O engenheiro Marcelo Odebrecht, condenado a mais de 30 anos de cadeia pela Operação Lava-Jato, permaneceu preso por dois anos e cinco meses em Curitiba (PR). Hoje em liberdade, admite que a poderosa construtora de sua família, a Odebrecht, participou de esquema de propinas ao governo federal desde os anos 80 do século passado. “Sempre fomos tolerantes com o caixa dois”, declara o empreiteiro, em entrevista ao jornal O Globo, publicada nesta terça-feira (17).

Ele afirma, porém, ser “folclore” a tese que a Odebrecht tinha até um “Departamento de Operações Estruturadas” para articular esses pagamentos à margem da lei. “Esse tal departamento de propina nunca existiu. A verdade é menos espetaculosa”, diz. “Desde os anos 1980, bem antes de meu ingresso na empresa como estagiário, havia pessoas na Odebrecht que apoiavam os executivos na realização de pagamentos não contabilizados.”

Em mais de três décadas, houve pagamento de propina aos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC. Segundo Marcelo, as negociações ilegais da Odebrecht envolviam “bônus não declarados para executivos, pagamentos em espécie a fornecedores, especialmente em zonas de conflito, investimentos em que não queríamos aparecer, caixa dois para campanhas e, eventualmente, até propinas. Essas pessoas iam se sucedendo, e todas eram identificadas por algum programa dentro da Odebrecht para ocultar sua real função”.

O empreiteiro agrega: “A maior parte das empresas se utilizavam de notas frias. Como éramos extremamente descentralizados, foi tomada uma decisão na Odebrecht lá no início dos anos 90 de que, para não contaminar toda a contabilidade da empresa com notas frias, faríamos uma geração mais planejada de caixa 2. No Exterior, esse caixa 2 seria colocado em contas offshores à disposição dos nossos executivos”.

Na entrevista, o empresário negou que os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tenham beneficiado a Odebrecht. Conforme seu depoimento, mesmo a contratação de Lula para dar palestras na América Latina e na África era “uma situação ambígua”, que podia atrapalhar os planos da empresa. “Ao contrário da maior parte das nossas competidoras, já estávamos presentes nesses países. Neste sentido, a presença de Lula nos trazia algum desconforto porque a intenção dele era abrir o mercado para todas as empresas brasileiras”, reconhece.

Confrontado com a corrente acusação de que “a Odebrecht era uma das ‘campeãs nacionais’ da política de financiamento do BNDES”, Marcelo igualmente discordou – e foi além: “Não havia uma preferência nem de Lula, nem de Dilma para fazer tal empresa crescer. O que havia eram políticas públicas influenciadas e disputadas por vários setores e empresas. A Odebrecht já era, desde a década de 1990, a maior exportadora de serviços do Brasil. No governo Lula houve uma boa política pública de incentivo à exportação de serviços e nós, pela nossa presença internacional, fomos os maiores beneficiários”.

Para o empreiteiro, a ideia de uma “caixa-preta do BNDES”, tão alardeada pelo presidente Jair Bolsonaro, tampouco se sustenta. “Que eu tenha conhecimento, nunca houve esquema de corrupção no BNDES. Apenas no contexto de uma negociação bilateral para ampliar uma linha de crédito entre o governo de Lula e de outro país [Angola], negociação da qual a Odebrecht nem era parte, houve um pedido de apoio financeiro ao PT, e que é objeto de uma ação penal em andamento.”

Com informações do O Globo

Edição: André Cintra