Agricultores vão a Nova Délhi por garantia de preço mínimo ao produtor
A pé e de trator, milhares de agricultores indianos protestaram na terça-feira (26) em Nova Délhi, Índia, em pleno ‘Dia da República’, feriado nacional, exigindo a revogação das três leis impostas pelo regime Modi que eliminam a garantia de preço mínimo, liberam a pilhagem dos pequenos produtores pelas multis do agronegócio e monopolistas internos e ameaçam a segurança alimentar do país.
Os agricultores vieram de todas as partes do país e já estavam acampados nos arredores da capital há dois meses. Quase 60% da população indiana – que é a segunda maior do mundo – dependem da agricultura para sua subsistência. Tamanha é a opressão sobre os pequenos produtores, que em apenas dois anos, 2018 e 2019, mais de 20 mil agricultores indianos endividados se suicidaram.
Para entrarem, afinal, em Nova Délhi, os agricultores usaram os tratores para remover as barreiras de concreto instaladas pelas forças policiais há dois meses para impedir a chegada à capital. Os agricultores vinham ocupando as principais entradas para a capital e participaram de nove rodadas de negociação, sem que o governo admitisse a revogação de sua ‘reforma agrícola’.
Marchas de agricultores e caravanas com tratores foram realizadas pelo país inteiro nos dias que antecederam a entrada em Nova Délhi. No trajeto para a capital, os agricultores foram saudados com pétalas de flores e com frases de apoio, além de receberam comida e água.
As entidades de agricultores não foram sequer consultadas sobre as três lesivas leis. Com o repúdio dos agricultores num crescendo, o governo Modi prometeu atrasar em 1,5 ano a entrada em vigor das três leis da “escravização do agricultor” – como vêm sendo chamadas pelas centrais sindicais e entidades de pequenos produtores – se os agricultores entregassem os pontos.
A Suprema Corte havia suspendido a implementação da lei e nomeado um painel de quatro integrantes para discutir com os agricultores uma alternativa. Nos enfrentamentos com as forças policiais na capital nessa terça-feira, pelo menos uma pessoa morreu. Durante o protesto, um grupo de agricultores chegou a invadir o complexo histórico do Forte Vermelho, até ser dispersado sob cassetete e gás lacrimogêneo.
Os manifestantes também exigem que o governo recue do corte ou redução do subsídio da energia para os pequenos agricultores – outra imposição do FMI/Banco Mundial.
Na Rodovia Nacional 44, alto-falantes tocavam canções antigoverno enquanto a longa marcha de veículos avançava, abastecida por dezenas de cozinhas comunitárias que distribuem refeições e bebidas quentes em meio ao frio do inverno local, registrou a Reuters, quando se deu a partida rumo à capital.
“Vamos dar a Modi uma lição da qual ele nunca vai se esquecer”, disse um dos manifestantes, proveniente do distrito de Ludhiana, em Punjab, que dirigia seu próprio trator. O agricultor de 35 anos, que cultiva 4 hectares, pediu para não ser identificado.
A Delhi Chalo – marcha a Delhi – dos agricultores é encabeçada pela coordenação da Associação de Agricultores de Toda a Índia (AIKSCC), com mais de 500 entidades filiadas. A ‘reforma agrícola’ de Modi foi decretada em setembro, quando o país já estava em marcha batida para se tornar vice-campeão mundial de contágios de Covid-19, só atrás dos EUA. Como denunciou um líder dos agricultores: se o governo quer ser escravizado pelas corporações do agronegócio, que seja. “Mas nós não seremos escravizados”.
Nessa situação de pandemia descontrolada, foi uma canalhice a imposição da ‘reforma agrícola’, sem consulta aos agricultores ou à oposição. “Estamos com medo da Covid, mas não temos opção. É uma questão de vida ou de morte. Fomos nós que fornecemos comida, leite, legumes quando todo o país estava trancado”, disse outro dirigente dos pequenos produtores rurais, se referindo ao lockdown nacional de 10 semanas. “Foi o governo que nos pôs em risco ao introduzir estas leis durante a Covid”, sublinhou.
Modi insiste em que o objetivo da sua reforma agrícola é livrar os agricultores da “tirania dos intermediários” e trazer “mais investimentos” para a área rural.
Ao contrário de supostamente livrar os pequenos agricultores da ‘tirania dos intermediários’, segundo o Colégio dos Advogados de Delhi – a ‘OAB’ da capital indiana –, o que a lei faz é exatamente o contrário. Em carta endereçada ao presidente da Índia – Modi é o primeiro-ministro – a entidade denunciou o parágrafo da lei que virtualmente “cassa o direito de defesa” de quem quer que se sinta lesado em contrato assinado sob a lei, desde que o infrator alegue ter agido de “boa fé”.
“Isto é uma coisa extremamente perigosa que está acontecendo. Estão retirando os direitos fundamentais do cidadão para mover os tribunais quando se encontra em perigo”, adverte o Colégio de Advogados.
O início do maior protesto de agricultores indianos em décadas coincidiu com a maior greve geral de todos os tempos no país, com a participação de 250 milhões de pessoas, contra a famigerada ‘reforma trabalhista’ de Modi, parida na mesma fornada da sua ‘reforma agrícola’.
A paralisação de 26 de novembro exigiu uma ajuda mensal de emergência de 7.500 rúpias (US$ 100) para as centenas de milhões de pessoas cujos magros rendimentos foram cortados do dia para a noite em decorrência da desastrada gestão da pandemia pelo governo Modi. Também salário mínimo mensal de 21.000 rúpias; Previdência Social universal; 6% do PIB para a Saúde Pública e 5% para a Educação Pública.
A resistência às nocivas ‘reformas’ revela que há, na Índia, forças capazes de se opor a um governo que tem promovido incessantemente o chauvinismo hindu contra os muçulmanos e outras minorias, e incita divisões étnicas, comunais e de casta. Enquanto a Índia se arrasta na 129ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), está em quinto lugar no placar mundial de bilionários [em dólares]. Já o desemprego está na casa dos 27% – o que é sem precedentes no país.