A aliança dos cariri contra a ocupação de suas terras (I)
A primeira frase do prefácio que, em 1936, Afonso E. Taunay escreveu para seu livro Guerra dos Bárbaros indica a dimensão do problema que irá abordar. A frase diz: “Em suas linhas gerais se conhece o que foi a longa e dura luta de que resultou, por parte dos civilizados, a apropriação das terras do Nordeste brasileiro.”
Por José Carlos Ruy*
Isto é, ele reconhece que houve uma longa e dura luta para que os colonizadores roubassem as terras dos primitivos moradores, chamados de “bárbaros” ou “tapuias”.
Aquela guerra ocorreu no interior do Nordeste entre 1682 e 1713, embora alguns historiadores considerem que o levante indígena no Recôncavo Baiano em 1650 faça parte dela.
A designação de guerra dos “bárbaros” reflete um velho preconceito, de raízes coloniais, que chama de bárbaros todos os índios não aliados ao português colonizador – que eram chamados de tapuia.
Mas é também impróprio chamar de confederação a aliança entre eles, pelas conotações políticas de origem europeia que esta palavra envolve, como já vimos ao tratar anteriormente da guerra dos tamoio. Eram comunidades que viviam na etapa do chamado “comunismo primitivo”, onde não havia classes sociais nem, portando, tinham necessidade de instituições estatais. A lei era o costume, ao qual todos aderiam; a liderança cabia a assembleias que tinham a participação de todos, aos mais velhos e experientes ou aos que se distinguiam em atividades como a caça, a guerra ou a habilidades curandeiras. Sociedades que desconheciam a propriedade privada e não precisavam de instituições estatais para geri-las.
Assim, seria mais apropriado chamar de “alianças” a união de tribos para lutar por objetivos comuns.
A chamada “guerra dos bárbaros” foi um movimento de resistência de várias tribos – muitas delas com o nome genérico de Cariri. Os jandui formavam, no Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, uma verdadeira nação indígena. O número dos que recebiam a designação de tapuia é grande. Dois deles, com grande população no sertão, eram os cariri e os tarairiú, que viviam entre os atuais estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba. Eram divididos em vários grupos – Janduí, Airu, Pega, Canindé, Genipapo, Jenipapoaçu Capela, Icó, Caboré, Paiacu, Panati, Caratiú e Corema.
Viviam nas proximidades dos rios Jaguaribe, Apodi-Mossoró e Piranhas-Açu.
Em sua região, viam-se acuados e ameaçados pela expansão da pecuária sobre suas terras.
Viviam de preferência próximos aos rios, aproveitando suas férteis várzeas para a agricultura que praticavam.
Os cariri eram conhecidos também com nomes locais que recebiam – cariri, no sul do Ceará; inhamum, na região do mesmo nome; cariú, entre os rios Cariús e Bastões, próximo à Serra do Pereiro; crateú, próximo ao Rio Poti.
Com o avanço da pecuária, o colonizador, e seus rebanhos, se deparou com eles na região dos rios Itapicuru e Paraguaçu, próximo à Serra de Borborema. E os choques eram inevitáveis e frequentes entre índios que defendiam suas terras e liberdade, e colonizadores que roubavam suas terras e tentavam escravizá-los.
Durante o período da ocupação holandesa do Nordeste, muitas destas tribos se aliaram ao ocupante batavo que, quase sempre, os trataram melhor do que o colonizador português e apenas em certas circunstâncias os escravizavam. Os holandeses preferiam tê-los como aliados para lutar seja contra outros índios, seja contra os brasileiros.
Dessa maneira, as autoridades coloniais, que viam os “tapuia” como bárbaros e selvagens, passaram a vê-los também como traidores.
Este foi outro aspecto da avaliação feita então daqueles índios. Os tapuias eram vistos como povos “primitivos”, “selvagens” e “bárbaros”, embora tivessem uma organização social que lhes permitia resistir seja ao roubo de suas terras, seja à sua escravização. Para os colonizadores, os índios ou eram “amigos” ou “bárbaros” e “selvagens”, aos quais sabia combater. No início da década de 1660, moradores do Ceará e da Paraíba enviaram uma carta “a el rei” com queixas contra os “bárbaros”, pedindo guerra contra eles. A resposta, que saiu de Lisboa em 9 de janeiro de 1662, assinada pela regente, a rainha D. Luiza de Gusmão (que governou durante a menoridade de seu filho D. Afonso VI) continha uma ordem de clara ferocidade: que “se extinguissem de uma vez” aqueles “selvagens”.
(Continua…)
Mapa da escravidão no Brasil colonial (FGV): https://atlas.fgv.br/marcos/trabalho-e-escravidao/mapas/escravidao-vermelha
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José Carlos Ruy* é jornalista, escritor, estudioso de história e do pensamento marxista.
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