Leci Brandão: amor pelo samba, compromisso com o povo e a política
A deputada estadual de São Paulo (PCdoB) Leci Brandão, antes de ser conhecida pelo compromisso político com o povo, ficou famosa pelo talento na música. Em entrevista ao portal UOL, a sambista comunista falou das duas carreiras e lembrou de sua infância, no Rio de Janeiro. Foi naquela época, ainda pequena, que se emocionou ao ouvir um samba cantado por Jamelão.
“Minha casa tinha um disco de vinil de 78 rotações, e nele havia uma música chamada “Samba é Bom Assim” (Norival Reis e Helio Nascimento), interpretada pelo Jamelão (1913-2008). Essa música tocava muito na minha casa… Como toco meu pandeirinho no estilo partido-alto, já abri até shows meus com este samba”, contou.
Aos 75 anos, Leci fala emocionada de Jamelão ao lembrar que, além de intérprete da Estação Primeira de Mangueira, ele foi operário de fábrica, tendo trabalhado junto de sua mãe, Dona Lecy – falecida em julho passado.
Zé do Caroço, sempre atual
Trinta e quatro anos após o lançamento de seu maior hit, Leci observa que a letra de “Zé do Caroço” segue atual e ainda preserva o mesmo frescor. Escrita em 1978 – em meio ao período da Ditadura Militar – e gravada apenas em 1985, a faixa, dos versos “É que o Zé põe a boca no mundo / É que faz um discurso profundo / Ele quer ver o bem da favela / Está nascendo um novo líder / No morro do Pau da Bandeira”, segue como carro-chefe dos shows da cantora.
“É uma música que traduz muito a realidade, e mantém o sentido que tinha quando a escrevi. “Zé do Caroço” é a mais cantada nos meus shows, e segue atualíssima. Se tivesse que reescrevê-la, não mudaria nada”, diz a cantora, que teve a faixa regravada pela cantora Anitta e o duo de música eletrônica Jetlag neste ano, além de ter sido trilha sonora do longa Tropa de Elite II (2010).
Apesar da potência e atualidade de seus versos, Leci admite que o samba deixou de ser o porta-voz das questões sociais da população. “Quem canta o social hoje em dia são os meninos do rap. Eles falam da realidade das periferias. E digo isso há um bom tempo.” Ela acredita que a mídia não assimila bem ritmos e artistas que falem “a verdade”, como aconteceu com ela própria ao lançar seu maior sucesso.
Em seu terceiro mandato consecutivo como deputada estadual, a carioca diz que a carreira política se sobrepôs aos palcos. “A minha prioridade hoje é o Parlamento, é a Assembleia Legislativa. Tenho que atender todo o Estado de São Paulo. Sou a única deputada do meu partido.”
Samba puro
No meio do papo, Leci faz referência aos versos de “Agoniza Mas Não Morre”, de Nelson Sargento, para falar sobre o futuro do samba. “O samba nunca morre! É a música da alegria. As modas sempre passam, tudo o que está aí acaba. O samba fica. Futebol e samba são paixões do povo.”
A sambista prefere restringir o uso de novas tecnologias apenas a algumas partes do processo de produção dos álbuns e DVDs. “O samba que eu canto tem cavaco, violão, surdo, pandeiro e tantã. Só isso. Tem contrabaixo também, mas procuro fazer o canto dentro da formação de samba de raiz”.
“No meu show, não tem sampler, e nem sei o que é isso. É autêntico, e é legítimo! Não uso nem ponto no ouvido. Tenho labirintite. E, se utilizar este aparelho, vou cair no palco. Meu show tem que ter retorno. Pode rir, mas é sério. Não uso nada disso, não.”
Família Mangueirense
Primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira, em 1972, Leci resgata ainda memórias de desfiles a que assistia ainda na avenida Presidente Vargas, centro do Rio, e que também ficaram registrados em sua memória. O período coincide com o início de sua paixão pelo samba.
“Assisto aos desfiles das escolas de samba desde quando era muito pequena. Estava sempre ao lado da minha mãe e da minha avó, que também eram mangueirenses.”
Outra imagem de Carnaval surge na lembrança da compositora. “Tem ainda um outro desfile muito marcante: a Mangueira desfilou com o samba-enredo `Cântico à Natureza´ (1955), de Nelson Sargento. Lembro perfeitamente de um carro alegórico que tinha uma laranja e, em cada gomo da fruta, colocaram uma menina. E eu estava lá assistindo…”
Após 44 anos de carreira, ela agradece ao gênero que a consagrou. “O samba é felicidade, identidade e família. Quando a gente canta samba, estamos sempre felizes. Meus pais sempre cantaram samba em casa, e por isso tem que ter sempre um samba para a gente ouvir.”
* Esta entrevista foi publicada pelo UOL, em 3 de dezembro, para celebrar a Semana do Samba.