A marcha desenfreada dos neonazistas na Ucrânia, relata The Nation
“A Ucrânia pós-Maidan, sublinha Lev Golinkin, “é a única nação do mundo a ter uma formação neonazista [abertamente] em suas forças armadas”.
A revista norte-americana The Nation, em artigo assinado pelo escritor Lev Golinkin, ucraniano de nascença e que em criança emigrou para os EUA, agora republicado, advertiu que cinco anos após a revolta de Maidan, “o antissemitismo e o ultranacionalismo de inclinação fascista estão em marcha desenfreada”.
Golinkin lembrou que a derrubada do então presidente Yanukovych teve “aplausos e apoio do Ocidente” e que aqueles que denunciaram “o lado sombrio do levante” foram chamados de “marionetes de Moscou e idiotas úteis”.
Segundo o escritor, a euforia inicial do Ocidente se defrontou com “pogroms neonazistas contra os ciganos, ataques desenfreados a feministas e grupos LGBT, proibições de livros e glorificações patrocinadas pelo Estado de colaboradores nazistas”.
Conforme o escritor, “a defesa padrão” do regime de Kiev por parte do establishment em Washington e capitais europeias “é apontar que a extrema direita da Ucrânia tem uma porcentagem menor de assentos no parlamento do que suas contrapartes em lugares como a França”.
Esse é “um argumento espúrio”, ele enfatizou: “o que a extrema direita da Ucrânia não tem em números nas pesquisas, compensa com coisas com as quais Marine Le Pen só poderia sonhar – unidades paramilitares e rédea solta nas ruas”.
A Ucrânia pós-Maidan, sublinha Golinkin, “é a única nação do mundo a ter uma formação neonazista em suas forças armadas”. “O Batalhão Azov foi inicialmente formado pela gangue neonazista Patriotas da Ucrânia”.
“Andriy Biletsky, o líder da gangue que se tornou comandante do Azov, escreveu uma vez que a missão da Ucrânia é ‘liderar as raças brancas do mundo em uma cruzada final… contra os Untermenschen liderados pelos semitas’. Biletsky é agora deputado no parlamento da Ucrânia. “Untermenschen” (sub-homens) é o termo com que os nazistas, na era de Hitler, chamavam judeus e eslavos.
A incorporação do Batalhão Azov – que foi acusado de abusos de direitos humanos, incluindo tortura, pela Human Rights Watch e pelas Nações Unidas – se deu no outono de 2014.
Entre os meios de comunicação ocidentais que em algum momento já chegaram a reportar as credenciais nazistas do Azov, estão New York Times, USA Today , The Daily Beast , The Telegraph e Haaretz.
Em janeiro de 2018, o Azov lançou sua unidade nacional de patrulha de rua Druzhina, cujos membros juraram fidelidade pessoal a Biletsky e se comprometeram a “restaurar a ordem ucraniana” nas ruas.
Golinkin registra ainda que o próprio Azov “orgulhosamente postou um vídeo da unidade dando as boas-vindas aos representantes da OTAN”.
O escritor observa que o Azov não é a única formação de extrema-direita a obter apoio norte-americano. Em dezembro de 2014, a Anistia Internacional acusou o batalhão Dnipro-1 de crimes de guerra, incluindo ‘usar a fome de civis como método de guerra’ [era a primeira fase da campanha de limpeza étnica contra falantes de russos no Donbass].
O senador John McCain – aliás, um dos incentivadores do golpe de Maidan em pessoa, visitou e elogiou o Dnipro-1. Antes, ele fora pessoalmente à Praça Maidan insuflar à derrubada do governo constitucional e, atuante como poucos, dois anos antes encontrara tempo para se reunir com vários ‘combatentes da liberdade de Obama’ na Síria, um deles, o depois Califa do Estado Islâmico
Golinkin considera “particularmente preocupante” a campanha de Azov para “transformar a Ucrânia em um centro para a supremacia branca transnacional”. A unidade recrutou neonazistas da Alemanha , Reino Unido, Brasil , Suécia e América.
É dele a informação de que em outubro de 2018 o FBI prendeu quatro supremacistas brancos da Califórnia que teriam recebido treinamento do Azov.
Laços nazis-governo
As duas organizações neonazistas – Partido Social-Nacional da Ucrânia (mais tarde renomeado Svoboda) e Patriotas da Ucrânia , cujos membros acabariam por formar o núcleo do Azov – tiveram como cofundador o na época presidente do parlamento saído do golpe de Estado de Maidan, Andriy Parubiy.
Apesar de se considerar atualmente um fascista “moderado”, Parubiy não renega o passado e em uma entrevista em 2016 asseverou que “seus valores” não mudaram.
Fazem parte da autobiografia de Parubiy fotos em que marcha com o símbolo neonazista wolfsangel usado pelas Nações Arianas (e copiado das SS).
“Ainda mais perturbadora é a penetração da extrema direita na aplicação da lei. Pouco depois de Maidan, os EUA equiparam e treinaram a recém fundada Polícia Nacional, no que pretendia ser um programa marcante de apoio à democracia ucraniana”.
Da polícia à justiça ucraniana, os apologistas das suásticas e de “esmagar os insetos” estão por toda a parte – o que explica “por que os neonazistas operam impunemente nas ruas”, assinalou o autor.
Glorificação dos colaboracionistas
“Não são apenas os militares e as gangues de rua: a extrema direita da Ucrânia sequestrou com sucesso o governo pós-Maidan para impor uma cultura intolerante e ultranacionalista sobre a terra”, frisou Golinkin.
“Em 2015, o parlamento ucraniano aprovou uma legislação tornando dois grupos paramilitares da Segunda Guerra Mundial – a Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) e o Exército Insurgente Ucraniano (UPA) – heróis da Ucrânia, e tornou crime negar seu heroísmo”.
Ele acrescenta que a OUN “colaborou com os nazistas e participou do Holocausto, enquanto a UPA massacrou milhares de judeus e mais de 70.000 a100.000 poloneses por sua própria vontade”.
Como expressão dessa revisão histórica, no verão de 2019 “o parlamento ucraniano apresentou uma exposição comemorativa da proclamação de cooperação da OUN em 1941 com o Terceiro Reich (imagine o governo francês instalando uma exposição celebrando o Estado de Vichy!)”.
Marchas à luz de tochas
“Marchas à luz de tochas em homenagem a líderes da OUN/UPA como Roman Shukhevych (comandante de um batalhão auxiliar do Terceiro Reich) são uma característica regular da nova Ucrânia”, acrescenta Golinkin.
A recuperação se estende “até a SS Galichina , uma divisão ucraniana da legião nazista a Waffen-SS; o diretor do Instituto de Memória Nacional proclamou que os combatentes da SS eram ‘vítimas de guerra’”.
Previsivelmente – destacou -, a celebração dos colaboracionistas nazistas “foi acompanha por um aumento do antissemitismo total”.
“‘Judeus Fora!’” cantaram milhares – parafraseando o tristemente célebre “Juden Raus!” da Alemanha nazista – durante uma marcha em janeiro de 2017 em homenagem ao líder da OUN, Bandera. (No dia seguinte, a polícia negou ter ouvido qualquer coisa antissemita.)”, registrou o autor.
“Naquele verão, um festival de três dias em homenagem ao colaboracionista nazista Shukhevych culminou com o bombardeio de uma sinagoga. Em novembro de 2017, saudações nazistas foram relatadas quando 20.000 marcharam em homenagem à UPA. E em abril passado, centenas marcharam em Lvov com saudações nazistas coordenadas em homenagem à SS Galichina; a marcha foi promovida pelo governo regional de Lvov”.
Esse nauseante revisionismo inclui desde ruas renomeadas em homenagem a carniceiros de judeus, até campos de doutrinação para crianças, onde são inculcadas desde cedo na ideologia fascista, com farto financiamento pelo governo de Kiev.
“Dentro de alguns anos, uma geração inteira será doutrinada a adorar os perpetradores do Holocausto como heróis nacionais”, espantou-se Golinkin.
Proibições de livros
O Comitê Estadual de Radiodifusão e Televisão da Ucrânia está reforçando a glorificação dos novos heróis da Ucrânia ao banir a literatura “antiucraniana” que vai contra a narrativa do regime saído do golpe de Estado.
“Em janeiro de 2018, a Ucrânia ganhou as manchetes internacionais ao banir ‘Stalingrado’ do premiado historiador britânico Antony Beevor por causa de um único parágrafo sobre uma unidade ucraniana massacrando 90 crianças judias durante a Segunda Guerra Mundial”.
“Em dezembro, Kiev baniu The Book Thieves do autor sueco Anders Rydell (que, ironicamente, é sobre a supressão da literatura pelos nazistas) porque ele mencionou que tropas leais a Symon Petliura (um líder nacionalista do início do século 20) massacraram judeus”.
Antissemitismo
“Sem surpresa, a glorificação dos perpetradores do Holocausto liderada pelo governo foi uma luz verde para outras formas de antissemitismo”, denuncia o autor.
“Nos últimos três anos, houve uma explosão de suásticas e runas da SS nas ruas da cidade, ameaças de morte e vandalismo em memoriais do Holocausto, centros judaicos, cemitérios, túmulos e locais de culto, o que levou Israel a dar o passo incomum de exortar publicamente Kiev a enfrentar a epidemia”.
Funcionários do regime de Kiev “fazem ameaças antissemitas sem repercussões”. Estes incluem: um general dos serviços de segurança prometendo eliminar os zhidi (um termo ucraniano pejorativo de judeu); um deputado do parlamento fazendo um discurso antissemita na televisão; um político de extrema-direita lamentando que Hitler não acabou com os judeus; e um líder ultranacionalista prometendo limpar Odessa de zhidi .
Nos primeiros anos após Maidan, as organizações judaicas se abstiveram de criticar Kiev, mas em 2018 os incidentes antissemitas cresceram tanto que grupos judeus se decidiram “a quebrar o silêncio”.
Segundo relatório anual sobre o antissemitismo (2019) do governo israelense, no período a Ucrânia teve “mais incidentes do que todos os estados pós-soviéticos juntos”. “O Congresso Judaico Mundial , o Museu Memorial do Holocausto dos EUA e 57 membros do Congresso dos EUA condenaram veementemente a glorificação nazista de Kiev e o antissemitismo concomitante”.
A propósito, parece que isso não é mais problema. Pelo segundo ano consecutivo, só dois países no mundo inteiro votaram contra a resolução (aprovada por larga margem) que condena a glorificação do nazismo: Estados Unidos e Ucrânia.
Pogroms de ciganos
Uma onda letal de pogroms anti-Roma varreu a Ucrânia, evocando “a década de 1930: bandidos armados atacam mulheres e crianças enquanto arrasam seus acampamentos. Pelo menos um homem foi morto , enquanto outros, incluindo uma criança, foram esfaqueados”.
“Duas gangues por trás dos ataques – C14 e National Druzhina – se sentiram confortáveis o suficiente para postar orgulhosamente vídeos de pogrom nas mídias sociais”, denuncia Golinkin.
O que não é surpreendente, considerando que “a Druzhina Nacional faz parte do [Batalhão] Azov, enquanto o neonazista C14 recebe financiamento do governo para programas ‘educacionais’”.
Ataques à imprensa
Desde o golpe de Maidan, assassinatos e perseguição de jornalistas tornaram-se frequentes na ‘nova Ucrânia’. Oles Buzina foi morto a tiros em 2015, e Pavel Sheremet, assassinado por um carro-bomba um ano depois.
O que não impediu que em maio de 2016, Myrotvorets, um site ultranacionalista com links para o governo, publicasse os dados pessoais de milhares de jornalistas que obtiveram credenciamento de rebeldes apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia. Myrotvorets rotulou os jornalistas de “colaboradores terroristas”.
O então ministro do Interior Arsen Avakov elogiou o site que anunciava publicamente aberta a estação de caça aos jornalistas: “Esta é a sua escolha de cooperar com as forças de ocupação”. O Myrotvorets permanece operacional hoje.
Apartheid idiomático
Golinkin assinalou que a Ucrânia “é extraordinariamente multilíngue: além dos milhões de ucranianos orientais de língua russa, há áreas onde o húngaro, o romeno e outras línguas são predominantes. Esses idiomas foram protegidos por uma lei regional de idiomas de 2012”, contra a qual o governo saído de Maidan passou a trabalhar dia e noite.
Essa lei foi derrubada pela Suprema Corte da Ucrânia em 2018 e no lugar Kiev “impôs uma lei draconiana que obrigaria o uso do ucraniano na maioria dos aspectos da vida pública” – quando são milhões os falantes de russo, em áreas que habitam há séculos.
Várias regiões aprovaram legislação que proíbe o uso do russo na vida pública. As cotas impõem o uso ucraniano na TV e no rádio. (Isso seria semelhante a Washington forçar a mídia em espanhol a transmitir principalmente em inglês.)
Não foi apenas a Rússia que ficou indignada – também outros países, como Hungria, Romênia, Bulgária e Grécia, que têm ligações com populações que vivem no mosaico de povos que é a Ucrânia.
Esses exemplos são apenas uma pequena fração da queda da Ucrânia em direção à intolerância e ao reforço dos grupos extremistas. “Este resultado facilmente previsível está em contraste marcante com o entusiasmo de Washington sobre a ‘Revolução da Dignidade’”.
“O nacionalismo é exatamente o que a Ucrânia precisa”, proclamou um artigo da New Republic da historiadora Anne Applebaum, cuja celebração surgiu na época em que a Ucrânia deu sinal verde para a formação de paramilitares de supremacia branca.
Apenas quatro meses após o ensaio de Applebaum, a Newsweek publicou um artigo intitulado “Voluntários nacionalistas ucranianos cometendo crimes de guerra ‘estilo ISIS’”, registra Golinkin.
O autor assinala como, em ensaio após ensaio, os chefes de política externa de Washington negaram a crescente influência da extrema direita ucraniana. (“Curiosamente, os mesmos analistas denunciam veementemente o crescente nacionalismo na Hungria, Polônia e Itália como altamente perigosos”.)
É de Golinkin a observação de que talvez os formuladores de Washington “tenham se iludido ao pensar que a fase de extrema-direita de Kiev iria desaparecer”.
Mas, concede, “mais provavelmente, eles simplesmente adotaram a estratégia de que ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’”.
De qualquer forma – acrescenta -, as ramificações vão muito além da Ucrânia.
E continua: “O apoio dos Estados Unidos à revolta de Maidan, juntamente com os bilhões que Washington afunda na Kiev pós-Maidan, deixam claro: a partir de fevereiro de 2014, a Ucrânia se tornou o mais recente projeto de expansão da democracia de Washington. O que permitimos na Ucrânia envia luz verde a outros”.
“Ao tolerar gangues e batalhões neonazistas, distorções do Holocausto encabeçadas pelo Estado e ataques a LGBT e ciganos, os Estados Unidos estão dizendo ao resto da Europa: ‘Estamos na boa com isso’”. “As implicações – especialmente em um momento de renascimento global da extrema-direita – são profundamente perturbadoras”, conclui Golinkin.
Com Zelensky, nada mudou fundamentalmente e ele logo assumiu às claras o estelionato eleitoral: eleito em grande medida por acenos à paz e à população falante de russo, após o primeiro cerco da turba fascista em Kiev passou a recitar a cartilha da “Ucrânia da Otan” e histericamente russófoba, e em seu governo os Acordos de Minsk foram congelados.
Como frisou o embaixador russo junto à ONU, Vasily Nebenzya, “o poder real na Ucrânia é dos radicais e dos neonazistas e não de Zelensky”. O diplomata russo denunciou ainda o presidente ucraniano “vem sendo manipulado pelos extremistas e não tem capacidade de resistir a esses radicais”.