Manuela: Não é uma disputa de vaidades, mas de rumos para o país
A pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manuela d’Ávila, disse em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, que o partido não pode abrir mão da disputa eleitoral, que, em um momento de crise, representa como será a vida dos brasileiros nos próximos anos. Para ela, não se trata de uma disputa de vaidades, mas de rumos para o país.
Sobre a unidade eleitoral, Manuela respondeu que depende de muitos fatores. Primeiro, ela questiona como o PT irá solucionar a sua equação? Na visão de Manuela, o PT tem o direito de defender a candidatura do ex-presidente Lula, um homem inocente, condenado sem provas e melhor colocado nas pesquisas. “Eles topam debater uma saída para a esquerda? Não depende só de nós”, ponderou.
Em relação ao Psol, Manuela explicou que a legenda já se manifestou, reafirmando que tem candidato a presidente e vice. “Não fiz nenhum movimento público relacionado à indicação de vice porque acho que o esforço da unidade deve perseverar. Mas esse esforço deve solucionar o problema do conjunto da esquerda, não do PDT ou do PCdoB. É o mais provável hoje? Não”. Para ela, o mais provável é que sejam quatro pré-candidatos porque parece que nenhum conseguirá resolver essa unidade para o conjunto de esquerda.
Leia na íntegra:
Nas suas duas candidaturas ao Executivo, a senhora perdeu. O que muda agora?
Uma mudança significativa é o financiamento de campanha. Disputei duas eleições majoritárias com um sistema de financiamento privado e candidaturas muitíssimo mais financiadas do que as minhas. Por isso, sempre defendi o financiamento público, que impactará essa eleição. Milito desde os 16 anos no meu partido, que não tem uma candidatura presidencial desde a década de 1940. Lançamos candidatura para apresentar saídas à crise que o Brasil vive.
O seu colega de partido Flávio Dino defendeu a união da esquerda em torno da candidatura de Ciro Gomes (PDT). É uma possibilidade?
Não podemos nos dar ao luxo de abrir mão da disputa eleitoral, que, em um momento de crise, representa como será a vida dos brasileiros nos próximos anos. Não se trata de uma disputa de vaidades, mas de rumos para o país. O próximo governo será necessariamente um governo de reformas. Já a unidade eleitoral depende de muitos fatores. Primeiro, como o PT irá solucionar a sua equação? O PT tem o direito de defender a candidatura de Lula, um homem inocente, condenado sem provas e melhor colocado nas pesquisas. Eles topam debater uma saída para a esquerda? Não depende só de nós. O Psol já se manifestou, reafirmando que tem candidato a presidente e vice. Não fiz nenhum movimento público relacionado à indicação de vice porque acho que o esforço da unidade deve perseverar. Mas esse esforço deve solucionar o problema do conjunto da esquerda, não do PDT ou do PCdoB. É o mais provável hoje? Não. O mais provável é que sejamos quatro pré-candidatos porque parece que nenhum de nós conseguirá resolver essa unidade para o conjunto da esquerda.
Recentemente, a senhora se encontrou com Ciro. Discutiram a possibilidade de a senhora desistir de concorrer para apoiá-lo?
Conversei com o Ciro como sempre conversava com Lula. Só não converso com Lula agora porque não tenho acesso a ele, que está submetido a um conjunto de “não regras”. A cada ato com Lula, sabia que seria dito que não seria mais candidata. Sempre considerei justa a defesa de sua liberdade e de um julgamento adequado. Isso é maior do que a minha candidatura. Conversei muito com o Ciro, tomamos um longo café da manhã. Não foi uma conversa sobre a minha candidatura ou a dele, mas sobre os espaços de diálogo. Para mim, é errada a troca de farpas dos candidatos progressistas pelos jornais. Nunca fiz política assim. Precisamos construir esses espaços de diálogo. Se uma candidatura conseguisse ser uma saída conjunta para o campo político, a minha não seria óbice. Mas, no momento, isso não está se materializando.
É um discurso bastante similar ao de Ciro.
É? Acho que o campo progressista precisa compreender que somos oponentes na eleição, mas que nossos adversários estão do outro lado. Isso significa não mirar as diferenças que temos.
Diante dessas candidaturas pulverizadas, a senhora reconhece a possibilidade de que nenhum nome da esquerda chegue ao segundo turno?
Se acham quatro candidatos muito, imagina o que acham do outro lado, que tem 15. Dificuldades têm eles, que têm dificuldade de dizer que são candidaturas ligadas ao (Michel) Temer. Qual foi a tese do golpe? Uma forçação inicial para dizer que houve crime de responsabilidade da Dilma (Rousseff), mas o impeachment se justificava pelo rumo da economia. Temer é o agravamento da crise escarrado. O desemprego só cresce, mesmo com reforma trabalhista. Eles irão apresentar o seu projeto para o Brasil na eleição? O que entrega a Previdência para os bancos privados e retira direitos sociais dos trabalhadores? O povo irá escolher isso? Tenho bastante expectativa de que vençamos. Temos o primeiro colocado nas pesquisas. Mesmo no cenário sem o ex-presidente, somamos mais de 20 pontos. Eles estão muito pior do que a gente.
Na sua opinião, o PT está falhando ao manter a candidatura de Lula mesmo diante da remota possibilidade?
Não sou petista. Tem direito a falar sobre o partido quem é filiado a ele, mas defendo o direito de Lula de concorrer à Presidência. O PT tem direito de defender que o principal líder político da história recente do país concorra e que o povo escolha na urna. Todos que defendem a Constituição deveriam querer. Talvez, se estivesse no lugar deles, fizesse o mesmo.
Mesmo preferindo não falar sobre o PT, a senhora esteve mais próxima de Lula nos dias que antecederam a sua prisão do que líderes históricos do partido.
A compreensão de que Lula merece ser candidato não diz respeito a apoiá-lo, mas a entender que todo o brasileiro julgado sem provas está submetido a uma injustiça. Se ele é o primeiro colocado nas pesquisas, tenho o direito de achar que esse julgamento é político para tirá-lo do processo eleitoral. Em São Bernardo do Campo, Lula criou um ambiente de diálogo. Ele apenas reconheceu os candidatos que tiveram uma postura solidária pelo seu direito de concorrer.
A senhora assinou o manifesto “Eleição sem Lula é fraude”. Caso a impugnação se confirme, a sua candidatura também seria uma fraude?
Assinei um documento político. O golpe não se materializou no impeachment, é continuado. Foi golpe por causa de um impeachment sem crime de responsabilidade e também devido ao ativismo judicial que tenta impedir o primeiro colocado nas pesquisas de concorrer. É uma questão da vida democrática. O esforço que temos de fazer para vencer as eleições está relacionado a isso. A principal luta do nosso campo político está em garantir que ocorram as eleições e que se solucione esse conjunto de problemas políticos para voltarmos a crescer economicamente e combatermos as desigualdades.
Recentemente, a senhora disse ser uma infantilidade impor vetos ao diálogo na esquerda. Foi uma crítica velada ao PT?
Não. Na verdade, foi uma crítica fraterna ao nosso campo político. Precisamos construir uma relação de diálogo, ganhar as eleições e saber que os nossos adversários estão do outro lado. Nunca mandei recado pelo jornal porque acredito na nossa capacidade de diálogo. Não é adequado que fiquemos desconstruindo as candidaturas do nosso campo. Temos diferenças, mas precisamos conseguir se desarmar, conversar e saber que estaremos juntos no segundo turno.
Como explicar aos seus eleitores o histórico apoio do PCdoB ao PT mesmo diante dos escândalos de corrupção?
Meu partido se movimenta por um projeto para o país. Durante um ciclo bastante longo, foi construído junto com o PT para desenvolver a economia, diminuir drasticamente a miséria e a pobreza e garantir que milhares de pessoas acessassem os ensinos superior e médio-técnico. Inclusive estruturas muito importantes para o combate à corrupção foram construídas e valorizadas nestes governos. Não é casual que Lula esteja preso em uma superintendência construída por ele. É porque ele investiu na Polícia Federal. O PCdoB nunca foi PT. Fazemos críticas há muito tempo e sempre apresentamos nossas opiniões. Mas, quando se está dentro do governo, essas opiniões aparecem com menos intensidade.
A senhora defende uma reforma tributária baseada na cobrança de impostos pela capacidade contributiva do cidadão. Como se estruturaria essa proposta?
Acredito que o Estado tem papel central na retomada do crescimento da economia brasileira. Já desafiei os liberais a mostrarem qual nação se desenvolveu com o Estado prescindindo do seu papel de condutor do desenvolvimento nacional. Desconheço. A saída para a crise está no Estado recompor a sua capacidade de investimento. Por isso, precisamos de uma reforma de Estado que permita investimentos privados no Brasil, porque investir no Brasil é tido como atividade criminosa. De um lado, garantir que o Estado volte a ter capacidade de investir. De outro, que o Estado seja reformado para permitir investimentos privados. Um dos caminhos está na reforma tributária. O Brasil cobra muito imposto dos pobres e da classe média, mas não dos ricos. Somos um dos poucos países do mundo com um sistema que basicamente não tributa grandes heranças, o que representaria um alívio para os Estados. Também não tributa grandes fortunas, nem itens de luxo. Cobramos imposto no arroz e no feijão, mas não no consumo de luxo. O povo tem razão em dizer que paga muito imposto e que os multimilionários não pagam. Além disso, o Brasil não combate sonegação.
E quanto a um novo pacto federativo?
No país, quando surgem problemas para os Estados, querem federalizar tudo. Quando falamos em recomposição da capacidade de investimento do Estado, são dos três entes federados. Uma das desigualdades do Brasil está na concentração de recursos na União. Ignoraram a ideia de que os Estados e municípios têm importância. Com a proposta de regime de recuperação fiscal do (Michel) Temer, nem precisa existir governador. Pode vir um gerente. O debate é muito mais profundo. É preciso descentralizar recursos, o que significa enxergar o poder de outra forma. Esse sistema facilita que se perpetuem clãs.
Como a senhora solucionaria o déficit da Previdência?
Há visões distintas sobre o tamanho e o cálculo do déficit. É preciso saber qual a realidade real – não imaginária – do déficit. A reforma da Previdência não pode punir os brasileiros que trabalharam a vida inteira. Acredito que o Brasil precisa encaminhar um pacto geracional em outro sentido, no debate sobre o mundo do trabalho. Serve sermos o país com a maior jornada de trabalho entre as democracias do mundo? Queremos que a pessoa trabalhe muito ao longo da vida e ainda mais no final? Queremos debater a redução da jornada de trabalho, ou seja, trabalhar menos horas durante a vida e um ou dois anos a mais lá adiante? Para mim, a urgência não está na na reforma da Previdência, mas no resgate da capacidade de crescimento econômico no Brasil. Se o Estado passa a arrecadar mais e a economia reage, esse assunto perde a relevância que tem diante de uma economia em crise. É um erro olhar a Previdência de forma fragmentada. Um país com 14 milhões de desempregados tem problemas graves a resolver. Precisamos criar um ambiente que facilite investimentos, o que passa pela reforma do Estado.
Por meio de isenções fiscais?
Erramos muito em não ter critérios para a concessão de incentivos, mesmo para empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), porque não exigimos contrapartidas nítidas. É preciso ter clareza de quais são as contrapartidas e qual a relevância para o projeto de desenvolvimento do Brasil. Aí, reside um dos limites da política dos campeões nacionais do BNDES: a ausência de clareza de quais são as contrapartidas.
Foi um erro do PT?
Foi um limite da política, não só do PT. Mesmo com vários eixos acertados, a atividade industrial do Brasil continuou caindo. Um dos temas está na ausência de clareza sobre as contrapartidas. Outro está na política macroeconômica. Por mais que se estabeleça uma política macro industrial, há uma taxa de juros real que favorece o rentismo ao invés do investimento na produção. A política de juros joga por água abaixo os esforços na área industrial quando não favorece o investimento no setor produtivo.
O governo José Ivo Sartori (PMDB) critica a oposição por somente atacar as suas propostas de recuperação financeira e não apresentar soluções.
Quando o Sartori assumiu, perguntei se ele iria nos chamar para conversar. Eu o tinha como alguém de outro campo, mas que poderia criar um ambiente de diálogo para enfrentar a crise no Rio Grande do Sul. Chegamos a levar um conjunto de soluções ao secretário (da Fazenda) Giovani Feltes, mas o governo nunca quis discutir. O Sartori quis construir um discurso político para a crise econômica, culpando o Tarso (Genro) e dizendo que a oposição, expressivamente minoritária na Assembleia, tem super poderes para barrar tudo o que ele manda. Somos 14 de 55 deputados. Infelizmente, não temos superpoderes. O plebiscito (sobre as privatizações) não passou porque quem tira o quórum da CCJ é o governo. O próximo governador deveria ter o compromisso de fazer um referendo revogatório do término das nossas fundações. A quem isso serve? Para gastar mais e de forma duvidosa? Cada semana, o governo diz que a solução é uma. Construíram um discurso de caos e agravaram a crise. O parcelamento de salários do funcionalismo público é das medidas mais estúpidas que existe. Todos sabem que, quando o funcionalismo não recebe, consome menos e o setor de serviços entra em crise. Isso agrava a capacidade do Estado de arrecadar. Tenho a impressão que quiseram construir um ambiente de caos consciente porque não tiveram firmeza em nenhuma ação e as poucas que tomaram foram anti-desenvolvimento. O Rio Grande do Sul deveria seguir outros Estados como o do Maranhão, que se transformou no segundo melhor para investir no Brasil, investiu massivamente em obras públicas e pagou todos os meses o salário do funcionalismo antes. O Maranhão aponta uma saída. O próximo governador eleito deve agradecer ao esforço que fizemos, mas, sobretudo, ao esforço do Tesouro Nacional de não permitir a adesão ao regime de recuperação fiscal porque poderá governar. O regime retira a autonomia do Estado. O Rio Grande do Sul precisa ter um ambiente de menos beligerância política por parte do setor conservador. Vimos no governo Sartori muita bravata e pouco trabalho. Estou há três anos aqui (na Assembleia) e não tenho como responder qual o seu projeto.
Entre os 23 pré-candidatos à Presidência, somente quatro são mulheres. O que explica a baixa representatividade?
Primeiro, o nosso sistema político eleitoral que não prevê cotas nos cargos para as mulheres. Via de regra, as candidaturas à Presidência saem de pessoas que exercem mandatos. Mas existe outro conjunto de razões tão importante quanto o sistema. As mulheres trabalham muito mais do que os homens, somando o seu trabalho, as atividades domésticas e o cuidado com os filhos. São 13 horas a mais por semana. O consumo desse tempo nos tira do espaço público, e isso gera consequências a médio prazo. Como nos elegeremos se alguém tem de buscar a criança na creche e esse alguém sempre é a mulher? Por isso, políticas como escolas de tempo integral estão relacionadas à possibilidade de as mulheres se envolverem mais no espaço público em geral.
Desde que se tornou mãe, a sua filha lhe acompanha em compromissos públicos. Há preconceito?
Tenho dois privilégios que poucas mulheres que são mães têm: a condição estrutural para garantir a creche da minha filha e um marido que divide comigo todas as responsabilidades da casa. Sempre achei que as pessoas perceberiam mais a ausência da Laura, mas percebi que a presença dela é um fato. Por isso, parece que estou com ela o tempo inteiro. Na realidade, é muito eventual. Acho que chama tanto a atenção porque os homens nunca tiveram responsabilidade com os filhos e, de repente, alguém mostra que aquela pessoa existe. Amamentei exclusivamente até o sexto mês. Na minha primeira sessão após o retorno da licença maternidade, viramos a noite votando o pacote de (José Ivo) Sartori. Como ela iria mamar?
Como analisa o fenômeno das fake news?
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) precisa se concentrar em quem financia a baixaria. Só existem duas formas de as coisas circularem na internet _ patrocinadas ou financiadas. Se não está declarado, é dinheiro sujo. A minha obsessão com fake news é maior do que conseguir desmentir as que me envolvem. É conhecer quem patrocina as redes que ampliam as mentiras. As mentiras sempre aconteceram, mas se tornaram acessíveis a milhões de pessoas. Não acredito na espontaneidade do compartilhamento dessas notícias, mas no financiamento. E a maior parte, com dinheiro sujo. O combate às fake news está relacionado ao combate à corrupção no processo eleitoral. Muito espaços de divulgação das notícias mentirosas não prestam contas, como alguns movimentos que cresceram muito nos últimos anos. Em relação a mim, é muito nítido: misoginia e machismo. Desminto e gasto uma parte considerável do meu salário para judicializar algumas questões. Mas me preocupa mesmo quem banca fake news. Quando compreendermos isso, entenderemos muito sobre o que está acontecendo com o país.