Há mais ou menos duas semanas, nas proximidades de Mucambo, quase ao pé da serra grande da Ibiapaba, um casal já idoso plantava. Duas chuvinhas apenas, era tudo que havia caído. E não tínhamos, então, nenhum sinal de que haveria mais. Mas aquele casal plantava sua roçazinha de milho e de feijão na beira da estrada com uma esperança danada. Dava gosto de ver.

Por Joan Edesson de Oliveira*

Botar roça no sertão é trabalho duro, paciencioso, mas de muita precisão e de extrema delicadeza. Precisão nos dois sentidos do termo, o da necessidade e o da exatidão.

Andarilho também por precisão, parei um instante a apreciar o trabalho dos dois. O homem cavava as covas, linhas retas, meticulosamente traçadas, simetricamente distribuídas no chão irregular. Ali estava a precisão no sentido da exatidão. A distância entre as covas e entre as linhas era igual, como se aquele homem houvesse antes medido o lugar exato em que a enxada afundaria. As covas tinham também a mesma profundidade, com apenas um golpe da enxada, sem que precisasse de mais do que isso.

Atrás do homem, a mulher segurava duas cuiazinhas na mão esquerda, uma com o milho e outra com o feijão, e ia enchendo as covas. Três a quatro sementes de cada, nem mais e nem menos, que caíam certeiras no buraco aberto no chão, rapidamente coberto com a terra que a mulher empurrava com o pé, num movimento certeiro, cuidadoso, para que a terra ficasse um pouco solta por sobre as sementes, a facilitar assim que brotassem logo, dois ou três dias depois.

O casal fazia o seu trabalho sabendo que teria que esperar, talvez, pelo imponderável. A chuva pode tardar, a formiga há de aparecer, a lagarta pode chegar se o veranico se espichar, vai ser necessário cuidado com os passarinhos nos primeiros dias, pra que não venham roubar as sementes tão zelosamente guardadas desde o ano anterior.

Aquele plantio, aquela semeadura, é trabalho de poesia, de métrica perfeita. A roça parecia um decassílabo na boca de um cantador, a pancada da enxada no chão fazendo às vezes de um baião de viola.

Olhando aquele ofício não pude deixar de lembrar da candidatura à Presidência da República lançada pelo PCdoB. Essa candidatura é trabalho de plantio, de semeadura. O tempo é de cavoucar o Brasil inteiro lançando ao chão as sementes do nosso milho e do nosso feijão. Claro, aqui também, talvez mais do que na pequena roça que vi, existe o imponderável. Política é bicho sujeito a temporais, capazes de destruir em minutos o plantio feito com tanto zelo. Mas a gente há de ter sempre no paiol uma reservazinha pra refazer o plantio, pra começar tudo de novo.

O tempo é agora, é este, o tempo da semeadura, do plantio. Manuela há de ir à frente, cuidando dessa semeadura, mas os comunistas, em todos os cantos do país, precisam vigiar os passarinhos, olhar as formigas e as lagartas, se preparar para fazer a primeira limpa no roçado, quando o mato ameaçar sufocar o milho e o feijão.

Nosso tempo é de plantio. Como na música de Geraldo Vandré e Hilton Acioli, a gente não planta em tempo que é de queimada.

*Educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.