Comparação entre crânios motivou debates sobre tamanho da inteligência e incitou teorias racistas

Um historiador influenciado por Oswald Spengler foi o inglês Arnold Toynbee (1889-1975), autor de “Um Estudo de História” (1987), onde descreve em detalhe o nascimento, desenvolvimento e declínio das civilizações. Seu objeto de análise não são as nações nem o nacionalismo mas entidades mais amplas das quais fazem parte – as “civilizações”, que Toynbee definiu sobretudo a partir da religião. Ele foi, nesse sentido, um antecessor do historiador e ideólogo conservador estadunidense Samuel Huntington, que foi conselheiro e consultor do governo dos EUA e autor do livro “O choque das civilizações” (1996), onde apresentou o mundo atual como palco do conflito entre grandes religiões, sobretudo a cristã e a islâmica.

Por José Carlos Ruy*

Toynbee se recusou a ver a história como resultado de um ciclo vital e, neste aspecto, se afastou de Spengler. Tendo escrito principalmente na primeira metade do século XX, assistiu ao resultado catastrófico das ideologias de superioridade racial que levaram ao nazismo, à Segunda Grande Guerra e ao assassinato de milhões de pessoas consideradas racialmente inferiores.

Toynbee estudou em sua obra 26 diferentes civilizações e as conclusões a que chegou são tributárias das idéias de Darwin: as civilizações de maior sucesso seriam aquelas dotadas de respostas mais eficientes aos desafios que enfrentam. Neste particular o uso que faz da palavra “cultura” tem um sentido semelhante ao que tinha a palavra “raça” algumas décadas atrás – são expressões empregadas para classificar as civilizações (e os homens, claro) em “inferiores” e “superiores”.

O darwinismo social e o pensamento racista a ele associado caíram em descrédito após a derrota do nazismo na Segunda Grande Guerra e o declínio da defesa aberta da supremacia racial dos povos brancos. Entretanto esse descrédito do racismo não significou o abandono das teses de superioridade racial dos europeus.

Na nova conjuntura, a história foi “naturalizada” com base na “cultura” e também na biologia, pregando a mesma superioridade de alguns grupos humanos sobre os demais.

Alguns autores tentaram dar suporte científico a estas idéias anacrônicas. Entre eles, cientistas cujas obras tiveram grande difusão justamente por legitimar a ideologia dominante e reforçar o pensamento conservador da supremacia branca.

Um exemplo é o livro “O acaso e a necessidade”, do bioquímico francês Jacques Monod, vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1965, e que teve grande prestígio acadêmico na década de 1970.

Ele se apoiou na biologia molecular, que em seu tempo se desenvolvia aceleradamente, para afirmar que os fenômenos descritos por ela “impõem evidentemente a hipótese de que são guiados pelo exercício de funções de algum modo ‘cognitivas’” (Monod: 1971). Isto é, por uma inteligência alheia aos seres humanos, e que guiaria a evolução cujo conhecimento seria uma “revelação”: “a construção epigenética de uma estrutura não é uma criação, é uma revelação” (Monod: 1971). O comportamento humano obedeceria a um programa inato, geneticamente determinado, elaborado à margem da atividade prática do homem (Monod: 1971).

Polemizando diretamente com o marxismo, Monod defendeu idéias conservadoras semelhantes às do ultrapassado darwinismo social e da eugenia nele baseada. (Monod: 1971). Não recuou mesmo diante de teses desumanas que no passado foram partilhadas pelos conservadores e pelos nazistas. Nas sociedades modernas, escreveu, a seleção já “não tem mais nada de ‘natural’ no sentido darwiniano do termo”. Defendeu a tese amoral de que a evolução já “não favorece a ‘sobrevivência do mais apto’, isto é, em termos mais modernos, a sobrevivência genética desse ‘mais apto’, por uma expansão maior de sua descendência. A inteligência, a ambição, coragem, a imaginação, de certo sempre são fatores de sucesso nas sociedades modernas. Mas de sucesso pessoal, e não genético, o único que conta para a evolução.” (Monod: 1971).

Monod defendeu teses que podem ser consideradas homicidas ao lamentar o que considerou o fim da seleção natural entre os homens. Segundo ele, “numa época ainda recente, mesmo nas sociedades relativamente avançadas, a eliminação dos menos aptos, física e intelectualmente, era automática e cruel. A maioria não atingia a puberdade. Hoje, muitos desses enfermos genéticos sobrevivem o bastante para se reproduzir. Graças ao progresso do conhecimento e da ética social, o mecanismo que defendia a espécie contra a degradação inevitável quando a seleção é natural é abolido” (Monod. 1971). Diz que esta tendência é “perigosa” e contra ela propõe uma solução homicida: o “único meio de ‘melhorar’ a espécie humana seria operar uma seleção deliberada e severa” para eliminar os fracos, os débeis, e os inferiores (Monod: 1971).

Isto é, defendeu o extermínio puro e simples daqueles que considera fracos e incapazes que, por isso, não teriam o direito à sobrevivência!

Monod condenou os avanços morais e éticos que a ciência moderna permite e rejeitou a noção de direitos humanos. “A idéia de uma ética social fundada em ‘direitos’ supostamente ‘naturais’ do homem, exprime essa atitude, a qual se revela também – só que de modo muito mais sistemático e firme – nas tentativas de explicação da moral implícita do marxismo” (Monod: 1971).

Este ponto reforça a face cruel de sua visão. “É fácil ver que o profetismo historicista fundado no materialismo dialético estava carregado de todas as ameaças que, com efeito, se realizaram.” (Monod: 1971).

Eis a defesa contemporânea, numa ideologia que se disfarça de “ciência”, de teses de caráter nazista para favorecer aos considerados “melhores” e “superiores”, idéias que provocaram a tragédia humana que o nazismo e os crimes que cometeu significaram!

Bibliografia

Monod, Jacques. O acaso e a necessidade. Petrópolis, Vozes, 1971

Spengler, O. “A Decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal”. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1964.

Toynbee, Arnold. Um Estudo da História. São Paulo, Martins Fontes, 1987.

 

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