Começou na última quinta-feira (17) o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54, proposta pelo PCdoB, no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação quer garantir que ninguém seja considerado culpado – e, portanto, que ninguém venha a ser preso – enquanto houver a possibilidade de recursos na Justiça. José Eduardo Cardoso, advogado e ex-ministro da Justiça, dividiu a defesa pelo partido com o advogado Fábio Tofic. Cardozo pediu aos ministros da corte que respeitem o Estado Democrático de Direito e a Constituição Brasileira.

Além da ADC 54 do PCdoB, o STF examina conjuntamente as ADCs 43 e 44, do Patriota e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), respectivamente. Na sessão, falaram o ministro relator, Marco Aurélio Mello, os advogados dos autores das três ADCs e os amici curiae, ou “amigos da corte”, outros advogados que são convidados a ampliar os subsídios com os argumentos necessários para que o tribunal tome uma posição.

Os partidos e a entidade querem que o STF reconheça a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) pelo qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Na opinião dos proponentes, o dispositivo está “umbilicalmente ligado” ao artigo 5º inciso LVII da Constituição.

Caso as ações sejam acatadas pelos ministros, um dos beneficiados pode ser o ex-presidente Lula.

Defesa

“Senhores estamos no Estado de Direito e como tal vamos respeitá-lo”, enfatizou José Cardoso, para quem não há outra interpretação para o que está escrito como trânsito julgado. “Podemos gostar ou não gostar da Constituição, mas é como está escrito e devemos esse respeito a Constituição que juramos defender”, disse o ex-ministro.

Ele defendeu que esse dispositivo garante o Estado Democrático de Direito. “A expressão não foi colocada por acaso (…) foi para garantir a dignidade da pessoa humana e a liberdade”, disse. Lembrou que o trânsito julgado é a garantia do direito até quando o STF não puder se pronunciar.

José Cardoso também se dirigiu aos ministros declaradamente contra as ADCs. Ele refutou os argumentos segundo os quais a manutenção do entendimento colabora com o fim da violência, da ilicitude e da impunidade.

“Com cinco anos de experiência como ministro, sei que o principal problema da violência está no sistema prisional. O crime é comandado de lá. Não temos unidade que permita a mínima recuperação. É entrar lá e sair destruído”, disse.

Para os que acreditam que haverá soltura de presos em massa, caso sejam deferidas as ADCs, o ex-ministro lembra que o sistema tem uma resposta, que é a prisão preventiva. No seu entendimento não é acabando com direitos e prendendo as pessoas que o problema será resolvido. “Estamos falando de vidas destruídas, quem tiver dúvida que visite presídios”, afirmou.

Fábio Tofic citou Portugal e Itália como exemplos de países em que as prisões não podem acontecer na segunda instância. Nestas e em outras nações as constituições estabelecem prisões somente após o trânsito julgado. Ele explicou que a presunção da inocência foi uma resposta do período pós-guerra ao trauma dos regimes totalitários. “Era preciso constitucionalizar o processo penal”, lembrou.

Relatório

Antes de começar a leitura do relatório, o ministro relator Marco Aurélio Mello ironizou os boatos de que havia mal. “Ao fim, ressuscitado. Hoje pela manhã, disseram que eu estaria num hospital, entubado e que já teriam chamado o padre para a extrema-unção.”

No relatório, o ministro fez um resumo do histórico dos processos e da sobre a liminar que concedeu impedindo, em todo o país, a prisão após condenação em segunda instância. Nesse ponto, ele criticou o ministro Dias Toffoli que derrubou a liminar cinco horas depois.

“É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?”, questionou.

No final, entidades dos defensores públicos do Rio de Janeiro e São Paulo chamaram a atenção para o fato de que a prisão após condenação em segunda instância fere garantias fundamentais e aumentam o encarceramento das pessoas mais pobres.

Pelo avançado da hora, o presidente do STF, Dias Toffoli, encerrou a sessão pouco depois das 18h. A votação recomeça na próxima quarta-feira (23) quando usarão a palavra mais amici curiae e os representantes da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU).