Aos 73 anos, Vital Nolasco ainda é um militante indispensável
Na história do PCdoB, 16 de dezembro é uma data inevitavelmente associada a um dos maiores crimes perpetrados contra os comunistas do Brasil – a Chacina da Lapa, ocorrida em 1976. Mas é também o aniversário de um grande expoente da classe operária nas fileiras do Partido. Em 16 de dezembro de 1946, há 73 anos, nascia em Belo Horizonte (MG) Eustáquio Vital Nolasco.
Por André Cintra
A trajetória de Vital tem passagens marcantes, como sua participação, em 1968, na greve dos metalúrgicos de Contagem – a primeira paralisação trabalhista sob a ditadura militar (1964-1985). Vereador de São Paulo por dois mandatos, entre 1989 e 1996, foi um dos raríssimos operários que se elegeram, após a redemocratização, para a maior e mais importante Câmara Municipal do País.
Sua vida pública teve início na década de 1960, em Minas Gerais, sob a influência da Juventude Operária Católica (JOC) e na resistência à ditadura. Nos meios operários, uma das principais bandeiras unitárias era a luta contra o arrocho salarial. Em abril de 1968, quando uma greve operária na chamada “Cidade Industrial” de Minas surpreendeu os militares, Vital trabalhava na Belgo Mineira e já era um dos líderes do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem.
A paralisação operária dobrou o governo e foi vitoriosa, mas acirrou os ânimos do regime. A repressão se acentuaria ao longo de 1968 e culminaria no AI-5. Mesmo com o deslocamento preventivo para São Paulo, Vital foi preso e barbaramente torturado. Não entregou um “ponto” sequer do Partido, tampouco delatou companheiros. Mas teve sua atividade cercada.
Da JOC, Vital passou para a Ação Popular (AP) e, em 1972, para o PCdoB. Continuou na resistência clandestina, ajudou o Movimento contra a Carestia e depois retomou a atividade fabril. No Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, entre os anos 70 e 80 do século passado, foi da oposição e da direção.
Em 1988, candidato a vereador em São Paulo pelo PCdoB, ficou na primeira suplência – mas assumiu de cara uma cadeira no Legislativo, graças à vitória de Luiza Erundina à prefeitura e a nomeação de diversos vereadores eleitos a secretarias municipais. Reeleito em 1992, tornou-se um dos mais firmes opositores à gestão Paulo Maluf.
Ao deixar o parlamento, ocupou tarefas partidárias, como o posto de secretário nacional de Finanças do PCdoB (2003-2013). Aposentou-se da fábrica, mas não da luta. Hoje, com mais de 50 anos de vida pública, é dirigente nacional do Partido e está à frente da Secretaria Sindical do PCdoB São Paulo.
Quando comecei a militar no PCdoB, em 1995, Vital integrava a bancada do PCdoB na Câmara, ao lado da camarada Anna Martins. Uma de suas medidas mais ousadas, como parlamentar, foi o “passe livre” para trabalhadores desempregados – ideia agora resgatada pela pré-candidatura de Orlando Silva à Prefeitura de São Paulo. Sem contar a memorável homenagem que realizou, em nome da Câmara, ao líder sul-africano Nelson Mandela.
A história de Vital foi contada em um livro narrado por ele próprio e organizado pelo jornalista Osvaldo Bertolino. É a biografia Vale a Pena Lutar – Minha Vida na Ação Popular (AP) e no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), lançado em 2016 pela Editora Anita Garibaldi e pela Fundação Maurício Grabois.
Dois anos depois, eu próprio tive a satisfação de tomar o depoimento de Vital sobre sua atuação durante os “anos de chumbo”. É que, em 2018, fui convidado pela jornalista e pesquisadora Carolina Maria Ruy – minha querida amiga Carolzinha – a participar de um projeto do Centro de Memória Sindical sobre o cinquentenário dos levantes de 1968. Vital era um dos entrevistados e falou, sobretudo, a respeito da greve em Contagem. Quem conhece o tom ponderado de Vital nos dias de hoje talvez estranhe o entusiasmo quase ingênuo com que ele encarava aquelas ações contra a ditadura:
André: Qual era a expectativa com a greve?
Vital: Havia a idealização de que a gente ia botar a ditadura abaixo. Tanto que, quando estava no auge da greve, lembro que entrei todo feliz na sala da Conceição, que era a secretária-geral, e falei: “Ô, Conceição, dessa vez a gente vai botar a ditadura abaixo”. Porque era corrente, né? Nas organizações, na JOC, no movimento sindical, todos achávamos que deveríamos aproveitar toda aquela mobilização para botar abaixo a ditadura. Agora, claro que os operários, a grande massa, não tinham essa expectativa. Queriam mesmo era o aumento.
Havia também temores?
Não, rapaz… Vou te dizer o seguinte: naquela época, era todo mundo “porra louca” (risos). A gente queria “botar pra quebrar”. Tanto que a aceitação dos 10% [de aumento] foi sob a condição de que a gente já começasse a preparar a greve de outubro.
Qual foi seu sentimento em relação à greve?
Foi um sentimento de vitória, apesar de não termos conseguido os 25% de aumento, e nem termos derrubado a ditadura, porque aquilo era um sonho. Só pelo fato de a greve ter se expandido e ter confrontado a ditadura, foi um movimento e tanto, entendeu?
Vital foi e ainda é um militante indispensável. Minha geração só tem a agradecer por ter convivido e aprendido com esses excepcionais comunistas que ajudaram a forjar o PCdoB na cidade de São Paulo, como Jamil Murad, Benedito Cintra, Anna Martins e o próprio Vital Nolasco. Vida longa ao aniversariante e camarada Vital!
Veja abaixo a entrevista completa de Vital Nolasco ao CMS: