Meninas desde a primeira infância são molestadas, violentadas, engravidadas. E isso muito antes mesmo de verem sua menstruação chegar. Uma infância roubada, sexualidade com dor e culpa, gravidez precoce, sonhos de uma vida normal para muito tempo adiados ou até impedidos. Uma realidade triste do país e, com mais frequência, no Brasil profundo. Esse Brasil invisível, pobre e negro.

Por Jandira Feghali*

Segundo dados do DATASUS são seis abortos por dia realizados em meninas entre 10 e 14 anos. Estatística chocando reforçada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, que mostra que quatro meninas com idade inferior a 13 anos são estupradas por hora. Isso, por hora.

A Constituição brasileira em vários artigos protege a criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente está em vigor. Votamos o marco legal da primeira infância que atravessa muitas dimensões da vida. A Lei Maria da Penha, por exemplo, trata da prevenção e da punição dos diversos tipos de violência, inclusive a sexual. Mas ainda vemos uma triste realidade explodindo diante de nós, e essas meninas e adolescentes continuam chegando assustadas, destroçadas física e psicologicamente diante das famílias e dos serviços de saúde, na maioria das vezes porque estão grávidas de um homem de seu convívio familiar. Por vezes o pai biológico, o padrasto, tio, avô… Tomadas pelo desespero e sem saber o que fazer.

Cabe aos serviços públicos o acolhimento, a proteção e o cumprimento das normas legais, tudo claramente estabelecido na Constituição, no Código Penal (desde 1940), nos códigos de ética profissional.

Mas o Ministério da Saúde conseguiu violar a Constituição e toda a legislação em vigor, além de ferir o código de ética médica e induzir a tortura à vítima com a publicação da Portaria nº 2.282, de 27 de agosto. O texto obriga aos profissionais de saúde à notificação compulsória às autoridades policiais, ferindo direito ao sigilo, privacidade e autonomia da vítima (art. 5º da CF, inciso X), como também o art. 73 do Código de Ética Médica. Disponibiliza o ultrassom do embrião ou feto para a gestante, uma verdadeira prática de tortura psicológica e emocional, além de outras medidas e travas burocráticas que não são exigidas em nenhuma legislação em vigor ou nenhuma portaria anterior do ministério, numa clara ideologização do direito, constrangimento às meninas e mulheres e a tentativa de inviabilizar o procedimento permitido, quando decidido e autorizado pela vítima.

Médicos não são policiais ou juízes, devem denunciar torturas (art. 25 do Código de Ética Médica) e não realizá-las. As crianças, jovens e mulheres que sofrem uma violência sexual não são criminosas, são vítimas.

Esta portaria precisa ser derrubada. É uma segunda violência. E desta vez praticada pelo Estado. A Câmara dos Deputados precisa votar urgentemente o PDL 381, apresentado há dias por mim e mais 11 deputadas federais, e que visa restabelecer a legalidade. Votemos o PDL 381. É urgente.

 

*É médica.  Está no sétimo mandato como deputada federal (PCdoB-RJ).