A representação política das mulheres nos espaços de poder. Um breve panorama mundial, brasileiro e gaúcho.

Por Manuela D’Ávila, Daniela Oliveira Comim, Izabel Belloc Moreira Aragon e Ticiana Alvares*

I – A ocupação de assentos pelas mulheres no Parlamento

Com 55 das 513 vagas (10,7%) da Câmara Federal e 12 das 81 vagas (14,8%) do Senado ocupadas por mulheres, o Brasil ocupa o 154º lugar em participação política de mulheres nos parlamentos, segundo o ranking que analisou 174 países. A informação é do Mapa Mulheres na Política 2017[i], lançado em março deste ano pela ONU Mulheres em parceria com a União Interparlamentar. O ranking leva em conta a participação de mulheres na ocupação das vagas nas Câmaras Baixas ou Únicas e nas Câmaras Altas ou Senados.

Segundo a publicação “Las Mujeres en el Parlamento 2016: perspectiva anual”[ii] da União Interparlamentar, na década de 2006 a 2016, houve um aumento de 6,5% na ocupação mundial dessas vagas por mulheres, subindo de 16,8% em 2006 para 23,3% em 2016.

O documento revela que há “Polos opostos nas Américas”:

Durante a década passada, a região das Américas esteve na vanguarda do movimento para fomentar a paridade entre os gêneros. Em 2016, registrou um aumento de 0,9 pontos, com o que as mulheres representavam uma média de 28,1% dos assentos nos parlamentos da região (ambas câmaras combinadas). América Latina contribuiu em grande medida para estes avanços.”[iii] (…) “De maneira mais geral, a região das Américas não foi capaz de manter sua reputação tradicional de ser uma zona com um grande número de chefas de estado. A presidência de Cristina Fernández de Kirchner, na Argentina, finalizou em dezembro de 2015, e a Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, foi destituída de seu cargo. Hillary Rodham Clinton foi a primeira candidata à presidência de um dos principais partidos políticos dos Estados Unidos da América, apesar de não ter sido eleita. Durante a campanha eleitoral, os debates adquiriram um tom muito condicionado pelo tema de gênero. A campanha, que incluiu desde slogans degradantes e insinuações sexuais até um abalo constante dos direitos humanos da mulher, foi descrita como uma das mais desagradáveis da história das eleições dos Estados Unidos. A derrota de Clinton é um sinal contundente do difícil desafio que as mulheres enfrentam para alcançar ao cargo de dirigente mais desejado nos Estados Unidos de América.[iv]

De fato, o Brasil, apesar de ter melhorado a participação de mulheres na Câmara Federal e no Senado em duas décadas, de 1997 a 2017, não vem aumentado essa proporção na mesma velocidade que a média mundial. Além disso, houve diminuição do percentual na Câmara Federal, na eleição de 2010, e no Senado, na eleição de 2014. Estes fatores levaram o Brasil a perder posições no ranking, despencando do 66º lugar, em 1997, para o 154º, em 2017:

Na medição divulgada em 2017, então, o Brasil ficou atrás de quase todos os países latino-americanos: Bolívia (2º), Cuba (3º), Nicarágua (5º), México (8º), Equador (11º), Argentina (16º), Costa Rica (27º), El Salvador (36º), Guiana (38º), Trinidad y Tobago (43º), Peru (54º), República Dominicana (59º), Honduras (63º), Suriname (66º), Venezuela (80º), Uruguay (93º), Colômbia (106º), Panamá (107º), Santo Tomé y Príncipe (109º), Jamaica (113º), Chile (128º), Paraguay (133º), Guatemala (139º). Na América Latina, apenas Belize (183º) e Haiti (187º) tiveram desempenho pior que o Brasil.

Este cenário de precária participação política das mulheres é confirmado e aprofundado pelo Mapa Mulheres na Política 2016[i], elaborado pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, que revela uma interessante fotografia sobre o tema. Nesses dados, apresentados em dezembro de 2016, tem-se que:

a média da participação feminina na disputa de cargos eletivos (municipais, estaduais e federais) – eleições 2014 e 2016) era de 13,5%; com média de 15,39%, o Rio Grande do Sul ocupava o 9º lugar no ranking nacional; a média de ocupação de cargos eletivos (Senadora, Deputada Federal, Deputada Estadual, Vereadora, Governadora e Prefeita, após as eleições 2014 e 2016) por mulheres era de 10,8%; o Rio Grande do Sul tinha média de 12,02%; nos Tribunais Superiores, a ocupação de vagas por mulheres é de: Supremo Tribunal Federal — STF, 2 das 11 vagas (18%); Superior Tribunal de Justiça — STJ, 6 das 33 vagas (18%); Superior do Trabalho — TST, 6 das 27 vagas (22%); Tribunal Superior Eleitoral — TSE, 2 das 14 vagas (14%); e Superior Tribunal Militar — STM, 1 das 15 vagas (7%); até esta data, apenas 7 mulheres foram eleitas para o cargo de Governadora de Estado: Suely Campos (Roraima, 2014), Rosalba Ciarlini (Rio Grande do Norte, 2010), Roseana Sarney (Maranhão, 1994, 1998, 2006 e 2010), Ana Julia Carepa (Pará, 2006), Yeda Crusius (Rio Grande do Sul, 2006), Wilma Faria (Rio Grande do Norte, 2002 e 2006) e Rosinha Garotinho (Rio de Janeiro, 2002); a média nacional de mulheres titulares de Secretarias Estaduais era de 15,95%; no Rio Grande do Sul, apenas 1 das 15 Secretarias era titulada por uma mulher, significando uma proporção de 6,7%; “entre os 29 ocupantes do posto durante o período republicano, consta apenas uma mulher, a presidente Dilma Roussef”, eleita para o cargo de Presidente da República (2010 e 2014); no período republicano, a titularidade de mulheres em Ministérios foi de: Governo João Figueiredo, 1 Ministra; Governo José Sarney, 1 Ministra; e Governo Fernando Collor, 2 Ministras; Governo Itamar Franco, 4 Ministras; Governo Fernando Henrique Cardoso, 2 Ministras; Governo Luiz Inácio Lula, 10 Ministras; Governo Dilma Rousseff, 14 Ministras; Governo Michel Temer, 1 Ministra;

Especificamente quanto à eleição de mulheres para o cargo de Deputada Estadual, que compõe as Assembleias Legislativas, universo no qual está inserida nossa Procuradoria Especial da Mulher, o percentual nacional é de cerca de 11% dos assentos: das 1.035 vagas totais em todo o Brasil, 114 foram alcançadas por mulheres[ii].

Um dado importante revelado pelo Mapa Mulheres na Política 2016[iii], elaborado pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, é a relação entre a participação de mulheres na política e os índices de violência contra meninas e mulheres, por Estado.

Nota-se uma tendência, mesmo que não diretamente proporcional, ainda, de diminuição dos índices desse tipo de violência quando há uma maior participação de mulheres nas instâncias de poder.

Dos 10 estados melhor posicionados no Ranking de Participação Política de Mulheres, 8 estão classificados nas posições mais baixas do Ranking de Violência Contra Meninas e Mulheres. Por outro lado, o Espírito Santo, estado com pior participação de mulheres na política, ocupa o 2º lugar em violência de gênero no país.

É absolutamente importante atentar para a relação existente entre o aumento da participação política das mulheres e a diminuição dos índices de violência de gênero, especialmente em um país como o Brasil, pois:

o país ocupa tristemente a 5ª posição internacional, entre 83 pesquisados, dos maiores índices de feminicídios[i]; de 2003 a 2013, a taxa de feminicídios de mulheres negras aumentou em 54,2%[ii]; segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade – SIM, do Ministério da Saúde, relativo ao ano de 2014, verificou-se uma taxa de 13 mulheres assassinadas por dia, com 4.757 mulheres vítimas de mortes por agressão[iii]; em 2015, ocorreram 47.646 crimes de estupro no país, sendo 2.722 deles no Rio Grande do Sul[iv]

II – A conquista de espaços pelas mulheres no Parlamento, uma perspectiva gaúcha

“– Vamos discutir o problema com calma. Sempre dizem que eu é que me altero e que sou nervosa. Sempre estão dizendo que as mulheres é que não se entendem, mas aqui são os homens que não se entendem.

– O mais difícil é as mulheres se entenderem. Os homens se entendem sempre, apesar da exaltação. As mulheres não se entendem nunca.

– Em parte, concordo com V. Exa. Os homens, às vezes, se entendem. Se as mulheres tomassem mais interesse pela política, muita coisa que anda por aí não teria acontecido.”[i]

Era maio de 1952 e a deputada Suely de Oliveira, primeira mulher eleita para um assento na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, estabelecia o debate acima com o presidente da Casa.

O tema em apreciação na sessão em que se deu a discussão, ao contrário do que parece, não era a participação feminina na política; mas este tema sempre passa a fazer parte dos debates parlamentares a partir do momento em que a primeira mulher assume um assento parlamentar e passa a discutir todos os demais assuntos de interesse da sociedade.

A deputada Suely iniciou seu primeiro mandato em 31 de janeiro de 1951 e foi a única mulher no parlamento gaúcho durante 16 anos, de 1951 a 1967. Certamente foi a primeira e solitária mulher a viver, pela primeira vez no parlamento gaúcho, o ambiente de hostilidade da política em relação à participação das mulheres.

O deputado Lauro Hagemann, em lembrança ao seu convívio com a deputada Suely, refere:

“(…) havia uma certa discriminação em relação a deputada Suely. (…) havia no ar uma restrição ao fato de ela ser dirigente de uma categoria na condição de mulher. (…) havia um laivo machista no fundo de certos episódios, o qual não se verificava de forma visível, mas sempre havia este componente. Ela se impunha como mulher e como dirigente classista. O restante dos parlamentares tinha que baixar a crista, gerando uma situação não bem aceita. Isso tudo era subjacente, não posso citar um episódio em que isso tenha ficado claro. Ninguém se atreveria a agir às claras neste sentido.

A Suely sempre foi afastada do convívio da direção partidária por ser mulher. Nunca foi cogitada para cargos, muito menos para assumir a direção da Assembléia Legislativa. A deputada Suely ocupou o cargo de 2ª-secretária da Mesa Diretora, mas nunca foi manda-chuva. Naturalmente que ela exerceu a presidência da Comissão de Serviço Público durante muito tempo, uma vez que isso não lhe poderia ser tirado. Só que não passava disso. A deputada foi prejudicada pelo fato de ser mulher.”

A segunda mulher eleita para uma vaga no parlamento estadual[ii], deputada Terezinha Irigaray, assumiu seu mandato em 31 de janeiro de 1967, após obter a maior votação daquela eleição à Assembleia Legislativa[iii]. Ela escreveu:

“Lembro-me de que, em determinado dia, quando estávamos tomando um cafezinho no prédio da antiga Assembléia, a deputada Suely me disse: Terezinha, toma atenção em certas coisas. Eu lhe perguntei no que deveria prestar a atenção. Então me disse: Tu fizeste uma grande votação, menina – ela era um pouco mais velha do que eu. Eu lhe respondi: Sim, fiz 51.416 votos. Continuou: Essa é uma grande votação. Então, tu tens – e me disse rindo – que ser a nossa presidente… Tu vais ser a nossa presidente, porque o normal da Casa é eleger para a presidência, sempre, no princípio das legislaturas, o deputado que tiver feito a maior votação. Mas isso não aconteceu. Todavia, nunca esqueci essa história, porque a única pessoa que falou que eu poderia ser a presidente da Casa foi a professora e deputada Suely de Oliveira.”[iv]

No primeiro ano da 42ª legislatura, uma tradição do parlamento gaúcho foi quebrada para impedir que uma mulher ocupasse a chefia do Poder Legislativo do Estado; de fato, na oportunidade, a deputada Terezinha Irigaray não foi escolhida presidenta da Casa, como orientava a tradição de eleger para o cargo o parlamentar mais votado; naquele ano, 1967, essa escolha recaiu sobre um homem[v].

A partir desse dia, 31 de janeiro de 1967, a deputada Suely de Oliveira não estava mais sozinha, já não era mais a única mulher no parlamento; ela e a deputada Terezinha Irigaray viviam juntas o ambiente de hostilidade da política em relação à participação das mulheres:

Lembro-me de que, quando entrei na Casa, éramos 55 deputados e a bancada do MDB tinha uma representação de 28 deputados, dentre os quais me encontrava. A bancada do MDB situava-se como bancada de oposição ao regime que estava instalado no País, e a outra bancada era a da Arena, com uma representação de 27 deputados… Naquela época, a presença feminina não era bem recebida dentro dos partidos políticos, pois as mulheres não faziam o seu caminho natural dentro da política. Elas não se introduziam em partidos políticos. Até afirmo que eram mal vistas quando entravam para um partido político, porque se tratava de um núcleo onde o elemento formador era quase exclusivamente de homens. A presença do elemento feminino nos partidos políticos causava descaso. Os homens não davam muita confiança, olhavam meio de lado, nem acreditavam muito no que a gente dizia.

(…)

Juntas, procurávamos estabelecer um ambiente de harmonia e afastar um pouco a grande diferença que havia entre os homens e as mulheres, tanto fora da Casa quanto dentro.

(…)

Tenho em meu livro [À sombra da revolução: ‘estórias de um cotidiano’] uma foto da última reunião que realizamos do MDB, a qual foi presidida pela deputada Suely de Oliveira. Foi nesse período que perdi o mandato. Essa reunião aconteceu alguns dias antes da minha cassação, que ocorreu no dia 13 de março de 1969, através do Ato Institucional nº 5. Lembro-me dos momentos de despedida na Assembléia Legislativa, quando a nossa bancada se reuniu, todos choravam e a deputada Suely de Oliveira abraçou-me, externou seu sentimento de mágoa pelo que ocorreu e registrou que ficaria sozinha. Seria a única mulher deputada entre os homens.

(…)

A luta das mulheres daquela época é a mesma luta de agora. Não há muita diferença. A Suely de Oliveira brigava por seu lugar ao sol como parlamentar, primeiramente como vereadora da cidade de Pelotas, posteriormente na Capital, onde conseguiu demonstrar que o magistério tem a maior importância em toda e qualquer política, em nível municipal, estadual ou federal.” [vi]

A presença da mulher na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul é marcada por estas e outras histórias de luta pela ocupação de seus espaços. Tendo em vista o resgate deste legado, a Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa lançou, em 2017, o Projeto “A História da Mulher no Parlamento”. Trata-se de uma série de entrevistas com as mulheres que ocuparam o Parlamento Gaúcho, contados em 6 episódios divididos de acordo com o período histórico. Em comum, pode-se perceber que, a par da disputa política, tarefa de todo parlamentar, delas ainda é exigido travar a disputa quantitativa e qualitativa na ocupação de seus espaços; e, ao lado de todas as demais atribuições parlamentares, cabe apenas às mulheres, a partir de quando assumem seus mandatos, demonstrar a legitimidade de estarem onde estão.

A disputa quantitativa da ocupação de espaço caminha a passos lerdos, considerando que a representação das populações brasileira e gaúcha, assim como de seus eleitorados, ainda não guarda a proporcionalidade entre os sexos.

Dos 1,82% de 1951, quando foi eleita a deputada Suely de Oliveira, aos 18.18% da atual Legislatura, houve visível evolução na ocupação de cadeiras no parlamento[vii]:

Se, por um lado, é visível a evolução na ocupação de espaço pelas mulheres no parlamento; por outro, ao comparar a atual representação feminina na Assembleia Legislativa com a proporção, no Estado, de mulheres na população (50,96%[i]) e no eleitorado (52,32%[ii]), é de fácil percepção que ainda é baixo o índice de mulheres eleitas e/ou em exercício de seus mandatos no parlamento gaúcho atualmente: apenas 18,18% das 55 cadeiras totais.

No que diz respeito à disputa qualitativa de espaços no parlamento, alguns exemplos revelam o cenário enfrentado pelas mulheres no exercício de seus mandatos.

Quando olhamos a participação das mulheres parlamentares nas Comissões Permanentes da Casa, de 1951 a 2011, como mostra a pesquisa de Andréia Orsato[iii], vemos claramente essa situação.

Até 2011, apenas 2 mulheres haviam participado da Comissão de Constituição e Justiça, as deputadas Suely de Oliveira e Hilda de Souza; e 3 mulheres da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo, as deputadas as deputadas Jussara Cony, Cecília Hypólito e Zilá Breitenbach. E, em 60 anos pesquisados, apenas 10 mulheres ocuparam a presidência e 12 a vice-presidência de Comissões Permanentes.

Criada em 1971, a Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle teve uma mulher em sua Presidência somente após 30 anos de funcionamento; a deputada Cecília Hypólito, que exerceu o cargo nos anos de 2001 e 2002. Depois dela, esta Comissão Parlamentar teve apenas mais uma mulher à frente dos trabalhos: a deputada Maria Helena Sartori, em 2005 e de 2011 a 2013.

As comissões de Constituição e Justiça – a mais importante Comissão Parlamentar da Casa – e de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo, cujo objeto é fundamental para a economia do Rio Grande do Sul, nunca tiveram mulheres à frente de seus trabalhos. Segundo a pesquisadora Andréia Orsato[iv], estas duas comissões são “as que menos mulheres participaram como membros da comissão e por menos tempo”.

No outro extremo deste cenário, revela a pesquisadora que “destaca-se a presença das deputadas nas comissões voltadas ao debate sobre saúde, educação e direitos humanos”, referindo que as autoras Irlys Barreira e Danielle Gonçalves (2011) “afirmam que a maior frequência de mulheres em determinadas comissões pode ser entendida como um sintoma de concorrência e divisão desigual de poder”.

Nota-se que há certa divisão entre temas ditos “femininos”, que são majoritariamente destinados a elas, e temas entendidos como de domínio “masculino”, dos quais as mulheres são afastadas.

Esta é uma realidade existente desde a época em que a primeira mulher ocupou uma das cadeiras do parlamento gaúcho; realidade esta refletida nas palavras da deputada Terezinha Irigaray: “Lembro-me de ter sido barrada, muitas vezes, na entrada de reuniões de comissões, na apresentação de projetos, e a deputada Suely de Oliveira também.”

Neste mesmo sentido, lembra o deputado Lauro Hagemann:

“A presidência das principais Comissões da Assembléia nunca lhe eram dadas, então exercia a presidência da Comissão de Serviços Públicos, e não poderia ser diferente, pois se tratava de uma líder do magistério. Afora isso, ficava de lado nas outras comissões. Vamos ser claros, dizendo que o velho sentimento machista ainda predominava. A Assembléia gaúcha espelhava o espírito dominante do machismo que vigorava em nosso Estado por várias razões, no entanto isso não exclui certos episódios de muita grandiosidade ocorridos neste processo.”[v]

Se, naquela época, há quase 70 anos, a restrição imposta às mulheres em relação a determinados temas e matérias se dava de forma mais explícita, em nossos dias ela diminuiu em intensidade; porém, é possível notar que a ocupação de espaços de discussão e deliberação política ainda não é equânime entre mulheres e homens parlamentares.

Verificando a composição das Comissões Permanentes neste ano de 2017[vi], é possível perceber esse cenário:

todas as Comissões Permanentes têm mulheres na sua composição; a média de mulheres com assento nas Comissões Permanentes é de 1,83 deputada por Comissão; as Comissões Permanentes de Assuntos Municipais e de Economia, Desenvolvimento Sustentável e Turismo são as que menos têm mulheres na sua composição: 1 deputada cada Comissão; as Comissões Permanentes de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia e de Segurança e Serviços Públicos são as que mais têm mulheres na sua composição: 3 deputada cada Comissão; apenas uma mulher ocupa uma das 12 vice-presidências; não há mulheres na presidência de Comissão Permanente.

Outro exemplo interessante a ser analisado é a relatoria dos Projetos de Leis Orçamentárias (Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei Orçamentária Anual – LOA)[vii], matérias legislativas entre as mais importantes levadas pelo Poder Executivo à apreciação do Poder Legislativo, uma vez que estabelecem, entre outros, a origem e o destino dos recursos públicos que irão financiar a totalidade das políticas públicas do Estado, bem como a forma como deverão ser executados os gastos públicos. A relatoria desses Projetos de Lei são de extrema responsabilidade e importância; sendo a referente ao Projeto de Lei Orçamentária Anual – LOA, o mais importante, pois é através dele que a especificação de cada despesa pública é definida em maior nível de detalhamento.

A partir de 2007, é possível verificar que, nos 28 Projetos de Leis Orçamentárias do período, em apenas 4 deles uma mulher exerceu a relatoria:

dos três Projetos de Lei do Plano Plurianual do período, duas mulheres exerceram sua relatoria, as deputadas Silvana Covatti (2007) e Juliana Brizola (2011); dos onze Projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias do período, apenas a deputada Silvana Covatti exerceu a relatoria, em duas ocasiões (2008 e 2010); até este ano de 2017, apenas em duas oportunidades uma mulher foi escolhida para relatar o Projeto de Lei Orçamentária Anual: em 1999, a deputada Cecília Hypólito foi escolhida relatora do Projeto de Lei Orçamentária Anual para o exercício 2000; e, neste ano de 2017, a deputada Liziane Bayer é a relatora do Projeto de Lei Orçamentária Anual para o exercício 2018.

Em relação à Prestação de Contas Anual do Governador do Estado, a tendência da Casa é a mesma. A matéria é da maior importância para o Estado, uma vez que verifica a correção da execução dos gastos públicos.

Nesta matéria, a escolha para a relatoria não se apresenta de forma distinta da tendência anterior. De 2007 a 2016, apenas duas mulheres foram escolhidas para a relatoria do Balanço Geral do Estado: as deputadas Zilá Breitenbach (2011) e Juliana Brizola (2012)[viii].

Quanto à ocupação dos cargos de gestão política da Casa, que compõem a Mesa da Assembleia Legislativa, percebemos que ela também segue a mesma tendência das Comissões Parlamentares e da escolha para relatoria para matérias orçamentárias: nos 182 anos de existência do parlamento gaúcho, poucas vezes foi permitido às mulheres compor seu maior colegiado; e, quando foi, isso ocorreu de forma minoritária[ix]:

desde sua fundação, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul passou 120 anos sem ter mulheres na composição da Mesa, sua maior instância de gestão política da Casa; a primeira mulher a compor a Mesa foi a deputada Suely de Oliveira, no cargo de 2ª Secretária, em 1955; seguida pela deputada Terezinha Irigaray, no cargo de 3ª Secretária, 13 anos depois, em 1968; a deputada Ecléa Fernandes foi a primeira mulher a ocupar a vice-presidência, em 1983, na 1ª Vice-Presidência, após 14 anos sem nenhuma mulher na composição da Mesa; e, em março de 1984, chegou a ocupar interinamente a Presidência da Casa, tornando-se a primeira mulher, ainda que provisoriamente, a exercer o cargo[x]; somente 18 anos depois uma mulher assumiria a 2ª Vice-Presidência da Casa: a deputada Maria do Rosário, em 2001 e 2002; passaram-se mais 5 anos sem mulheres na composição da Mesa até que a deputada Kelly Moraes ocupasse o cargo de 2ª Secretária, em 2007; 4 anos após, em 2011, foi a vez da deputada Zilá Breitenbach ocupar a 3ª Secretaria; a deputada também ocupou a 1ª Vice-Presidência da Casa nos anos de 2012 e 2013, período em que, por três ocasiões, ocupou interinamente a Presidência do parlamento; a deputada Elisabete Felice ocupou o cargo de 4ª Secretária por alguns meses de 2013; em 2014, as deputadas Marisa Formolo e Elisabete Sanfelice ocuparam os cargos de 1ª e 4ª Secretárias, respectivamente; da mesma forma, em 2015, foi a vez das deputadas Silvana Covatti e Liziane Bayer ocuparem os cargos de 1ª e 4ª Secretárias, respectivamente; 2016 foi o ano da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul ter uma mulher à frente de todos os seus trabalhos e decisões: a deputada Silvana Covatti assumiu a Presidência da Casa; Neste ano de 2017, duas mulheres ocupam cargos na Mesa: as deputadas Liziane Bayer e Juliana Brizola, respectivamente na 1ª Vice-Presidência e 1ª Secretaria.

Relativamente à Presidência da deputada Silvana Covatti, em 2016, cumpre referir que a Assembleia Legislativa levou 181 anos, desde a sua fundação em 1835, e 66 anos, desde que a primeira mulher ocupou um de seus assentos em 1951, para que outra mulher fosse eleita para sua Presidência. O fato não foi inédito apenas no nosso Estado, pois a deputada Silvana Covatti foi a primeira mulher no país a ser eleita para ocupar a Presidência de uma Assembleia Legislativa.

É oportuno ressaltar que, além de ser o mais alto cargo de gestão da Casa, o exercício da Presidência da Assembleia Legislativa significa, também, a Chefia do Poder Legislativo estadual, 3º lugar na linha de sucessão do Governo do Estado.

A criação da Procuradoria Especial da Mulher, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em sua 54ª Legislatura, está inserida nesse mesmo contexto que levou uma mulher, pela primeira vez, ao mais alto cargo legislativo do Estado.

Criada em maio de 2015, pela Resolução de Mesa Nº 1.331/2015, por iniciativa da deputada Stela Farias, a Procuradoria Especial da Mulher é órgão institucional dedicado à defesa dos direitos e questões relacionadas às meninas e mulheres e teve a referida deputada como sua primeira Procuradora Especial, acompanhada das deputadas Manuela D’ávila, Any Ortiz e Zilá Breitenbach como Procuradoras Adjuntas.

A Procuradoria Especial da Mulher tem por finalidade a defesa e a promoção da igualdade de gênero, da autonomia, empoderamento e representação das mulheres, bem como o enfrentamento a todas as formas de discriminação e de violência contra mulheres e meninas; e uma de suas principais competências é a de fomentar a participação e representação das mulheres na política (art. 3º, III, da RSM Nº 1.331/2015).

Entre suas competências, todas relacionadas à questão de gênero, também estão: receber, acompanhar e encaminhar denúncias; fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais ; fomentar a participação das mulheres na política; cooperar com organismos públicos e privados; promover pesquisas e estudos; subsidiar Comissões da Assembleia; promover campanhas educativas, seminários e palestras; debater e posicionar-se sobre questões de gênero; bem como propor e integrar a articulação de políticas transversais de gênero nos órgãos governamentais e da sociedade civil.

No final do primeiro semestre do ano legislativo de 2016, em 21 de junho, a Procuradoria Especial da Mulher inaugurou sua sala de atendimento no saguão do Palácio Farroupilha, através de solicitação da Procuradora Especial da Mulher, deputada Stela Farias, acolhida pela Presidente da Casa, deputada Silvana Covatti. A decisão de destinar espaço físico para o órgão, e especialmente de escolher uma localização de destaque, foi fruto da vontade política e da ação administrativa das duas deputadas, considerando a importância da matéria e a fundamental necessidade do espaço físico para o atendimento das demandas do setor.

A correção de tal entendimento foi confirmada quando, por exemplo, ao final daquele ano legislativo, constatou-se que os atendimentos a meninas e mulheres passaram de 7, no primeiro semestre, para 18, no segundo semestre, totalizando 25 atendimentos no ano; concluindo-se, portanto, nesse aspecto, que a existência de um espaço físico adequado à demanda do órgão, facilitou o acesso de meninas e mulheres vítimas de violência a mais um serviço de acolhida, escuta, encaminhamento e acompanhamento.

Neste ano legislativo, em março de 2017, a deputada Manuela D’ávila foi escolhida Procuradora Especial da Mulher, sendo acompanhada pelas deputadas Juliana Brizola, Zilá Breitenbach e Miriam Marroni como Procuradoras adjuntas, por decisão unânime das nove deputadas da Casa. Entre os projetos que estão em andamento na Procuradoria Especial da Mulher, destacam-se os Seminários Educação sem Machismo, realizados em Porto Alegre e em mais de 30 municípios do interior do Estado; a História das Mulheres no Parlamento, que resgata a experiência de todas as mulheres que ocuparam assentos na Casa; e o Local Amigo da Amamentação, destinado a incentivar locais de acesso público, como cafés e restaurantes, a permitirem a livre amamentação em suas dependências.

Neste ano legislativo, também, por solicitação das Procuradora Especial e Procuradoras Adjuntas da Mulher, a Mesa da Casa aprovou a criação de cota orçamentária, para utilização pelo órgão, equivalente à cota de seus órgãos administrativos.

Apesar da Procuradoria Especial da Mulher não ser um órgão de execução de políticas públicas, está entre suas competências o recebimento de denúncias de violência contra mulheres e meninas. Nestes casos, a prática de atendimento é a acolhida e escuta das vítimas, bem como seu encaminhamento na rede de atendimento à mulher vítima de violência, a Rede Lilás. Conforme o caso, a mulher pode ser encaminhada aos Centros de Referência da Mulher – CRMs, Centros de Referência em Assistência Social – CRAS, Delegacias da Mulher, Defensoria Pública, Ministério Público, entre outros. A estes órgãos cabe efetivar os atos e providências necessárias à resolução dos casos de violência, cabendo à Procuradoria Especial da Mulher o seu acompanhamento.

A sala da Procuradoria Especial da Mulher também conta com um espaço reservado à amamentação. O Cantinho da Amamentação se destina a receber mulheres com seus filhos em idade de amamentação para que estas possam amamentá-los em um local confortável e tranquilo em suas visitas à Assembleia Legislativa. O Cantinho da Amamentação também recebe mães visitantes e trabalhadoras da Casa que necessitem fazer a coleta do leite materno para posterior consumo por seus filhos.

III – A Lei de cotas por sexo e as barreiras político-institucionais para o acesso das mulheres nos espaços de decisão

O contexto da redemocratização no país tornou incontornável o debate acerca da subrepresentatividade das mulheres na arena política, especialmente em função das discussões suscitadas por organizações e movimentos de mulheres. Isso fez com que o tema ascendesse concretamente à agenda política brasileira na década de 1990. Frente a esse cenário, a IV Conferência Mundial Sobre a Mulher das Nações Unidas, realizada em 1995, definiu como um dos objetivos estratégicos a serem cumpridos pelos países membros a adoção de medidas para aumentar a representação das mulheres em todos os postos governamentais e na administração pública, inclusive por meio da implementação de ações afirmativas, caso necessário[i]. No rastro da decisão, vários países latino-americanos passaram a adotar reserva de vagas nos anos seguintes. Com o Brasil não foi diferente, em 1997 foi aprovada a Lei 9.504, a qual estabeleceu o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para as candidaturas de cada sexo às eleições parlamentares.

Hoje em dia, passados vinte anos da entrada em vigor das cotas por sexo, faz-se necessária uma avaliação profunda dos seus resultados. Em que pese o efetivo aumento das candidaturas femininas para cargos proporcionais (especialmente após a minerreforma eleitoral de 2009, que exigiu o preenchimento e não apenas a reserva de um mínimo de candidaturas para cada sexo), uma avaliação da evolução do desempenho eleitoral das candidaturas femininas demonstra apenas um tímido incremento do número de mulheres eleitas, conforme se pode observar no quadro abaixo, para o caso das vagas à Câmara dos Deputados.

Como se pode observar, o aumento na ordem de 25,6 pontos percentuais no número de mulheres candidatas entre as eleições de 1994 (imediatamente anterior à vigência da lei de cotas por sexo) e de 2014 (de 6,2% para 31,8%) se fez acompanhar de um aumento de apenas 2,5 pontos percentuais de mulheres eleitas no mesmo período (de 7,4% para 9,9%). Tal situação fica ainda mais evidente quando analisamos a evolução das candidaturas e a eleição de mulheres para as assembleias legislativas e a Câmara Distrital. O quadro abaixo auxilia a ilustrar a questão.

Da mesma forma que o visto no caso da Câmara Federal, o considerável aumento das candidaturas femininas para os legislativos estaduais e distrital – uma provável repercussão da implementação das cotas – não se fez acompanhar de um crescimento proporcional da eleição de mulheres para esses cargos. De fato, a série histórica observada (de 1998 a 2014) indica uma estagnação na proporção de mulheres eleitas em patamares pouco superiores aos 10% das vagas nessa esfera, a despeito do crescimento do número de candidaturas.

A publicação “Las mujeres en el parlamento: una perspectiva de 20 años”[i], da União Interparlamentar, refere:

“Da introdução de cotas de gênero em toda a América Latina, principalmente a fins da década de 1990, mas também mais recentemente, se derivaram melhoras no número de mulheres nos parlamentos. Os últimos em adotá-las foram Chile (janeiro de 2015), Colômbia (julho de 2011) e Uruguay (março de 2009). Na maioria das cotas introduzidas nesta região, cuja aplicação é uma obrigação imposta por lei, se exige que os partidos políticos designem porcentagem mínimo de candidatas.

Nas décadas de 1990 e 2000, a cota, em quase todos os países da América Latina, era de 30%. No entanto, a fins da década de 2000, começou a consolidar-se o conceito de ‘paridade’. O primeiro estado a aumentar sua cota, de 30% para 50%, foi o Equador, em 2008, seguido da Costa Rica em 2009, Bolívia em 2010, Nicarágua e Panamá em 2012 e México em 2014. Na reforma do sistema eleitoral do Chile de 2015, se estabelece uma ‘paridade flexível’, em virtude da qual nenhum dos dois sexos pode superar os 60% ou estar abaixo dos 40% do número total de candidatos.

O Brasil constitui um contraexemplo: apesar de existirem cotas desde 1997, a proporção de mulheres na câmara baixa aumentou de 7% para apenas 9%. Porém, esta cota esteve acompanhada do incremento de candidatos que um partido podia colocar de até 150% do número total de assentos existentes. Ao exigir que os partidos ‘reservassem’ 30% de seus postos para as mulheres, se interpretou que a lei permitia que os partidos designassem homens para 120% de suas candidaturas. Em consequência disso, quando as cotas foram aplicadas pela primeira vez, a proporção de mulheres, de fato, diminuiu. Em 2009, as parlamentares exerceram pressões e conseguiram uma ‘mini reforma’, em virtude da qual se substituía a palavra ‘reservar’, a respeito da cota de 30%, pela palavra ‘preencherá’. No entanto, um apoio financeiro insuficiente, somado às dificuldades de apresentar-se como candidatas em um sistema de representação proporcional com listas abertas, só redundou em pequenos aumentos do número de mulheres eleitas em 2009 e em 2013.

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No Brasil e na Indonésia, por exemplo, as mulheres representavam ao redor de um terço dos candidatos, mas ganhavam uma proporção de assentos muito menor, de apenas 9,9% e 16,8% na câmara baixa e na câmara única, respectivamente. Estes padrões mostram que um aumento do número de candidatas eleitorais não basta para garantir uma mudança em sua representação.”[ii]

Tais dados ilustram, assim, os limites de se utilizar o expediente das cotas para candidaturas como única política de incentivo à correção das distorções em termos de representação da mulher na política institucional brasileira. Nesse sentido, ações mais efetivas devem ser urgentemente apreciadas, o que passa necessariamente, por um lado, pela necessidade de se escrutinar o expediente das cotas a fim de avaliar suas potencialidades e limites em face do imenso desafio à participação feminina na arena política, bem como, por outro, discutir-se seriamente a instituição de mecanismos mais vigorosos de correção das distorções verificadas, tais como medidas para garantir a paridade entre os sexos para cargos eletivos.

Pesa favoravelmente à adoção de medidas orientadas em favor da equidade, por exemplo, a aceitação demonstrada por ampla parcela da população brasileira em relação a ações com vistas à paridade tanto na ocupação de vagas no Legislativo como no interior dos partidos. Pesquisa realizada conjuntamente pelo Instituto Patrícia Galvão e o IBOPE (2013)[iii] indica que 76% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com o estabelecimento de garantias legais que assegurem a participação obrigatória de metade de homens e metade de mulheres no Legislativo. O mesmo estudo revela a aceitação por 78% dos entrevistados de medidas que estabeleçam a mesma proporção de candidaturas de homens e de mulheres.

No mesmo sentido, pesquisa realizada pelo DataSenado[iv] e publicada em 2014 indica que 71% dos entrevistados concordam com a paridade entre os sexos nas listas de candidatos dos partidos. Outro achado significativo da mesma pesquisa diz respeito à representação da mulher na política. Segundo o estudo, a grande maioria da população informa não tomar o sexo dos candidatos como critério de decisão sobre o seu voto. Assim, perguntados sobre se o sexo do candidato faz diferença na hora de votar, 83% dos entrevistados responderam que não. Questionados sobre já terem votado em uma mulher para ocupar um cargo político, 79% dos respondentes afirmaram que sim.

Se é fato que não seriam barreiras atitudinais ou culturais por parte do eleitorado as maiores responsáveis por impedir a ocupação de cargos eletivos de uma forma equitativa entre homens e mulheres, a questão se volta para as barreiras institucionais. Neste caso, tanto do sistema político brasileiro e seu arcabouço legal como dos partidos. Tal percepção parece ser compartilhada por ampla parcela das mulheres. Ainda segundo a pesquisa do DataSenado, um número muito próximo de homens e mulheres demonstram interesse em se candidatar para um cargo eletivo – 66% e 62%, respectivamente –, no entanto, 41% das entrevistadas acreditam que a falta de apoio dos partidos seja o principal motivo pelo qual as mulheres não se candidatam.

Estudo publicado pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal[v] indica que a razão de chances de homens e mulheres serem eleitos é sempre maior que 1, indicando que os primeiros têm chances sempre superiores de se elegerem em relação às mulheres. Não bastasse isso, aponta que após um breve período de aproximação das chances de eleição de homens e mulheres (de 1998 a 2002), desde 2002 a diferença em favor do sucesso eleitoral masculino só faz aumentar, conforme demonstra o gráfico abaixo.

A análise da experiência brasileira de duas décadas com o sistema de cotas eleitorais por sexo demonstra que as barreiras ao acesso das mulheres aos postos decisórios se devem menos ao número de concorrentes em si que a outros constrangimentos próprios do sistema político-institucional que vigora no país. Evidentemente que os aspectos culturais não estão divorciados das outras determinações que atuam para conformar o cenário de sub-representação das mulheres na esfera política, afinal, subjaz às omissões dos partidos em implementar a paridade em suas listas uma cultura política de valorização das candidaturas masculinas, fato observado quando se põe em foco, por exemplo, o financiamento das campanhas eleitorais. Em face da constatação de que as cotas por sexo por si mesmas não são suficientes, é imperativo que, para que uma mudança real e efetiva desse cenário de desigualdade ocorra, tal recurso seja não só aprimorado como medidas adicionais sejam adotadas. Tomando-se como parâmetro o critério da justiça social, nada mais legítimo do que implementação da paridade tanto em termos de candidaturas apresentadas pelos partidos como na ocupação das vagas ao Parlamento.

*Sobre as autoras:

Manuela é jornalista, mestranda em Políticas Públicas pela Ufrgs e deputada estadual, eleita em 2014. Na Assembleia Legislativa, é Procuradora Especial da Mulher. Cumpriu dois mandatos como deputada federal, sendo líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, Foi indicada três vezes pelo DIAP como uma das 100 “Cabeças” do Congresso e cinco vezes ao Prêmio Congresso em Foco, que premia os melhores parlamentares do Brasil. Em 2004, com 23 anos, foi eleita a mais jovem vereadora de Porto Alegre. Em 1999, filiou-se à União da Juventude Socialista (UJS). Também foi vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). No PCdoB, ingressou em 2001 e, em 2013, foi eleita presidenta estadual do partido. Na Câmara Federal, Manuela foi autora da Lei do Estágio e relatora do Vale-Cultura e do Estatuto da Juventude. Presidiu a Comissão de Direitos Humanos e foi coordenadora da bancada gaúcha. Como deputada estadual, apresentou projetos importantes, defendendo o direito das mulheres, LGBTs, trabalhadores e primeira infância. Manuela também foi proponente de diversas audiências públicas para debate de problemas e soluções com a população.

Daniela é Analista Legislativa – Consultora da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (desde 2008). Graduada em Arquitetura e Urbanismo (2003), em Ciências Sociais (2010) e especialista em Gestão Pública (2015) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é mestranda em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Ocupou as funções de Coordenadora de Pesquisa e Extensão da Escola do Legislativo Deputado Romildo Bolzan (2010 – 2012) e de Secretária da Comissão Especial para tratar do Ensino Profissional no Rio Grande do Sul (2013). Foi servidora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, onde ocupou o cargo de Analista Técnica de Políticas Sociais (2013 – 2016). Desempenha suas funções junto à Procuradoria Especial da Mulher (2017 – atual).

Izabel é Analista Legislativa – Consultora da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (desde 2006). Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999). Advogada na área trabalhista e sindical (2000 a 2006). Ocupou a função de Consultora-Geral da Assembleia Legislativa (2011). Cedida ao Poder Executivo, presidiu a Comissão Especial de Licitações do Programa PROREDES-BIRD/RS, na Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Popular/ RS (2012 a 2014). Desempenhou suas funções junto à Assessoria Técnica da Comissão Especial dos Direitos da Mulher (2015) e da Procuradoria Especial da Mulher (2016 – atual), ambas da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Ticiana é Graduada em Economia e especialista em Estudos Estratégicos Internacionais Contemporâneos, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e presidente da UJS RS. Foi presidenta do PCdoB de Porto Alegre e Vereadora Suplente de Porto Alegre. Atualmente coordena a assessoria técnica da Procuradoria Especial da Mulher