Neste 27 de maio de 2018, lembramos os 16 anos da morte de João Amazonas, nosso ideólogo e construtor do PCdoB. Para marcar esta data compartilhamos o prefácio do livro  escrito pelo ex-presidente do PCdoB, Renato Rabelo que foi publicado pela Fundação Maurício Grabois e pela Editora Anita Garibaldi “Meu verbo é lutar – A vida e o pensamento de João Amazonas”, de autoria de Augusto Buonicore.

A história brasileira, nos últimos cem anos, foi pontuada por uma série de episódios que macularam a democracia e sufocaram a liberdade. A trajetória do Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922, foi profundamente marcada por esses episódios, mas os comunistas resistiram bravamente e o Partido chega aos 90 anos fortalecido e em expansão.

A legenda comunista enfrentou, ao longo desse percurso, mais de 60 anos de clandestinidade, ilegalidade e semilegalidade impostas pelos regimes dominantes. Viveu em condições de plena legalidade apenas entre 1945 e 1947 e, no período atual, a partir de 1985, com a legalização da legenda pós-ditadura. Nos demais períodos, os militantes e dirigentes comunistas enfrentaram perseguição policial, prisão, tortura, exílio e assassinato político. Cenário trágico que resultou de situações históricas em que só havia frestas de liberdade.

Por isso, a reconstituição de nossa história tem um papel inestimável para extrair lições das lutas populares. Este trabalho, como não poderia deixar de ser – tendo em vista o retrospecto acima lembrado –, foi dificultado nesses períodos prolongados de clandestinidade duríssima, em que documentos e livros foram queimados, materiais partidários foram inclusive enviados para fora do país e agentes policiais empastelaram casas e escritórios do Partido. Por isso, ao apresentar este livro, devo louvar o esforço realizado pelo historiador Augusto Buonicore, com a contribuição de vários pesquisadores e militantes que conviveram com o biografado. Esta obra tem como foco a vida e as contribuições políticas e teóricas do dirigente comunista João Amazonas de Souza Pedroso.

Construtor e ideólogo do Partido Comunista do Brasil, Amazonas completaria cem anos em 1º de janeiro de 2012. Ele viveu 90 anos, dos quais dedicou quase sete décadas à atividade política, em defesa das convicções revolucionárias, da soberania, da democracia e do progresso social do país.

Ao evocarmos sua memória, é preciso frisar um aspecto importante da atuação de João Amazonas: seu papel proeminente no processo de construção partidária vivido pela legenda comunista desde a década de 1940. No enfrentamento nos períodos de ditadura e no embate contra correntes revisionistas que ameaçavam liquidar o Partido, Amazonas esteve à frente da batalha pela defesa da organização partidária.

O primeiro desses momentos foi durante a ditadura do Estado Novo. A perseguição policial quase desmantelou a direção nacional do Partido que, em 1941, estava quase toda nos cárceres da polícia política. Sobreviviam apenas alguns núcleos comunistas na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, mantidos por dirigentes intermediários do Partido que assumiram os postos vagos da direção nacional e, já naquele ano, iniciaram os contatos que culminaram na realização, em 1943, da clandestina Conferência Nacional da Mantiqueira, cujo objetivo era reconstruir a direção nacional. João Amazonas esteve entre os principais dirigentes daquele processo de reconstrução, juntamente com Diógenes Arruda, Pedro Pomar, Maurício Grabois, Amarílio de Vasconcelos, entre tantos outros.

O segundo grande momento de inflexão partidária – que teve João Amazonas no centro dos acontecimentos – foi o que culminou no forte debate ocorrido entre os dirigentes comunistas de 1956 a 1961. Naquela época, formou-se uma corrente na direção nacional que aderiu às mudanças sinalizadas pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e pelo dirigente russo, Nikita Kruschev, que apontavam para um enfraquecimento do compromisso revolucionário e para a coexistência pacífica com o imperialismo. Aquele grupo promoveu alterações políticas e estatutárias nesse sentido – apresentando outro Programa e rompendo a legalidade partidária –, pois aquelas alterações não haviam sido aprovadas pelo V Congresso, realizado em 1960.

O debate daqueles anos contrapunha duas posições antagônicas: entre manter os ideais e princípios do Partido Comunista do Brasil, constituídos desde a fundação, ou revisá-los. Foi a luta ideológica mais importante no seio do movimento comunista internacional e brasileiro daquela época. Contra a ameaça de liquidação do Partido, um grupo de dirigentes e militantes levantou-se em sua defesa. O desfecho se deu em 18 de fevereiro de 1962, quando o grupo liderado por Amazonas, Grabois, Pomar, entre outros, reorganizou o Partido para manter seus ideais, seu nome, sua identidade. O PCdoB, desde 1962, conseguiu crescer e incorporar outras forças políticas revolucionárias, como a Ação Popular, organização política com influência entre trabalhadores e estudantes, que se integrou ao PCdoB em 1972, afirmando a mesma ideologia e política do Partido Comunista.

Por fim, a terceira grande inflexão na construção política do PCdoB, que teve a participação decisiva de João Amazonas, ocorreu em 1979, na 7ª Conferência Nacional, já no final da ditadura militar. Foi reorganizada a direção do Partido depois que uma dezena de dirigentes nacionais foi assassinada pelo regime ditatorial e muitos outros tiveram de se refugiar no exterior, em consequência da perseguição policial e da insegurança para sua integridade física. Nessa 7ª conferência – que ocorreu num período marcado também pelo debate intenso contra um grupo liquidacionista surgido entre dirigentes nacionais –, foi designado um novo Comitê Central e novas direções estaduais do PCdoB.

Devemos ressaltar e dignificar a importância da atuação de Amazonas nestes períodos significativos. É essa participação que justifica o reconhecimento de João Amazonas como o “construtor do PCdoB”.

Contribuição teórica

Outro ponto que é necessário ressaltar na trajetória de Amazonas é sua contribuição teórica, fundamental para a compreensão das contradições de nosso tempo. A lição mais importante que ele deixou, ao analisar a experiência socialista, foi a constatação das contradições da construção do socialismo nas experiências do século 20. A primeira delas é a ideia de que não há modelo único para o socialismo, não há um só socialismo, mas sua construção seguirá um rumo próprio em cada povo, determinado pela maneira como as contradições sociais e a luta contra o imperialismo serão resolvidas em cada país. E João Amazonas foi consequente com essa conclusão ao insistir na necessidade do desenvolvimento da teoria marxista com o estudo das condições históricas próprias de cada nação. No caso do Brasil, enriquecer o pensamento avançado com o conhecimento das particularidades nacionais foi um desafio que Amazonas enfrentou desde pelo menos os debates do V Congresso do Partido, em 1960.

Outra contribuição teórica importante deixada por João Amazonas decorreu de sua análise – feita no VIII Congresso do Partido, em 1992 – da crise do socialismo nas décadas de 1980 e 1990. Foi a compreensão de que aqueles acontecimentos refletiam a crise do desenvolvimento da teoria marxista, refletiam a estagnação da teoria, levando à paralisia política e econômica e à acomodação. Este era o pano de fundo da débâcle: sem o desenvolvimento da teoria, os problemas postos pelo desafio de construir o socialismo não puderam ser enfrentados de forma condizente com a exigência histórica.

Em decorrência do seu estudo, ele avança na definição do pensamento estratégico moderno do PCdoB. Sua contribuição desenvolve a elaboração teórica da fase objetiva de transição do capitalismo ao socialismo. Esta contribuição está fundamentada em seu brilhante trabalho Capitalismo de Estado na transição para o socialismo: notável contribuição de Lênin à teoria revolucionária do progresso social, e desenvolvida no artigo “Etapas econômicas no sistema socialista”, onde escreveu: “As etapas, tanto no socialismo como no capitalismo, são leis fundamentais do desenvolvimento objetivo, exprimem crescimentos quantitativos seguidos de saltos qualitativos na produção, que se refletem igualmente na superestrutura. Por isso, as etapas não podem ser determinadas arbitrariamente, nem suprimidas ou aceleradas artificialmente. Tampouco desconsideradas”.

Esta é uma contribuição importante para a compreensão das contradições da experiência de construção do socialismo na URSS e no Leste Europeu, e também da experiência que se mantém, hoje, nos países que persistem no rumo da construção do socialismo. A tese defendida por João Amazonas naquele artigo permite o conhecimento mais agudo e consistente desse processo contraditório, dialético, de superação do capitalismo, ultrapassando as limitações muitas vezes voluntaristas, quando se deixou de considerar de forma objetiva a existência da transição, após a conquista do poder político estatal pelas forças revolucionárias, democráticas e populares.

Sob a direção de João Amazonas, o PCdoB nunca recuou diante de suas responsabilidades históricas. Se o Partido fortaleceu sua ação no meio do povo e dos trabalhadores, com crescente presença na luta sindical e nos movimentos sociais, sua presença na luta política de massas no final da ditadura militar também foi decisiva, atuando nas várias instâncias de sua manifestação. Na campanha pelas Diretas Já, em 1984-1985, a militância comunista teve presença intensa. Quando a emenda que devolvia aos brasileiros o direito de votar para presidente da República foi derrotada no Congresso Nacional, o PCdoB indicou que o foco da luta se transferia para o próprio Colégio Eleitoral, criação do regime militar, tornando-se o meio naquelas circunstâncias pelo qual se poderia vencer a ditadura.

Era um momento delicado da luta pela redemocratização em nosso país, e aquela foi a saída encontrada, com o apoio dos comunistas, para a superação do regime militar.

Amazonas deixou de viver em 27 de maio de 2002. Ele não chegou a ver completada uma obra na qual teve um papel fundamental: a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República – feito histórico pelo qual lutou desde 1989, quando foi um dos principais articuladores da Frente Brasil Popular. A partir da eleição de Lula, com o apoio dos comunistas e de outras forças progressistas, o Brasil venceu uma fase e caminha para buscar rumos próprios de desenvolvimento soberano, de ampliação da democracia e progresso social.

Ainda que Amazonas já não estivesse mais entre nós, o fortalecimento e o crescimento do Partido Comunista do Brasil a partir de 2002 são também obra sua. Neste período, a legenda comunista, seguindo os passos indicados por ele, angariou respeito e prestígio no cenário político brasileiro, está presente em todos os níveis de governo, tem uma bancada parlamentar atuante e muito respeitada, tem uma presença forte e ativa nos movimentos sociais, atuando como força dirigente em muitas organizações populares e de trabalhadores. No exterior, é reconhecido e considerado, tendo elevado a dimensão de sua atividade internacionalista.

Este PCdoB, influente e em crescimento, foi o principal legado teórico, prático e político daquele homem simples que foi João Amazonas – um revolucionário que nunca recuou diante das mais difíceis e complexas exigências da luta de classes. Este livro procura percorrer toda essa vida de dedicação ao povo, à classe operária e ao socialismo em nossa terra. O pensamento e o exemplo deste audaz dirigente comunista é um imprescindível guia para a luta desafiadora que o PCdoB tem a percorrer a fim de alcançar seus objetivos maiores.

Serviço:

Meu Verbo é Lutar – a vida e o pensamento de João Amazonas
Autor: Augusto Buonicore
Páginas: 464
Preço promocional: R$ 35,00
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