A assistente de árbitro Marcielly Netto foi agredida por Rafael Soriano, então treinador da Desportiva (ES) -

Quando falamos que as mulheres encontram imensas dificuldades para entrar, trabalhar, fazer política ou se divertir em espaços historicamente destinados aos homens, somos acusadas de “mimimi”.

Por Vanessa Grazziotin*

Outros consideram que a ocupação desses espaços é exclusivamente uma questão de mérito, bastaria ser competente que ele estaria garantido. Muitas vezes nos deparamos com a frase “como colocar mais mulheres na política se não tem lideranças capazes de ganhar a eleição?”.

São formas de pensar que contribuem para que as mulheres continuem sendo vítimas de agressões das mais variadas, desde a violência física à violência política de gênero.

O Brasil continua assistindo pela Internet e pela televisão, a lamentável e inadmissível agressão do técnico Rafael Soriano, da Desportiva (time do Espírito Santo) à bandeirinha Marcielly Netto, no intervalo do jogo contra o Nova Venécia pelo Campeonato capixaba, realizado domingo passado.

Quem assiste ao vídeo percebe que ele dá uma cabeçada em Marcielly, ela leva a mão ao rosto e a maioria dos jogadores fez de conta que não viu.

Ao sair de campo, o técnico negou a agressão vista por todos e ainda ameaçou. “Se você disser que eu te agredi nós vamos para a delegacia, eu vou te processar”. “Ela está dizendo que eu agredi. Mentira. Está se usando porque é mulher. Está querendo aproveitar de uma situação porque é mulher”, afirmou.

Mesmo sabendo que havia câmeras filmando, ele ameaça e tenta se passar de vítima. Isso acontece porque é isso que os homens agressores fazem sempre que agridem. O técnico foi expulso do jogo, demitido do clube e suspenso da Federação Espírito Santo de Futebol, mas ainda é pouco. Ele precisa ser banido do futebol e servir de exemplo para coibir futuros ataques.

O episódio mostra, de forma clara, a violência de gênero, a falta de respeito à mulher mesmo quando ela é a autoridade. Há relatos de que, antes da cabeçada, durante o jogo, Marcielly foi xingada de “vagabunda” e de outras palavras impublicáveis. Torcedores a mandaram ir para casa, que ali não era “lugar de mulher”. Ela relata que esses xingamentos são comuns sempre que está trabalhando em campo, além do assédio de torcedores e jogadores.

Registramos nossa solidariedade a Marcielly e exigimos punição severa ao agressor. E não podemos deixar de dizer que este é um caso que ganhou visibilidade, mas, infelizmente, não é único. Em diversas áreas, diariamente as mulheres são agredidas.

Estudo realizado pelo Instituto Patrícia Galvão em 2020, mostra que 76% das mulheres já foram vítimas de violência no ambiente de trabalho. De acordo com o relatório, quatro em cada dez foram alvo de xingamentos, insinuações sexuais e receberam convites de colegas homens para sair. Também nessa proporção, as mulheres contam que tiveram seu trabalho supervisionado excessivamente. Outras convivem com situações de depreciação das funções que exercem com suas opiniões desconsideradas (37%) e ganham salário mais baixo do que os homens no mesmo cargo (34%).

Colegas homens constrangem, elogiando de forma inadequada (36%) e tentam exercer poder sobre as mulheres com ameaças verbais (23%) e discriminação por conta da aparência física ou idade das trabalhadoras (22%). 12% das mulheres entrevistadas afirmam terem sido vítimas de agressão sexual, entre casos de assédio e estupro. E 4% foram vítimas de agressão física no ambiente de trabalho.

Como se vê, denunciar as agressões não é “mimimi”. É a atitude necessária para que os agressores sejam punidos e que as mulheres possam ocupar os espaços e estarem livremente e sem medo, onde elas quiserem.
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*Ex-secretária nacional da Mulher do PCdoB. Foi dirigente estudantil e sindical; vereadora em Manaus, deputada federal e senadora da República pelo PCdoB Amazonas. Foi procuradora da Mulher no Senado.

(Artigo publicado originalmente no portal Brasil de Fato)

 

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