Absolvição do assassino racista Rittenhouse gera protestos nos EUA
Depois da absolvição de Kyle Rittenhouse – racista de 18 anos, ligado a grupos de extrema direita – que matou dois manifestantes antirracismo no ano passado, a noite da sexta-feira (19) foi marcada por manifestações contra a decisão judicial em várias cidades dos Estados Unidos – Portland (Oregon), Nova Iorque, Chicago e Columbus (Ohio). A polícia de Portland chamou os protestos de motim. Nas outras cidades as manifestações foram pacíficas.
Em Nova York, os participantes se aglomeraram do lado de fora do Barclays Center, no Brooklyn. Por volta das 20h, a multidão marchou ao longo da Flatbush Avenue em direção à ponte Manhattan.
Na cidade de Columbus (Ohio), centenas de manifestantes ficaram do lado de fora da Câmara. Contrários à absolvição, gritaram que “todo o sistema é muito culpado” e clamaram por justiça.
O presidente Joe Biden viera a público pedir “calma” logo após o tribunal racista, conduzido por um juiz flagrantemente tendencioso, absolver de todas as acusações um assassino racista – Kyle Rittenhouse -, que saíra de seu estado, Illinois, armado de fuzil semiautomático AR-15, para ir até Kenosha, no vizinho Wisconsin, aonde ocorriam protestos contra o racismo, e ali provocou e matou dois jovens brancos que se solidarizavam com o Black Lives Matter, Joseph Rosenbaum e Anthony Huber, e feriu outro manifestante, Gaige Grosskreutz.
A família de Huber repudiou o veredicto, dizendo-se de “coração partido e com raiva” porque “não houve justiça hoje para nosso filho Anthony, ou para as outras vítimas do Sr. Rittenhouse, Joseph Rosenbaum e Gaige Grosskreutz”.
“O veredicto de hoje significa que não há punição para a pessoa que assassinou nosso filho. Envia a mensagem inaceitável de que civis armados podem aparecer em qualquer cidade, incitar à violência e, em seguida, usar o perigo que criaram para justificar atirar em pessoas na rua”, acrescentaram à CNN Karen Bloom e John Huber.
“Nenhuma pessoa razoável vendo todas as evidências poderia concluir que o Sr. Rittenhouse agiu em legítima defesa … O Sr. Rittenhouse veio para Kenosha armado para matar. A polícia de Kenosha o encorajou a agir com violência e nosso filho está morto como resultado.”
O duplo homicídio foi cometido em 25 de agosto do ano passado, três meses após o assassinato de George Floyd, asfixiado com o joelho por um policial racista, o que provocou um levante nacional, o maior em cinquenta anos. A revolta em Kenosha foi provocada pelos tiros desferidos por outro policial branco, pelas costas, no cidadão negro Jacob Blake, que estava em seu carro, e ficou paralítico.
Ligado às milícias de extrema direita, Rittenhouse, então com 17 anos, depois de matar Rosenbaum e Huber, pôde sair andando calmamente com o fuzil, passou pelos policiais sem ser incomodado e pôde voltar para Illinois, onde se entregou no dia seguinte.
“Você sabe muito bem que se Kyle Rittenhouse fosse negro, ele teria sido considerado culpado em um piscar de olhos – ou morto a tiros pelos policiais no local”, registrou o ex-pré-candidato presidencial democrata e ex-ministro da Habitação, Julián Castro, de ascendência latina.
Como registrou a Associated Press, para muitos negros norte-americanos, “a absolvição de Kyle Rittenhouse de todas as acusações por um júri de Wisconsin na sexta-feira confirmou sua crença em dois sistemas de justiça: um para brancos e outro para negros”.
“Absolvição exigida pelo ‘juiz”
“A inocência de Kyle Rittenhouse foi virtualmente exigida pelo juiz”, denunciou o vice-governador democrata de Winscosin, Mandela Barnes, que é negro, que lembrou como “temos visto tantos jovens negros e pardos serem mortos, apenas para serem inocentados postumamente”.
Rashad Robinson, presidente do grupo de justiça racial Color of Change, disse em um comunicado que “a absolvição de Kyle Rittenhouse não apenas adiciona um insulto à injúria neste caso horrível, mas envia uma mensagem perigosa e distorcida sobre como o sistema jurídico mima os réus brancos acusado de crimes inescrupulosos.”
“Ao longo do julgamento, vimos as desigualdades estruturais dentro do sistema legal em plena exibição. De rejeitar a acusação de porte de arma de menor à politização dos fatos diretos do caso de Rittenhouse, o juiz do condado de Kenosha, Bruce Schroeder, apresentou um estudo de caso sobre como o judiciário mantém os sistemas de supremacia branca”, acrescentou Robinson.
“E ele não é uma anomalia. Seu comportamento ressalta como todo o aparato jurídico perpetua a existência de dois sistemas de justiça criminal: um para brancos e outro para negros”.
“Sem vítimas”
Antes de começar o julgamento propriamente dito, o juiz Schroeder definiu que os mortos por Rittenhouse não podiam ser chamados de “vítimas” no julgamento, o que seria uma regra de longa data em seu tribunal.
Em outro momento, Schroeder, quando uma testemunha de defesa que havia servido no exército estava prestes a testemunhar, puxou uma salva de palmas para veteranos militares. Ele também redigiu um manual de ‘orientação ao júri’ de mais de 30 páginas.
Falando fora do Tribunal do Condado de Kenosha após o veredicto, Justin Blake, tio de Jacob Blake, afirmou que “desde o primeiro dia, o juiz teve sua mão na balança”. “Ele não permitia fotos. Ele não permitia fitas de vídeo. Ele não permitia. Ele não permitia. Ele não permitia”, disse ele. “Ele estava fazendo tudo o que podia para permitir que este jovem saísse do tribunal limpo e livre. Isso cegou os olhos dos jurados, e talvez porque ele fez isso, eles não viram as provas como poderiam ter visto.”
“Enfurecedor, mas nada surpreendente”
O respeitado Centro de Direitos Constitucionais (CCR) disse em um comunicado que o veredicto “é entristecedor, enfurecedor e nada surpreendente. Aconteceu no final de um julgamento no qual o juiz Bruce Schroeder se desdobrou para favorecer Rittenhouse de maneiras que seriam inconcebíveis se o réu fosse um negro que levou um rifle semiautomático para um protesto e matou duas pessoas”.
“Depois que um aspirante a líder da milícia convidou “patriotas” para combater “bandidos do mal”, Rittenhouse, um residente de Illinois, fazia parte de um grupo de paramilitares pró-polícia fortemente armados que atacaram os protestos em Kenosha e aos quais a polícia local forneceu sua gratidão, apoio e incentivo .
Não surpreendentemente, Rittenhouse, com sua ligação com os Proud Boys , tornou-se um herói para os nacionalistas brancos e muitos da direita. Seu vigilantismo racista o adiciona a uma longa linha de vigilantes racistas , incluindo George Zimmerman – o assassino de Trayvon Martin – e os três homens brancos agora em julgamento na Geórgia por matar Ahmaud Arbery. Suas ações têm como pano de fundo o contínuo direcionamento da aplicação da lei e a vigilância de organizações lideradas por negros”.
A entidade Public Citizen [Cidadão Público] denunciou que “Travyon Martin era um garoto de 17 anos desarmado. Ele foi morto ao andar com um saquinho de doce. A extrema-direita o chamou de ameaça”. “Kyle Rittenhouse tinha 17 anos e estava armado. Atirou e matou duas pessoas com um AR-15. A extrema-direita o chama de herói”.
“O juiz. O júri. O réu. É a supremacia branca em ação”, indignou-se a deputada democrata negra Cori Bush.”Este sistema não foi construído para punir os supremacistas brancos. É por isso que os negros e mulatos são brutalizados e colocados em jaulas enquanto os assassinos supremacistas brancos andam em liberdade.”
“[Rittenhouse] fez justiça com as próprias mãos, matando duas pessoas e ferindo outra. Elas foram vítimas de violência armada e muitas famílias perdem entes queridos para essas tragédias. Eu entendo por que as pessoas acreditam que a justiça não foi feita neste caso, porque me sinto da mesma maneira”, disse a senadora Tammy Baldwin. Ela classificou o veredicto de “desrespeito às vidas que foram perdidas”.
“A absolvição de Kyle Rittenhouse hoje continua o legado de nossa nação de defender a violência da supremacia branca enquanto estereotipa os negros e pardos como criminosos”, disse a presidente do Sindicato dos Trabalhos em Serviços, Mary Kay Henry,
“Você pode realmente cheirar e ver o racismo sistêmico subjacente que está no sistema judicial e no sistema de policiamento”, disse Justin Blake, tio de Jacob Blake, após o veredicto. “Você não pode me dizer que essas instituições não estão doentes”, disse Kyle Johnson, um organizador das Comunidades Organizadoras de Líderes Negros. “Você não pode me dizer que essas instituições não estão contaminadas com racismo.”
“Desde o início, este caso puxou as cortinas das profundas rachaduras em nosso sistema de justiça – desde o preconceito profundo exibido rotineira e descaradamente pelo juiz à apatia dos policiais que testemunharam os crimes de Rittenhouse e não fizeram nada”, denunciou o advogado de direitos civis Ben Crump, que representou as famílias de Jacob Blake, Trayvon Martin e Ahmaud Arbery. “Se estivéssemos falando sobre um homem negro, a conversa e o resultado seriam totalmente diferentes”.