Durante investigação, destroços da aeronave e informações contidas nas caixas-pretas foram analisadas AZWAR IPANK / AFP

A Boeing demitiu o presidente-executivo Dennis Muilenburg na segunda-feira na tentativa de deter a pior crise já vivida pela corporação aeroespacial em cem anos. O 737 Max, modelo em que a corporação apostava seu futuro na aviação civil, está aterrado no mundo inteiro após 346 mortos em dois acidentes em cinco meses em decorrência de um erro clamoroso de projeto e sem data previsível de liberação pelas agências de segurança aérea.

A Boeing já admitiu quebra de 95% no lucro no ano e seu valor de mercado em Wall Street já despencou 20% e não se sabe onde fica o fundo do poço.

Muilenburg só resistiu uma semana após a Boeing anunciar que a partir de janeiro estará suspensa a produção do 737 Max, após ruir a ficção de que a liberação seria “em breve”, decisão tomada com 400 aeronaves prontas amontoadas nos pátios da empresa.

Na sexta-feira, o fracasso do teste da cápsula espacial Starliner estendeu a crise ao setor de defesa da corporação. Apesar de toda a boa vontade do administrador da Nasa, Jim Bridenstine, que, antes do fiasco, afiançara que “as pessoas [da Boeing] que desenvolvem naves espaciais não são as mesmas que desenvolvem aviões”.

É a essa Boeing imersa na pior crise da sua história que o governo Bolsonaro está entregando a Embraer e sua engenharia.

Em comunicado sobre a demissão de Muilenburg, a Boeing explicou que a decisão se deveu à necessidade de uma “mudança de liderança” que permitisse “restaurar a confiança na empresa” e reparar os relacionamentos com reguladores e clientes.

A demissão de Muilenburg era previsível após Stephen Dickson, novo chefe da FAA – agência de segurança aérea dos EUA que operava como apêndice da Boeing nos últimos anos – denunciar que declarações da gigante aeronáutica ostensivamente tinham sido “projetadas para forçar a FAA a tomar medidas mais rápidas”.

O cronograma da Boeing de retorno ao serviço “não é realista”, enfatizou Dickson, que exigiu da Boeing que passasse a priorizar “reservar tempo para corrigir” o erro de projeto do 737 Max.

Mas foi o desastroso comparecimento de Muilenburg ao Congresso que praticamente selou sua sorte. Um senador chamou o 737 Max de “caixão voador”. Foi publicamente admoestado após encenar “admitir erros” sem – como registrou um parlamentar – sequer se dignar a olhar a fileira de familiares ali presentes que exibiam as fotos dos seus mortos nos dois acidentes – cuja responsabilidade era dele, e evitáveis.

Também as agências de aviação civil da China – país que é o maior comprador da Boeing – e da União Europeia deixaram claro que não se submeteriam às pressões da corporação para liberar logo o 737 Max.

Repercutiram, ainda, intensamente as denúncias sobre os problemas na linha de produção, de um ex-gerente, autor do famoso e-mail em que registrou que “pela primeira vez na vida” temia que ele ou sua família “embarcassem num avião da Boeing”.

A Boeing anunciou Muilenburg será substituído por David Calhoun, cuja principal credencial, de acordo com a Reuters, é ter anteriormente atuado como chefe da operação de portfólio de private equity do megafundo Blackstone.

Analista aeroespacial ouvido pela agência de notícias britânica analisou que o remendo não proporcionaria “a ‘ênfase em engenharia’ de que a Boeing precisava”. “A longo prazo, [Calhoun] traz o kit de ferramentas certo? Private equity enxuga as empresas. Esse não é o problema da Boeing no momento”, afirmou Richard Aboulafia.
Nos dois acidentes fatais do 737 Max – um na Indonésia e outro na Etiópia – repetiu-se um padrão de perda de controle da aeronave à revelia dos esforços desesperados dos pilotos, com o avião embicando, até se arrebentar.
A Boeing – ao tentar pular etapas no novo modelo para competir com a Airbus – gerou um desequilíbrio estrutural ao colocar turbina maior e, para tentar remendar, acoplou um sistema automatizado anti-estolagem [perda de sustentação] que supostamente corrigiria o problema, sem sequer dizer aos pilotos ou advertir às companhias aéreas.

Até o alarme acionado pelo sistema foi considerado um item “adicional”. A Boeing também mentia dizendo que não era preciso qualquer treinamento significativo adicional dos pilotos, já que se trataria do mesmo e provado “737”.
Quando os testes reais mostraram que o remendo era pior que o soneto, a ‘solução’ da engenharia da Boeing foi intensificar o fator de correção do dispositivo.

Quando o único sensor fazia uma leitura errada da inclinação da aeronave, o dispositivo fazia o 737 Max apontar o bico para baixo e resistia às desesperadas tentativas dos pilotos de retomarem o controle da aeronave. Como agravante, um único sensor em um sistema vital para a segurança do voo violava o princípio da redundância.