe que a imunidade natural [contra o coronavírus] não dura muito, uns dois meses. Se [a vacina] vai aumentar [a imunidade] para seis meses, ou oito, ou um ano, não se sabe. A grande dificuldade de prever isso é como vamos nos recuperar. A indústria já vinha muito mal [antes da pandemia]”, analisa Garcia.
Devido a essa incerteza, afirma, é difícil prever o que vai acontecer com os preços de insumos e produtos em geral. Para o economista, a tendência é a continuação de um movimento mais nacionalista, com países continuando a restringir as vendas externas. A preocupação de Garcia é que não há planejamento do governo brasileiro para lidar com o cenário.
“Os países que têm o Estado mais forte, que planejam, vão privilegiar o seu mercado interno. Eles dizem que o Estado não consegue intervir nesses produtos, que são essenciais, mas não é verdade. No caso do arroz, por exemplo, poderia entrar com o estoque regulador, entrar no mercado derrubando o preço”, comenta.