O Comitê Estadual do PCdoB de São Paulo vem de lançar uma resolução pública em que autoriza sua Comissão Executiva a seguir com as tratativas já em curso com Márcio França, do Partido Socialista Brasileiro e vice-governador do Estado, acerca de uma possível aliança eleitoral.
Por Elder Vieira*
Sempre que os comunistas fazem o que em política e na guerra denomina-se “flexão tática”, uma certa confusão toma conta do ‘teatro de operações’. E até que a poeira assente, há quem se espante; há quem o sentido da manobra lhe escape; há quem se escandalize; há quem fundamentadamente não concorde; e há quem entenda, considere natural e concorde plenamente.
Espanto, dúvidas e discordâncias, no caso em tela, assentam-se no fato elementar de que o vice-governador foi eleito com o tucano Geraldo Alckmin e, na condição de vice, pertence à coalizão que sustenta politicamente o governador. Márcio França afirma, para todos os que saibam ler e ouvir, que apóia a candidatura do atual mandatário dos Bandeirantes à Presidência da República, e declarou recentemente que a condução econômica do maior estado da federação vai bem obrigado e que se trata agora de dar-lhe conteúdo social.
Já a tranquilidade e aquiescência dos defensores da aliança com o futuro governador toma por base inúmeras variáveis. A primeira é a que termina o parágrafo acima: Márcio França pretende dar maior conteúdo social ao governo. Conteúdo social de um governo diz respeito a educação, saúde, segurança, mobilidade, moradia, assistência social, cultura, esporte, lazer. Os tucanos, neoliberais até a medula, sensibilidade social zero, trataram esses temas como meras estatísticas planilháveis. Suas performances em muitas destas áreas foram no mínimo desastrosas. O futuro governador é do PSB, partido cuja tradição está em ter a questão social como centro, e declara-se de centro-esquerda. Foi prefeito de São Vicente e contou em sua administração com a parceria do PCdoB, bem como foi líder do Bloco de Esquerda na Câmara dos Deputados, bloco que também contou com a participação da bancada comunista. Se quiser demarcar com o aristocrata ultraliberal tucano João Dória, esse apelo às raízes democratizantes de seu partido terá importante papel na disputa que se avizinha.
Esse pendor para questões sociais do candidato do PSB fará dele portador de uma plataforma de esquerda, alinhada com as demandas mais sentidas dos movimentos sociais e do pensamento mais avançado da contemporaneidade?
Nada nos autoriza a alimentar tais ilusões, em especial a manutenção da linha de condução econômica do Estado que herdará de seu futuro antecessor.
Então, por que apoiá-lo, e não abraçar um programa mais nitidamente à esquerda? Por que não ir com o PT, ou mesmo o PCdoB não lançar candidatura própria ao governo?
Aqui, entram outras e mais importantes variáveis.
Em resolução de 11 de março último, o Comitê Central do PCdoB assim caracteriza as próximas eleições: “(…) não se trata de eleição corriqueira. É um confronto de dimensão histórica. O resultado deste confronto definirá o caminho que o país seguirá ante a encruzilhada com a qual se depara: ou seguirá na rota neoliberal, neocolonial e autoritária, ou retomará o caminho da democracia, da soberania nacional, do desenvolvimento e do progresso social. O PCdoB segue convicto de que, apesar das adversidades, o campo político da Nação e da classe trabalhadora, liderado pela esquerda, pode sim vencer as eleições”.
Como mudar de rota e retomar o caminho antes percorrido? Como vencer o golpe e superar a crise? Como unir o campo político da Nação e vencer o consórcio entre a Casa Branca e a Casa Grande nas próximas eleições, num momento de enorme defensiva para os trabalhadores e o povo brasileiro?
A segunda e mais importante variável para a definição tática dos comunistas paulistas não está na conjuntura estadual, mas nas conjunturas nacional e internacional de grande defensiva das forças populares. Diante de um adversário poderoso e na ofensiva, como colaborar, a partir do local, com a tática geral de unir amplos setores do lado do Brasil e isolar os inimigos da Nação?
O PSDB é nacionalmente a principal força do Golpe – força representativa do rentismo, do entreguismo, dos interesses imperialistas, do autoritarismo. São Paulo é o estado mais rico, populoso da federação. Historicamente, epicentro dos golpes que assolaram a República. É onde as hostes golpistas têm mais força. Há 24 anos é governado pelos tucanos. E pela primeira vez em mais de duas décadas os mesmo tucanos disputarão seu governo estando fora da máquina.
Em entrevista recente, João Dória, escolhido candidato do PSDB em prévias há pouco realizadas, já mandou o seu recado: taxou Márcio França de aliado da extrema-esquerda e deu o tom de sua campanha: chutará duro e sem mercê, sejam quais forem seus adversários. Deixou claro de qual lado está: o mesmo do dono da Riachuelo e dos patos da Fiesp. Privatizará, desregulamentará, endurecerá com os movimentos sociais e propiciará em São Paulo ótimos negócios para o capital estrangeiro. Para ajudá-lo nisso, já conta com o apoio do PSD de Kassab e busca a parceria do DEM.
Márcio França, homem da política, ao se lançar candidato a governador contra a vontade do PSDB, terá de demarcar campo com ‘João Dólar’, o ‘Maluf de Botox’, o ‘Jânio de Cashmere’, o anti-político mais político do Brasil. Ao fazer isso, objetivamente abre caminho para novas conformações, composições políticas. E, de novo objetivamente, divide o campo de lá; mete-se como uma farpa no coração do principal território do Golpe; enfraquece o domínio do tucanato no Estado e impacta na correlação de forças nacional.
Um exército tem muitas ‘divisões de combate’, e uma profusão de destacamentos. Cada segmento tem uma missão dentro da estratégia geral e das táticas particulares. Digamos que a ‘divisão paulista’ das forças nacionais e democráticas tem como tarefa embaraçar o adversário; levar a divisão e a guerra ao âmago do território inimigo. Para tanto, deve raciocinar e agir considerando as múltiplas contradições, também objetivas, das forças em ação e do terreno no qual se movimentam.
Há uma contradição no fato de, por um lado, o vice-governador apoiar Alckmin e, por outro, enfrentar o PSDB, demarcando campo com o seu candidato. Essa contradição fica mais aguda na medida em que a direção nacional do PSB negou recentemente o apoio do partido à candidatura presidencial de Geraldo Alckmin. É justamente essa contradição que demonstra que somente na aparência é contraditório os comunistas, adversários intransigentes dos golpistas, se aliarem em São Paulo com uma candidato a governador que apóia um cardeal tucano para presidente. A contradição essencial está – objetivamente, repetimos – no campo de lá. A presença dos comunistas e outros potenciais aliados do campo progressista cumpre papel também potencial de aprofundar e alargar a fissura entre as forças que até então conduziram juntas a máquina do governo paulista.
É preciso considerar, por fim, a terceira variável, não menos importante que a segunda: o projeto eleitoral do PCdoB, cujo centro é o fortalecimento político dos comunistas, a fim de que possam enfrentar o golpe, ajudar o País a sair da crise e avançar em seus objetivos estratégicos.
Nacionalmente, o Partido quer ampliar sua bancada federal, eleger senadores, reeleger o governador do Maranhão e garantir o êxito de Manuela D’Ávila, sua candidata a Presidente da República. Em São Paulo, tem por prioridade reeleger seu federal, posicionar bem ou quem sabe eleger um segundo nome, e recuperar seu tamanho na Assembleia Legislativa, elegendo no mínimo dois estaduais e, num esforço, fazer um terceiro deputado.
Uma aliança com Márcio França e seu PSB em São Paulo mostra-se o caminho mais promissor no rumo destes objetivos. Além disso, não há como desconsiderar a probabilidade de as negociações, por um lado, franquearem à Manuela D’Ávila o palanque do candidato a governador, e, de outro, levarem o PCdoB a participar da composição da chapa majoritária, seja com um nome para vice, ou para o Senado – o que seria ótimo para o fortalecimento do partido como instrumento de luta dos trabalhadores pela transformação do Brasil em nação soberanamente desenvolvida, politicamente democrática e socialmente justa.
São políticas, portanto, as razões que justificam uma aliança entre o PCdoB e o PSB em torno da candidatura do vice-governador Márcio França. Parte da necessidade de forjar um campo político mais amplo, plural, capaz de enfrentar a escalada vertiginosa do Golpe consumado em 2016, ao tempo em que procura atingir objetivos políticos e eleitorais mais próximos. Os desenlaces dos próximos capítulos dependerão do jogo das forças em campo e da capacidade que cada qual terá de conduzir seus esforços.
Por certo, nada segue um roteiro idealmente pré-ordenado. Tanto na política como na guerra, a vontade vale bem pouco, ao passo que a realidade movediça é, por paradoxal que pareça, o terreno mais confiável para se desvendar tendências e fazer opções. Numa quadra política instável e incerta como a que o País atravessa, as apostas têm baixo grau de previsibilidade e grandes margens de erro. Pior, todavia, que apostar nas contradições próprias de uma arena nebulosa é agir por decreto e desconsiderá-las, por amor a improváveis coerências.
*Escritor, servidor público, militante do PCdoB desde 1983