A Cinemateca Brasileira, cuja trajetória é reconhecida internacionalmente, enfrenta uma situação limite e 29 entidades representativas do cinema e audiovisual denunciam seu desmonte orquestrado pelo governo Bolsonaro que, em meados de 2020, ainda não pagou a verba que a instituição tem direito referente a 2019. Além das entidades, funcionários da Cinemateca Brasileira também se manifestaram contra o desmonte.
O presidente havia prometido dar o órgão, que reúne o maior acervo de filmes do país, de “presente” de consolação para a ex-atriz Regina Duarte após exonerá-la da Secretaria Especial da Cultura. Entretanto, o plano de Bolsonaro é o de fechar a instituição.
A carta assinada por entidades como a Associação Brasileira de Cinematografia (ABC) e Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (SINDCINE), aponta que “há muito a Cinemateca, em grave crise financeira, não recebe recursos governamentais necessários para o seu pleno funcionamento. Desde de abril, está com os salários dos poucos funcionários que restam atrasados e luta para pagar a conta de luz, que pode ser cortada a qualquer momento”.
As entidades apontam a catástrofe que pode ocorrer se o governo Bolsonaro não enviar as verbas que a instituição tem direito. “Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas onde estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem refrigeração e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose- material altamente inflamável – ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016. A lista de obras ameaçadas inclui filmes da Atlântida, da Vera Cruz, tudo o que restou do cinema silencioso brasileiro, arquivos históricos de Glauber Rocha e grandes filmes restaurados pela cinemateca – a história do audiovisual nacional corre enorme risco”, salienta a carta das entidades.
As instituições apontam como “negligência” a política de Bolsonaro para a cinemateca e exige que “o governo federal providencie imediatamente a dotação urgente e necessária para que a Cinemateca Brasileira volte a funcionar plenamente e em bases seguras para os
A Cinemateca Brasileira está sem contrato de gestão desde que o Ministério da Educação encerrou, em dezembro, o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) para gerir a TV Escola. Sem o contrato com o MEC, invalidou-se também o acordo para a gestão da Cinemateca.
Desde 2018, a Cinemateca Brasileira só pode funcionar por meio de um contrato de gestão com uma organização social e não recebe repasses diretos do governo federal.
Neste ano, porém, a Cinemateca tem se mantido sem o contrato. De janeiro a abril, foi mantida pelo caixa da Acerp, que teria desembolsado R$ 4 milhões para o pagamento de funcionários, prestadores de serviço e dos custos da instituição.
A expectativa da Acerp era fechar um termo de emergência com a Secretaria Especial de Cultura, por meio da Secretaria de Audiovisual, em fevereiro, para realizar a gestão até julho, quando seria feito novo contrato de gestão — com a Acerp ou outra OS.
Sem destinar a verba prevista para 2019 e 2020, se o governo rescindir o contrato com a Cinemateca, a entidade não terá como arcar com as demissões. O governo também não se compromete em pagar nem sequer isso.
Segundo o portal UOL, ronda a Cinemateca Brasileira a proposta por parte do governo de fechar a instituição. A ideia teria sido colocada em reunião entre representantes do governo e da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), entidade que cuidava até o final do ano passado da gestão da Cinemateca.
Com isso a Fundação Roquette Pinto seria obrigada a demitir cerca de 150 funcionários —quase todos técnicos, e alguns com 40 anos de casa. Pior: como não tem dinheiro, a fundação não teria como pagar os valores de rescisões trabalhistas — e tampouco o governo assumiria esse ônus.
Os funcionários da Cinemateca, por meio de seus sindicatos, denunciaram a situação que o desmonte promovido pelo governo federal levou os trabalhadores da Cinemateca.
“Até o presente momento, o Governo Federal não realizou o repasse à Acerp de cerca de R$ 12 milhões referentes à gestão da Cinemateca no ano de 2019. Esse repasse deveria ter sido feito ano passado”, denunciam os trabalhadores.
Seis meses de atraso no repasse e os trabalhadores denunciam perseguição àqueles que não se calaram frente ao descaso, os salários e benefícios atrasados. “Colegas de trabalho que ousaram cobrar e questionar foram demitidos, salários, serviços e demais benefícios deixaram de ser pagos e, em meio à pandemia que assola nosso país, podemos ficar sem plano de saúde”.
Segundos os funcionários, “trabalhadores e prestadores de serviço seguem desempenhando suas funções sem receber para tanto. Sem falar no risco de outros tantos trabalhadores de empresas que dependem da Acerp de perderem seus empregos e serem colocados na mesma situação”.
A não renovação do Contrato de Gestão implicará tanto a demissão desses profissionais, como dos serviços essenciais de manutenção, segurança, limpeza e brigadista; corte de energia. “Prejuízos irreversíveis para o acervo e equipamentos, ocasionando a interrupção imediata das atividades da Cinemateca”, apontam os trabalhadores que apelam para que “os contratos sejam imediatamente regularizados, trabalhadores readmitidos, salários e benefícios postos em dia e que assim possamos voltar a construir inclusão em nosso país”.
Frente as denúncias dos trabalhadores e das entidades do audiovisual, o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) encaminhou, um ofício à Secretaria Especial da Cultura cobrando “informações a respeito da possível ausência de repasse orçamentário que vem prejudicando o funcionamento da Cinemateca Brasileira e causando danos a acervo audiovisual mantido pela citada entidade.”
A secretaria tem até 60 dias para confirmar se houve ou não repasse à Cinemateca Brasileira. Se confirmada a falta de envio dos recursos, o MPF poderá entrar com uma ação civil pública contra a pasta.

Confira a íntegra dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira:
“Salvem a Comunicação Educativa e a Cinemateca Brasileira
Nós, trabalhadores da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), através de nossos sindicatos, vimos através desta solicitar a imediata resolução deste grave imbróglio, que, mais do que nossas famílias, atinge diretamente os arquivos históricos da cultura nacional e o desenvolvimento da educação em nosso país.
Como é de conhecimento público, o contrato de gestão da TV Escola, firmado entre o Ministério da Educação e a Acerp foi rescindido unilateralmente pelo Ministério, sem qualquer precedente desde a criação do canal.
Esse rompimento acarretou na suspensão da entrada de verba para a gestão, não obstante as atividades da TV Escola terem sido mantidas. Igualmente importante é o contrato de gestão da Cinemateca Brasileira, aditivo do contrato de gestão da TV Escola, também afetado pela referida rescisão.
Até o presente momento, o Governo Federal não realizou o repasse à Acerp de cerca de R$ 12 milhões referentes à gestão da Cinemateca no ano de 2019. Esse repasse deveria ter sido feito ano passado.
A direção da Acerp tem nos pedido paciência na promessa de que tudo se resolverá através de um novo contrato firmado com a Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo.
Entretanto, já se passaram quase seis meses e o pior aconteceu: colegas de trabalho que ousaram cobrar e questionar foram demitidos, salários, serviços e demais benefícios deixaram de ser pagos e, em meio a pandemia que assola nosso país, podemos ficar sem plano de saúde.
Os trabalhadores e prestadores de serviço seguem desempenhando suas funções sem receber para tanto. Sem falar no risco de outros tantos trabalhadores de empresas que dependem da Acerp de perderem seus empregos e serem colocados na mesma situação
Mas, para além de nossos problemas pessoais, gostaríamos de compreender qual objeção teria um governo com um projeto de comunicação educativa e com a preservação de nosso patrimônio cultural?
A Acerp tem sob seu guarda-chuva projetos da maior relevância para a cultura e a educação brasileiras – a TV Escola, a TV INES e a Cinemateca Brasileira.
A TV Escola tem 25 anos de relevantes e reconhecidos serviços prestados à educação. Ela faz parte da Associação de Televisão Latino-americana e recebeu, ao longo desse tempo, prestigiosos prêmios no Brasil e no exterior.
Além dos programas que transmite, gera conteúdo para ações educativas nas redes sociais. A TV Escola é a herdeira e continuadora do sonho centenário do grande educador Edgard Roquette-Pinto e produz ferramentas importantes para a formação de alunos, professores e profissionais da educação.
Importância esta reconhecida pelos próprios técnicos do Ministério da Educação, quando no ano passado atribuíram nota 9,7 de média para a TV e deram, por escrito, o aval para a renovação do contrato com o Ministério, o que foi ignorado pelo atual titular da pasta.
A atitude de cortar unilateralmente o contrato, inclusive ignorando cláusula contratual de aviso prévio, sacramentou a falência da instituição e condenou centenas de famílias a ficarem sem seu sustento.
A TV Ines é a primeira webTV em Libras (Língua Brasileira de Sinais), com legendas e locução —o que a torna única na proposta de integrar os públicos surdo e ouvinte numa grade de programação bilíngue, já que Libras não é a simples gestualização da língua portuguesa e tem gramática, sintaxe e léxico próprios.
Já a criação da Cinemateca Brasileira remonta ao Clube de Cinema de São Paulo, da década de 1940.
Nos seus mais de 70 anos de lutas por aprimoramento e reconhecimento, foi dirigida por Paulo Emílio Sales Gomes, seu principal fundador e defensor até os anos 1970.
Vinculada à Secretaria do Audiovisual em 2003, o descaso do próprio governo federal em 2013 trouxe impactos diretos, ocasionando o quarto incêndio de sua história, em 2016.
Reconhecida internacionalmente, a Cinemateca abriga e preserva um patrimônio audiovisual imprescindível para a compreensão da nossa cultura e história dos últimos 120 anos. E que sobrevive para a sociedade brasileira, e para o mundo, graças a um quadro de trabalhadores já bastante reduzido, mas com inquestionável expertise voltada para a própria instituição.
A não renovação do Contrato de Gestão implicará tanto a descontinuidade desses profissionais, como dos serviços essenciais de manutenção, segurança, limpeza e brigadista; corte de energia e prejuízos irreversíveis para o acervo e equipamentos, ocasionando a interrupção imediata das atividades da Cinemateca.
Somos profissionais —contratados por regime CLT e com contratos de prestação de serviços— e compreendemos a importância do nosso trabalho para a efetiva cidadania brasileira.
O que explica, inclusive, o nosso compromisso e esforço em manter a TV Escola e a Cinemateca funcionando nos últimos dois meses, mesmo com os pagamentos atrasados.
A TV Ines, embora esteja com os salários em dia, também corre grave risco de extinção se a Acerp acabar.
Trabalhamos para uma Organização Social sem fins lucrativos, fundada em 1995, com uma missão inconteste: promover a inclusão na educação e cultura brasileira e gerar valor agregado para a sociedade.
Pelo que lhes é intrínseco, a TV Escola,a TV Ines e a Cinemateca Brasileira nunca tiveram sua relevância questionada por qualquer governo. Como pode o Governo Federal ignorar algo tão relevante?
Vale ressaltar, que ao suscitar rescindir contratos ou dar calote na Acerp, o Governo também joga fora todo o patrimônio, tangível e intangível, construído até aqui, em mais de décadas, com dinheiro público.
Dito tudo isto, apelamos para que os contratos sejam imediatamente regularizados, trabalhadores readmitidos, salários e benefícios postos em dia e que assim possamos voltar a construir inclusão em nosso país.
Atenciosamente,
Sindicato dos Trabalhadores em Rádio e TV do Rio de Janeiro
Sindicato dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão no Estado de São Paulo
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro
Federação Nacional dos Radialistas – Fitert
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Intersindical – Instrumento de luta da classe trabalhadora.”

Confira a íntegra da carta assinada por 29 entidades do cinema e audiovisual
CINEMATECA BRASILEIRA
Patrimônio da Sociedade
A comunidade cinematográfica brasileira, representada por suas entidades, vem manifestar a sua inconformidade com a grave crise que se aprofunda e pode levar à falência da Cinemateca Brasileira.
A Cinemateca é uma conquista histórica do cinema brasileiro. Nela está depositada a maior parte das imagens domésticas, filmes de todos os gêneros e bitolas, programas de TVs e jornais televisivos que o nosso país já produziu ao longo dos últimos 100 anos. Ela é a memória viva de nosso país e o testemunho da grandeza atingida por nosso cinema ao longo da sua existência. O trabalho de restauro desenvolvido pela Cinemateca foi considerado de excelência pelos principais centros especializados do mundo.
No entanto, estamos assistindo à inaceitável deterioração de suas funções que já atingiu um patamar absolutamente incompatível com a sua importância. Técnicos valiosos e especializados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticamente. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutilização dos equipamentos de ponta, fruto de vultosos investimentos, que correm o risco de sucateamento.
Há muito a Cinemateca, em grave crise financeira, não recebe recursos governamentais necessários para o seu pleno funcionamento. Desde de abril, está com os salários dos poucos funcionários que restam atrasados e luta para pagar a conta de luz, que pode ser cortada a qualquer momento. Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas onde estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem refrigeração e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose- material altamente inflamável – ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016. A lista de obras ameaçadas inclui filmes da Atlântida, da Vera Cruz, tudo o que restou do cinema silencioso brasileiro, arquivos históricos de Glauber Rocha e grandes filmes restaurados pela cinemateca – a história do audiovisual nacional corre enorme risco.
Todo esse processo de irresponsável negligência se combina com o afastamento da comunidade cinematográfica nacional que não é consultada ou sequer informada a respeito dos rumos desta instituição.
Por acreditarmos que a interlocução da Cinemateca Brasileira com a comunidade cinematográfica é essencial para o seu urgente e devido resgate, reivindicamos a formação de uma comissão com membros indicados pelas principais entidades cinematográficas do país a fim de que se estabeleça um contato formalizado e periódico, condição sine qua non para que se trabalhe com transparência e a Cinemateca volte a assumir a sua vocação pública primeira de preservar e difundir o cinema brasileiro.
Para isso, exigimos que o governo federal providencie imediatamente a dotação urgente e necessária para que a Cinemateca Brasileira volte a funcionar plenamente e em bases seguras para os filmes nela depositados – patrimônio cultural e histórico de nosso país.

ENTIDADES NACIONAIS – ORDEM ALFABÉTICA
1. ABC Associação Brasileira de Cinematografia
2. ABPA Associação Brasileira de Preservação Audiovisual
3. ABRA Associação Brasileira de Roteiristas
4. ABRACI Associação Brasileira de Cineastas
5. ABRANIMA Associação Brasileira de Animação
6. ACCIRS -Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul
7. ANDAI Associação Nacional Distribuidores do Audiovisual Independente
8. ANDAI Associação Nacional Distribuidores do Audiovisual Independente
9. APACI Associação Paulista de Cineastas
10. APAN Associação Paulista do Audiovisual Negro
11. API Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
12. APRO Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais
13. APROCINE Associação de Produtores e Realizadores de Cinema e Audiovisual DF
14. CONNE Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste
15. DBCA Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual
16. FORCINE Fórum Brasileiro de Ensino de Cine e Audiovisual
17. FÓRUM DOS FESTIVAIS – Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais de Cinema
18. FUNDACINE Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul
19. SANTACINE Sindicato da Indústria do Audiovisual de Santa Catarina
20. SIAESP Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo
21. SIAV Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul
22. SICAV Sindicato da Indústria Audiovisual
23. SINDAV-MG Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais
24. SINDCINE Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual
25. STIC Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinemat. e do Audiovisual
ENTIDADES INTERNACIONAIS
1- Cinemateca de Bolonha – Itália
2- Cinemateca Francesa – França
3- FIPCA Federación Iberoamericana de Productores Cinematográficos y Audiovisuales
4- Instituto Lumière – França