Aldo Arantes: Haroldo Lima, uma vida de lutas
Por Aldo Arantes*
Conheci Haroldo nos anos de 1960, quando atuávamos no movimento estudantil universitário. A partir daí vivemos juntos momentos de realizações e dificuldades, no curso dos quais nos tornamos verdadeiros irmãos.
Estive em Salvador em 1960 por ocasião do Iº Seminário da UNE de Reforma Universitária, oportunidade em que a JUC articulou minha candidatura à presidência da entidade. Haroldo e eu éramos militantes de JUC e dirigentes do movimento estudantil.
Eleito presidente da UNE participei da luta pela legalidade pela posse do então vice-presidente João Goulart. Sobre esse importante acontecimento lembro-me do Haroldo informar que os estudantes baianos se reuniam numa praça de Salvador para ouvir, pela Rede da Legalidade, o Governador Leonel Brizola e a mim, então Presidente da UNE.
Durante a UNE-Volante estive em Salvador, onde realizamos assembleias estudantis em defesa da Reforma Universitária e apresentações do Centro Popular de Cultura. Durante tais acontecimentos nosso relacionamento foi se aprofundando. Ganhou nova dimensão a partir da realização, em Salvador, do Congresso de fundação Ação Popular, em 1962. Nos tornamos dirigentes dessa nova organização.
Após o golpe militar AP se reorganiza. Eu fico na direção nacional de AP e Haroldo na direção da Bahia. Participamos de vários episódios da luta ideológica travada em AP, defendendo as mesmas posições. Exemplo disso foi a luta em torno da opção pelo marxismo–leninismo que levou AP a alterar seu nome para Ação Popular Marxista-Leninista.
Houve um período em que eu estava na clandestinidade e o Haroldo ainda permanecia na legalidade, como engenheiro da COELBA. Sempre que ia a Salvador ficava em seu apartamento sendo muito bem tratado pela Solange, que com o passar dos tempos, se transformou em uma querida amiga.
Em determinada oportunidade fui com o Haroldo para a fazenda Espinho, de propriedade de sua família, no município de Caetité. A estrada para a fazenda era perigosa, cheia de curvas e elevações. Lá fui eu, que mal sabia dirigir, conduzindo o Jeep do Haroldo, em meio a uma calorosa discussão, certamente sobre a situação política do País. Analisando esse acontecimento pode-se concluir que foi uma sorte grande não ter acontecido um acidente.
Mais tarde Haroldo entra na clandestinidade e vai para São Paulo compor a direção nacional de AP. Lá, por razões de segurança, não sabíamos dos respectivos endereços. Mantínhamos contato nas reuniões e nos pontos de encontro. Todavia, nossos filhos se encontravam na casa dele para brincar. Assim, foi construída a relação de amizade entre os meus filhos André e Priscila e as filhas do Haroldo, Julieta, Valéria e Leni.
A luta interna mais intensa e importante, travada em AP, foi a relacionada com a incorporação ao PCdoB. Lideravam esse processo Haroldo, Renato, eu e o Duarte Pacheco. Na época escrevemos o texto sobre a realidade brasileira para fundamentar nossas posições.
Face ao início da Guerrilha do Araguaia a maioria de AP decidiu que deveríamos acelerar o processo de incororaç.ao do PCdoB. Eu, que tinha ido fazer os primeiros contatos de AP com o Partido Comunista da China, retornei lá para comunicar a incorporação.
Enquanto viajava Haroldo e Renato tiveram uma reunião com o Amazonas e o Pomar para informar a decisão adotada, de se incorporar ao Partido. Após a comunicação, Amazonas tomou a palavra para afirmar que ficou impressionado com uma decisão daquela, num momento em que tal atitude representava um risco de vida, já que a repressão ao Araguaia havia iniciado. E mais, sem reivindicar nada em troca.
Com a incorporação ao PCdoB, Haroldo, Renato e eu passamos a compor a Comissão Executiva do Partido. Presos após a Queda da Lapa, ao sermos transportados de avião para o DOI CODI do Rio, de capuz, conseguimos nos comunicar. Apesar da repressão nos identificamos, bem como, percebemos a presença da combativa e corajosa Elza Moneratt, que protestava contra os agentes policiais.
Fomos torturados no DOI-CODI do I e II Exércitos e no DOPS de São Paulo. Em celas do Dops de São Paulo, nos comunicávamos assoviando a internacional comunista para levantar o moral. No julgamento na Justiça Militar, em São Paulo, fizemos denúncia das torturas a que fomos submetidos.
No Presídio do Barro Branco, em São Paulo, ficamos na mesma cela. Fazíamos estudos, trabalhos manuais e elaboramos o livro História da Ação Popular – Da JUC ao PCdoB. Já quase no final do período de nossa prisão, o Haroldo foi transferido para um Presídio em Salvador.
Com a anistia em 1979 ambos saímos da prisão e fomos candidatos a deputado federal. Haroldo na Bahia e eu em Goiás. Assumindo o mandato como parlamentares do MDB desenvolvemos o combate à ditadura e lutamos pela aprovação das Diretas Já, participando em comícios pelo Brasil afora.
Na eleição seguinte fomos eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte, onde o Haroldo se tornou líder do PCdoB e eu vice-líder. Haroldo era membro da Comissão de Sistematização e se voltou para a questão da soberania nacional, sobretudo para a questão do petróleo. Eu atuei, particularmente, na Subcomissão de Reforma Agrária que integrava a Comissão da Ordem Econômica.
Após o final dos nossos mandatos Haroldo foi para a Agência Nacional do Petróleo e eu para o Programa Nacional de Extensão da Educação Profissional do MEC. Na ANP Haroldo jogou importante papel na elaboração da lei de 2010 que adotou o Regime de Partilha na exploração do Pré-sal. E criou o Fundo Social para destinar recursos provenientes dessa atividade para a educação, saúde, cultura, esporte, ciência e tecnologia, meio ambiente e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Haroldo sempre foi uma pessoa com sua vida completamente voltada para a luta do nosso povo. Corajoso e decidido, Haroldo teve momentos em que essa característica ficou explícita como quando, face às manobras do Centrão, subiu à área onde ficava a mesa dos trabalhos da Constituinte e tomou o microfone do Presidente.
Personalidade alegre sempre gostou de poesias. Lembro-me dele recitando Patativa do Assaré.
Entusiasta com seu tio Anísio Teixeira, sempre se refere a ele com orgulho, destacando seu importante papel em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade.
O Pe. Renzo, que Haroldo conheceu em Salvador, se transformou em amigo dos presos políticos visitando inúmeros presídios no País.
Contar as novidades que encontrou na China e relatar o papel desse Pais na nova fase da luta pelo socialismo é algo que faz com entusiasmo. Aliás, é exímio contador de casos e acontecimentos o que faz ]de forma contagiante.
Enfim Haroldo é uma personalidade que se destacou em nosso Partido e se projetou como importante liderança política em nosso País. É merecedor de todas homenagens.
Vida longa, amigo Haroldo Lima!