O Estadão neste domingo, 27, cravou, talvez, pela milésima vez, uma manchete que retrata uma obsessão antiga das classes dominantes brasileiras: o fim do PCdoB. Para tal, a matéria, intitulada “O fantasma da extinção ronda os comunistas”, tergiversa, contorce os fatos.

Por Adalberto Monteiro*

Haroldo Lima, histórico dirigente do PCdoB, que faleceu recentemente vítima da Covid-19, retratou que, quando preso no episódio que entrou para história como “Chacina da Lapa”, o policial-torturador, todo arrogante, proclamou: “Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou.”

E o torturador mostrou a Haroldo os jornais do dia, entre eles O Estado de S. Paulo, com manchetes sobre o ataque da repressão, em 16 de dezembro de 1976, a uma casa no bairro da Lapa, cidade de São Paulo, onde ocorria uma reunião clandestina do Comitê Central do PCdoB.

Os coronéis da República Velha pretenderam sepultar o Partido Comunista do Brasil ainda no berço, quando ele nasceu em 1922. Mas, assim como não conseguiram sufocar os ventos irruptivos da Semana de Arte Moderna de 22 e nem a rebelião dos tenentes, também foram malsucedidos no intento de liquidar a legenda que nascera das lutas da classe trabalhadora brasileira e do grande projeto emancipador do socialismo que triunfara na velha Rússia.

O verdugo Filinto Muller, chefe da Polícia Política do Estado Novo, também chegou a vociferar o fim do PCB, como então era a sigla do Partido. E olha lá ele, 1943, ressurgindo na Conferência da Mantiqueira. Prestes, o Cavaleiro da Esperança, preso cruelmente numa solitária, e seus camaradas João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, Carlos Marighella, Mário Alves, entre outros, nos subterrâneos da liberdade, como bem disse Jorge Amado, reconstruíram o Partido célula a célula, tecido a tecido.

Depois, veio o vento forte e bom da democracia. E daqui jogando nosso olhar aos anos 1940, lá está o Partido se expandido aos borbotões. Que timaço comunista na Constituinte de 1946! Dois anos depois, o registro cassado e os mandatos também.

Nos anos 1950, veio o grande cisma no movimento comunista mundial, que impacta os comunistas brasileiros e sua legenda. Em 1962, um coletivo com olhos atilados de águia, com Amazonas, Grabois e Pomar à frente, garante a continuidade revolucionária do Partido fundado em 1922.

Em 1964, a democracia é uma vez mais ceifada. Pelas liberdades, os comunistas vão, de armas nas mãos, às selvas da Amazônia, nas terras banhadas pelo Rio Araguaia, para, junto com a população local, protagonizar a resistência armada mais prolongada contra a ditadura. Para punir essa ousadia, os generais prometem assassinar uma a uma as lideranças comunistas. Não conseguiram. Em 1986, lá está o PCdoB, com uma bancada eleita à Constituinte.

E veio um tremor de terra no triênio 1989-1991. Época de desertores. Na terra sem amos voltou a tremular a bandeira dos czares. Na bolsa de apostas dos opressores também se vaticinava que o PCdoB quando muito durava mais um ano.

E podemos vê-lo, adiante, em 2012, celebrando 90 anos, com Renato Rabelo à frente, com uma bancada de parlamentares tão expressiva quanto a de 1946, armado com um Programa que descortina a luta agora e já por um Novo Projeto Nacional de desenvolvimento como caminho brasileiro para o socialismo. O Partido escreve uma nova síntese de sua história na qual valoriza de igual modo o conjunto de suas lideranças e gerações: Astrojildo Pereira, Luís Carlos Prestes e João Amazonas.

Daí chegamos ao Brasil dos dias de hoje, de ponta-cabeça. O país sob jugo de um governo neofascista. A democracia em risco. Regressão civilizacional em toda linha. Uma pandemia com a envergadura de catástrofe nacional.

No curso da grande derrota das forças progressistas em 2018, o Partido, devido às circunstâncias, mas também a debilidades que é desafiado a superar, não ultrapassou a cláusula de barreira. Mas se recompôs, com a união que empreendeu com um partido revolucionário, marxista e patriótico, o Partido Pátria Livre (PPL).

Neste ambiente, o bolsonarismo ecoa o grito atávico dos fascistas e jura de morte o Partido Comunista do Brasil, ameaça extensiva aos socialistas, ambientalistas e antirracistas. Primeiro passo, como disse Luciana Santos, para sepultar a democracia.

O bolsonarismo se vale de uma legislação que mutila o pluralismo partidário, a cláusula de desempenho e o fim das coligações partidárias.

O PCdoB participa de um movimento amplo para aprovar a federação de partidos, inovação democrática que assegura a diversidade da democracia brasileira.

O Partido sabe da importância da luta parlamentar, sabe dos imensos danos que lhe serão impostos caso, finalmente, como tentam desde a redemocratização, em 1985, consigam arbitrariamente excluí-lo institucionalmente do parlamento.

Buscará alternativas para garantir sua presença institucional nas casas legislativas. E, de um modo ou de outro, a preservará.

Todavia, qualquer solução ao bloqueio autoritário que investe contra a representação parlamentar do PCdoB e de outras legendas tem de estar subordinado ao pressuposto de garantir a sua continuidade histórica, preservar a identidade e autonomia orgânica da legenda centenária, como assim se pronunciou a presidenta do nosso Partido Luciana Santos, no último dia 27, no mesmo dia que foi divulgada a referida matéria do Estadão. Como assim está selado numa Resolução Política do Comitê Central.

Esse pressuposto não é uma proclamação abstrata. Decorre de um aprendizado em cem anos de história.

A longevidade do Partido Comunista do Brasil vem do fato de ter conseguido, em qualquer circunstância, igual à uma árvore, ter se enraizado no solo pátrio e nas lutas do povo, ter preservado sua autonomia orgânica, sua identidade consubstanciada no seu Programa, na sua teoria, o marxismo-leninismo, no seu orgulho de pertencer à corrente revolucionária mundial dos comunistas, e na sua orientação política independente com qual atua no curso da luta de classes.

*Jornalista e poeta. É secretário nacional de Comunicação do PCdoB.

 

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