A que serve a luta em defesa dos Direitos Humanos?
Em 10 de dezembro de 2020 comemoramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos lembrando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) aprovada em Paris na mesma data, no ano de 1948, em Assembleia Geral das Nações Unidas na presença dos Estados-Membros. Mais de 70 anos nos distanciam desse fato. As comemorações no Brasil devem ser no sentido de fortalecer a resistência à atual crise pela qual passa o país, na luta pelos direitos humanos e a vida.
Por Eneida Canêdo Guimarães dos Santos*
Na atualidade representamos a União Brasileira de Mulheres (UBM) no Pleno do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Conselho esse criado às vésperas do golpe militar de 1964-1985. Com o golpe, o Conselho foi paralisado e assim permanecendo por um longo período. Tempos de fortes restrições à democracia, num período em que fomos obrigados a viver em situação de clandestinidade, escondidos no país. Éramos proibidos de pensar perspectivas futuras – mas pensávamos mesmo que nos oprimissem. Nas possíveis perspectivas de atuação, muitos entre nós fomos perseguidos, outros tantos presos e torturados e alguns barbaramente assassinados. Prevalecia o projeto das classes dominantes subjugando o país ao capital financeiro mundial.
Após a conquista da Anistia, da Constituição de 1988, apenas em 2014 o Conselho foi refundado num clima de razoável democracia. Com composição paritária (sendo 11 membros representantes de órgãos do poder público e 11 da sociedade civil, entre os quais 09 eleitos pela sociedade civil, 01 da Ordem dos Advogados do Brasil indicado pelo Conselho Federal da OAB, e 01 do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União). O Conselho tem o papel de fiscalizar a política de direitos humanos programada no país; receber as denúncias de condutas ou situações contrárias aos direitos humanos e apurar as respectivas responsabilidades; opinar sobre atos normativos, administrativos e legislativos de interesse da política nacional dos direitos humanos; instaurar inquérito ou procedimento administrativo à autoridade competente a fim de apurar responsabilidades aplicando as sanções necessárias; entre suas diversas finalidades. Um órgão autônomo para a promoção, proteção e defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaças ou violações aos direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal, e nos tratados internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil.
Além do Pleno do Conselho, sua estrutura é complementada por 10 comissões permanentes que tratam de políticas e/ou segmentos sociais em situações de vulnerabilidade, há também subcomissões, grupos e frentes de trabalho e contamos com a Rede Nacional dos Conselhos de Direitos Humanos em torno do Pacto Nacional dos Conselhos de Direitos Humanos. As Comissões Permanentes e instrumentos que fazem parte da estrutura do CNDH são 1) a comissão que trata sobre a situação da população de rua; 2) a população em situação de privação de liberdade; 3) do direito humano à alimentação adequada; 4) do direito ao trabalho, à educação e à seguridade social; 5) do direito à cidade; 6) do direito à comunicação e à liberdade de expressão; 7) de defensores e defensoras dos direitos humanos e enfrentamento à criminalização dos movimentos sociais; 8) que trata dos direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e tradicionais afetadas pelos grandes empreendimentos; 9) a que trata da promoção e defesa dos direitos das mulheres, da população LGBTI, promoção da igualdade racial; e 10) de monitoramento e ações na implementação das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Há ainda a subcomissão de políticas de drogas e saúde mental; grupos de trabalhos grupo de trabalho sobre mineração, meio ambiente e direitos humanos; o grupo referencial animador da rede de conselhos estaduais de direitos humanos, e a frente de trabalho para proteção em deslocamentos compulsório – todos contribuem para a dinâmica do CNDH. Entre os conselheiros e as conselheiras é eleita a Mesa Diretora que conta com uma secretaria executiva.
No contexto de pandemia, os membros do Conselho cumprem trabalho remoto, e as reuniões das comissões seguem o calendário bimensal onde se produzem os documentos submetidos ao Plenário. O Pleno mensalmente se reúne em plataforma virtual, e podem ser acompanhadas ao vivo através do Facebook.
O CNDH confirma agenda para o dia 10 de dezembro de 2020 (quinta-feira), das 09h às 18h, e continuará no dia 11 de dezembro de 2020 (sexta-feira), das 09h às 13h. Estaremos realizando a 14ª Reunião Extraordinária do Pleno do CNDH com uma extensa pauta. Iniciaremos com análise e distribuições das denúncias (esse é um momento sigiloso da reunião), e após serão apresentados 14 trabalhos com temas variados, originados de comissões permanentes o que tomará toda a manhã e retomaremos no início da tarde. Entre esses 14 trabalhos a UBM apresentará duas minutas. Uma sobre as mulheres e as meninas em situação de gravidez por estupro, trata-se da minuta de Recomendação[1] para revogar da Portaria nº 2.561/2020, do Ministério da Saúde, sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez, e outras providências na defesa dos direitos das mulheres e das meninas; e a outra foca a participação social, sobre o Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX)[2] onde o Decreto 10.524/2020 estipula vagas para diferentes setores e aponta expressiva redução da presença da sociedade civil.
No segundo dia, o presidente nacional do Conselho DP Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira fará a entrega do Relatório de Atividades do biênio 2018-2020; em seguida o vice-presidente Leonardo Pinho oficializará o resultado das eleições com a solenidade de posse para o início do novo mandato do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, biênio 2020-2022, e será eleita a Mesa Diretora. O Relatório deve registrar as mais de três centenas entre Notas, Resoluções, Recomendações e outros expedientes aprovados pelo Pleno ao longo do mandato que finda marcando a presença altiva e combativa do Conselho no cenário tão devastador que se tornou o Brasil nesses últimos anos. Citados expedientes servem de ferramentas de luta para os diversos segmentos sociais e coletivos na resistência contra a violação dos direitos humanos, eles priorizam o Brasil, a democracia, a dignidade humana, a vida!
Em recente processo eleitoral realizado nos dias 19 e 20 de novembro último com 136 entidades de caráter nacional com ativismo em defesa dos direitos humanos elegeu representantes de entidades para ocuparem 09 (nove) cadeiras titulares e 09 (nove) suplentes. São entidades inscritas atuam no campo democrático e progressista, e também no campo da direita, do arco de influência da ministra da mulher, da família e dos direitos humanos. O campo democrático obteve uma grande vitória, pois as entidades que foram eleitas tanto para a titularidade como para a suplência têm perfil progressista e prática de resistência à complexa situação de retrocesso que vivemos no país desde o golpe de 2016.
O atual mandatário do país anterior a se candidatar a presidência não fazia cerimônia em evidenciar seus instintos primários em atitudes e gestos racistas, machistas, transfóbicos, além do seu assumido negacionismo à ciência e à democracia. Em campanha no comício durante o sábado em 1º de setembro de 2018 em Rio Branco, capital do Acre, ele teve o desplante de se arvorar em alto tom o desejo de ‘fuzilar a petralhada’ e enviá-los à Venezuela, com arma nas mãos. Gesto pelo qual deveria ter sido repreendido pelo Tribunal Eleitoral, que fez vista grossa. Eleito, esse mesmo senhor se acha no direito de cometer quaisquer violências e ataques às pessoas e as comunidades que não adotam sua linha de pensamento retrógrada e sua míope visão de mundo.
Nota-se nesse governo, uma explícita aversão aos processos democráticos e à participação das representações da sociedade civil na ocupação dos espaços de poder e de decisão desde o primeiro dia de mandato, veja a edição da Medida Provisória nº 870. Assim, a partir de sua posse os arranjos institucionais e administrativos sofreram uma fragilização nos espaços democráticos, sejam conselhos, comitês, e outros espaços de participação social, através das iniciativas monocráticas do presidente, o que demonstra um viés autoritário que não serve ao país. Não satisfeito, seguiu a edição do Decreto nº 9.784, de 07 de maio de 2019, o Decreto nº 9.806, de 28 de maio de 2019, o Decreto nº 9.926, de 19 de julho de 2019, e o Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019. Nessa última norma foram extintos 650 colegiados no âmbito da União, isso considerando apenas os primeiros seis meses.
A participação social é um dos pilares que sustenta o Estado Democrático de Direito, e permite maior expressão e visibilidade das demandas sociais, potencializa a efetividade de políticas públicas, e a capacidade para o Estado atuar na atenção às demandas de interesse público. Essa participação da sociedade civil importa para melhor acerto das decisões que venham a favorecer os segmentos em situações de vulnerabilidade, pois são os defensores que incorporam e garantem os direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais, econômicos e culturais, em consonância com a Constituição, com o objetivo da promoção do bem estar e a justiça social entre seus cidadãos. São essas representações nesses espaços que asseguram aos grupos e associações, o direito à representação política, à informação e à defesa de seus interesses, possibilitando-lhes a atuação na gestão dos bens e serviços públicos.
É uma afronta aos direitos humanos e a vida, a ausência de solidariedade da parte do mandatário para com os familiares das 178.159 brasileiros e brasileiras que vieram a óbito atingidos/as pelo Covid19. Assistimos a banalização da morte, o que certamente influencia no imaginário da sociedade onde certos setores se encontram num alto grau de desesperança. Um presidente que se move pelo ódio, nos proporciona a cada dia uma nova agonia e incertezas com o aprofundamento da ordem capitalista e imperialista no mundo incidindo no Brasil, país destinado pelas elites a ocupar um papel periférico na divisão internacional do trabalho, apesar do valor de sua gente e das potencialidades da natureza. A ampliação do desemprego, a desindustrialização do país a passos largos sem respostas efetivas para saídas por conta do desgoverno, nos indica a forjar a vigilante resistência para esperançarmos a população brasileira e conquistarmos dias melhores. Ao fazermos a luta em defesa, na promoção e na proteção dos direitos humanos nós estaremos defendendo a vida, e a vida da população brasileira nos importa.
*Anistiada Política, dirigente estadual do PCdoB/PA, Mestre em Ciências Sociais, uma das fundadoras da União Brasileira de Mulheres, entidade que representa no Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
[1] A proposta de Minuta Recomenda ao Ministério da Saúde, a imediata revogação da Portaria 2.561/2020, providenciando, ao revés, o fortalecimento e a consolidação, em âmbito nacional, da rede integrada de atendimento às mulheres em situação de violência envolvendo e articulando as diversas áreas de assistência, atenção, proteção e defesa dos direitos das mulheres em situação de violência;
[2] O anterior Comitê Gestor do PDRSX possuía composição paritária com a missão de gerir e aplicar recurso de R$ 500 milhões, destinados no leilão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE Belo Monte), em ações voltadas ao desenvolvimento na região da Transamazônica-Xingu (área de influência da UHE).
Fonte: Portal Fundação Maurício Grabois
(PL)