Não me recordo de algo semelhante na história de nossa frágil e claudicante República. Por quase dois meses a nação assistiu, perplexa, o conflito aberto entre o presidente e um dos seus ministros em torno de decisões estratégicas em meio a uma batalha de grande envergadura.

E ao final, o ministro foi demitido no momento e da forma que escolheu.

Por Luciano Siqueira*

O ex-ministro Mandetta, da Saúde, até recentemente medíocre quadro da direita, compromissado com o sistema privado de saúde e ultraconservador em suas opiniões, foi alçado à condição de quase-herói nacional tão somente porque percebeu que para enfrentar a pandemia do novo coronavírus cabia simplesmente seguir as diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

 Em contraste com as concepções e o comportamento medíocre e equivocado do presidente.

Nada mais que isso.

Nenhum lance de criatividade ou de ousadia na abordagem do problema.

 Não fosse a atitude obtusa do presidente, seria apenas um dentre tantos ministros mundo afora irmanados numa mesma estratégia.

Mandetta não cria. Bolsonaro é que faz o contraponto, ameaçando a vida de uma parcela expressiva da população, que já tomou consciência da dimensão da crise sanitária e do valor do isolamento social como mecanismo de defesa.

Assim o confronto entre o mediano e o idiota catapultou a fama do mediano.

(Aliás, o novo ministro, Nelson Teich, em seu primeiro pronunciamento, disse que sim, ou não, quem sabe… porém assegurou estar “plenamente alinhado com o pensamento do presidente Bolsonaro”, embora sinalize que não proporá de imediato a adoção do tal “isolamento vertical” proposto pelo ex-capitão.)

Isto como parte de uma crise de governo que não se encerra com a troca de ministro.

O arranca rabo segue. Para dentro e para fora do governo.

Agora Bolsonaro diz ter informações seguras (sic) do setor de inteligência de que os presidentes da Câmara e do Senado e o STF urdem trama contra ele. É a obsessão por duelar diariamente com inimigos, reais ou imaginários. E, nesse caso, expressão de inconfessável intuito ditatorial.

Por enquanto, no campo oposto as vozes de contestação ainda são dispersas, embora existam quase que espontaneamente agrupamentos de resistência que vão dos governadores e prefeitos de capitais e cidades grandes e médias a instituições prestigiadas na defesa dos Direitos Humanos e grupos de cientistas.

Movimentos sociais movem-se como podem, ainda tateando no estranho campo de luta restrito em razão do isolamento social e do desmonte de empresas e da pulverização de postos de trabalho e do fechamento temporário das instituições de ensino.

À esquerda e ao centro cabe reconhecer significativas vitórias parciais no Congresso Nacional. Mas bom seria costurar desde já, sem pirotecnias midiáticas, os termos de um novo pacto pela salvação nacional pós-pandemia.

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