A Festa do Avante – praxis da ideologia comunista
A Festa do Avante, iniciativa anual dos comunistas portugueses, irá realizar-se novamente em Setembro (dias 1, 2 e 3), no espaço da Quinta da Atalia (próxima a Lisboa, no Seixal), espaço agora ampliado para ca. 22 mil metros quadrados com a aquisição da Quinta do Cabo.
A Festa do Avante é uma iniciativa aberta, de comunistas para todos, com um ambiente próprio – único – marcado pela natureza ideológica do PCP, nela participando regularmente também o PCdoB, com um pavilhão dedicado ao Brasil, na Cidade Internacional
Segundo um observador (afastado do PCP, no que toca a afinidades ideológicas) , a Festa do Avante é “… muita gente; muita alegria; muita convicção; muito propósito comum. (…) Toda a gente se trata da mesma maneira, sem falsas distâncias nem proximidades. Ninguém procura controlar, convencer ou impressionar ninguém. As palavras são ditas conforme saem e as discussões são espontâneas e animadas. É muito refrescante esta honestidade. É bom (mas raro) uma pessoa sentir-se à vontade em público. Na Festa do Avante é automático. (…) Ninguém ali está a ser levado ou foi trazido ou está só por estar. Nada é forçado. (…) O que mais impressiona é a falta de paranóia. Ninguém está ansioso, a começar pelos seguranças que nos deixam passar só com um sorriso, sem nos vasculhar as malas ou apalpar as ancas. (…) Há milhares de pessoas a entrar e a sair (…). É muito bom quando não desconfiamos de nós”.
A finalizar, Miguel Esteves Cardoso cita Jerónimo de Sousa quando diz que, para os comunistas, resistir já é vencer. E acrescenta: “É verdade – sobretudo se dermos a devida importância ao “já”. Aquele “já” é o contrário da pressa, mas é também “agora”. (…) Resistir é já vencer. A Festa do Avante é uma vitória anualmente renovada e ampliada dessa resistência”.
O texto citado revela a recepção da Festa do Avante por um visitante não vinculado ideologicamente aos ideais que a norteiam, num esforço sensível de superação de preconceitos que merece atenção. Nele são referidas qualidades de ambiente, de organização, de comportamento cívico, que são características do conceito de camaradagem praticado pelos comunistas no seu quotidiano partidário.
Outro observador, o jornalista comunista Miguel Urbano Rodrigues (1925-2017), profundo conhecedor da Festa e do Partido que a realiza , bem como de outras iniciativas semelhantes diz:
“Tive a oportunidade de acompanhar na Europa e na América Latina festas de Partidos Comunistas. Não conheci Festa como a do Avante! É diferente pela concepção e pelo objectivo, mas sobretudo pela atmosfera humanizada. (…) É a 34.ª . Mais organizada, sem poeira, com maior presença da cultura – espectáculos, música, canto, dança, teatro, cinema, pintura, literatura, exposições, conferências, debates, etc. – continua a ser um acontecimento político promovido por um Partido que se assume como marxista-leninista, mobilizado para a luta contra o capitalismo e a construção do socialismo”.
A componente ideológica não impede que a Festa reflita a imagem da diversidade de Portugal. Cada distrito no seu espaço – concebido e instalado pela respectiva organização regional – “apresenta a imagem de Portugal na perspectiva comunista, desde as lutas revolucionárias da sua gente à produção, à cozinha e ao artesanato. (…) O que falta hoje na Festa? Não é fácil encontrar ali ausências porque além dos stands das regiões o visitante descobre o Pavilhão Central (onde se pode aprender muito sobre a história do Partido), uma Cidade Internacional, os espaços do Livro, da Ciência, das Artes, da Juventude e da Criança, os pavilhões da Mulher, da Emigração, dos Imigrantes e outros. (…) A grande parte [dos visitantes] não é do PCP. (…) Mas a Festa gera um fenómeno de osmose que surpreende os estrangeiros. Irradia uma atmosfera de fraternidade que não é identificável em qualquer outra, um sentimento que transcende a alegria, comovente. A atitude comunista está na origem desse contágio. (…) Ali emergem as virtudes; submergem, desambientadas, a hipocrisia, a inveja, a avareza, os instintos agressivos. E os não comunistas são contagiados pela fraternidade, pela solidariedade comunista. Na Quinta da Atalaia transmutam-se durante três dias de Setembro”.
Os dois textos citados, de autores com posicionamento diverso, seja no plano ideológico ou geracional (Miguel Urbano Rodrigues, jornalista e histórico militante comunista, por um lado e, por outro, Miguel Esteves Cardoso, intelectual assumidamente reaccionário) registam e valorizam elementos comuns, mesmo que vistos por prismas diversos.
A Festa do Avante continua a manter as características assinaladas pelos dois observadores referidos. A formulação quase idílica, que perpassa nos dois textos, mostra como o visitante (sobretudo aquele que se surpreende dada a distância do seu próprio posicionamento ideológico) vive a experiência de três dias excepcionais.
A Festa do Avante é um evento excepcional, de características únicas, que se renova ciclicamente. Não é todavia um espaço idílico: é bem real e, por isso, dialecticamente contraditório.
A característica específica (mas não única) da Festa do Avante é a sua vertente política, que se revela nas escolhas de conteúdo discursivo (seja ele produzido na forma oral ou escrita, ou no plano da imagem, da ilustração, da decoração) e, noutras áreas de actividade em que as escolhas observam critérios informados por conceitos também de ordem política (na gastronomia, no entretenimento, na música).
Mas a característica determinante da Festa do Avante é a de concretizar essa natureza política num espaço de excepção. O visitante da Festa, assim que passa o controle da entrada, sente a mudança de atmosfera.
Naqueles três dias, naquele recinto da Atalaia, criam-se condições quase únicas onde os planos de identidade, individual e colectiva, se conjugam. Na Festa do Avante plasmam-se a identidade legitimadora (de âmbito institucional), a identidade de resistência (essencialmente, de classe) e a
identidade de projecto (ideológico, definido pelo ideal comunista de transformação da sociedade).
O ambiente (de fraternidade, de convicção, de resistência) é expressão relevante da sua natureza política, pelo que a redução do evento a uma qualquer das suas múltiplas dimensões (da informação, do entretenimento, da gastronomia ou do comércio) resultaria no seu desvirtuamento.
O ambiente da Festa do Avante é resultante da acção política continuada do PCP. Não se trata de um resultado “mágico” ou de um estado suscitado pela atmosfera festiva. Trata-se de um traço identificador do projecto político, da ideologia e das propostas do PCP para a sociedade portuguesa. Na Festa se retemperam-se energias para a luta quotidiana, onde o “já”, síntese do “ainda” e do “agora”, exprime a resistência do ideal colectivo que os move.