No dia 23 de janeiro, véspera do julgamento da apelação do ex-presidente Lula pelo TRF-4, o Partido dos Trabalhadores e o Partido Comunista do Brasil, com o apoio das suas respectivas fundações, a Perseu Abramo e a Maurício Grabois, organizaram os “Diálogos Internacionais pela Democracia”. Na ocasião, o professor aposentado da Universidade de Coimbra (Portugal), Antonio Avelãs Nunes, fez um pronunciamento em nome do Partido Comunista Português, que reproduzimos na íntegra.

Caros Amigos, Companheiros e Camaradas
1 – Intervenho nesta sessão em representação do Partido Comunista Português, em nome do qual saúdo, com fraternura (palavra lindíssima que peço emprestada a João Guimarães Rosa), todos os presentes nesta iniciativa militante.

O PCP respondeu à chamada para deixar claro que os comunistas portugueses oferecem ao povo brasileiro toda a solidariedade na luta em defesa da democracia, da soberania e da independência nacionais, contra o imperialismo e os seus agentes.

2 – Todos sabemos que a corrupção é um mal endômico, nestes tempos de capitalismo do crime sistêmico. E a esquerda não pode deixar de combater a corrupção, com todos os meios à disposição do Estado democrático. É justo, por isso, sublinhar que foram os governos liderados pelo PT que conferiram às autoridades competentes as condições e os meios para investigar os casos de corrupção e levar os arguidos a julgamento.

Sabemos que os interesses defendidos pela direita são os semeadores e os aproveitadores da grande corrupção. Mas sabemos também que o combate à corrupção sempre foi, demagogicamente, uma das bandeiras dos movimentos de extrema direita.

Como em todos os casos que a História registra, no Brasil de hoje, os que se apresentam como ‘justiceiros’ são a elite dos corruptos. O que os move não é a vontade de combater a corrupção, mas a tentativa de esconder a corrupção em que estão atolados.

Como sempre acontece, também no Brasil as grandes ações de propaganda contra a corrupção são organizadas e financiadas pelos corruptos de grande calibre e pelos meios de comunicação ao seu serviço. O objetivo imediato foi o de afastar a Presidente Dilma Roussef. Nunca ninguém a acusou de corrupção, mas ela foi afastada através de um ‘golpe’ executado por deputados e senadores comprometidos com a grande corrupção, desprezando o voto de 54 milhões de brasileiros.

Por confissão de implicados de alto nível no golpe palaciano, sabemos hoje, de ciência certa, que o afastamento da Presidente Dilma visava exatamente acabar com a ‘sangria’ da investigação da Operação Lava Jato (os comentários gravados do ex-ministro Jucá e do ex-Ministro da Transparência, afastado por ser demasiado ‘opaco’, são inequívocos a este respeito).

3 – O imperialismo tem recorrido nos últimos anos a novas formas de ditadura. Em vez de recorrer às armas para impor juntas militares, organizam-se golpes palacianos e entrega-se o poder a juntas civis, comandadas por banqueiros, por altos quadros da Goldman Sachs, elementos da Trilateral, agentes do FMI, todos soldados arregimentados e pagos para defender os interesses do grande capital financeiro.

Este foi o modelo aplicado em alguns países da América Latina. Este foi o modelo aplicado na ‘Europa civilizada’, na Itália e na Grécia (com a nomeação dos ‘governos de técnicos’ presididos pelos banqueiros Mario Monti e Lucas Papademos, que nem sequer eram deputados eleitos) e em todos os países ocupados e ‘colonizados’ pelas troikas (autênticas juntas civis constituídas pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo FMI).

Este foi o modelo imposto ao Brasil, sujeito agora a uma verdadeira ditadura ao serviço do grande capital financeiro internacional.

4 – O ‘golpe’ ficou a nu naquela dramática sessão em que foi votado o impeachment da Presidente Dilma, conscientemente à margem da Constituição, como resulta das patéticas declarações de voto proferidas pelos deputados das direitas na noite de 17 de abril de 2017, um reality show transmitido em direto pela TV para todo o mundo, para vergonha do povo brasileiro, para vergonha de todos os amigos do Brasil, para vergonha de todos os democratas (em primeiro lugar, os democratas brasileiros).

Os objetivos do golpe foram confessados com a decisão de congelar durante vinte anos as despesas sociais – os investimentos no futuro!. Decisão proposta por um governo golpista, sem legitimidade democrática e aprovada por um Congresso ética e politicamente desacreditado. Decisão que configura a suspensão da Constituição e do regime constitucional, isto é, a imposição de um Estado de exceção, de uma ditadura apostada em destruir as conquistas sociais iniciadas com os governos do Presidente Lula.

5 – No discurso que proferiu por ocasião da tomada de posse como Ministro das Relações Exteriores, José Serra foi ao fundo da questão e abriu o jogo, para que os ‘patrões’ americanos soubessem que o novo governo, assente fundamentalmente na aliança PMDB-PSDB, estava no seu posto, ao serviço do império.

Nesse discurso de vassalagem, Serra deixou claro que os interesses (internos e externos) que estão por detrás deste ‘governo’ querem retomar o caminho da submissão do Brasil aos EUA e da correspondente hostilidade aos regimes progressistas da América Latina.

No fundo, trata-se de destruir a atuação muito positiva no âmbito da política externa dos governos liderados pelo PT: fim do ‘protetorado’ exercido pelo FMI; reforço do entendimento, da cooperação e da solidariedade entre os povos da América Latina, enfrentando o Big Brother norte-americano (a aposta no Mercosul e o caso da Alca são exemplos significativos); construção de um poder compensador à escala mundial, nomeadamente pela presença prestigiada no grupo dos Brics; luta pela transferência de tecnologia entre países com diferentes níveis de desenvolvimento; defesa da paz e do desarmamento; intervenção no sentido da reforma e da democratização da ONU; defesa do ambiente; ação no sentido de trazer para o primeiro plano a luta contra a pobreza.

6 – Na Europa, conhecemos bem os objetivos das políticas neoliberais, que procuram destruir as bases da soberania e da independência nacional, que confiscam os recursos naturais e as empresas estratégicas, que reduzem a política à mera aplicação de regras, que esvaziam as competências dos parlamentos nacionais, matando a democracia, e ‘colonizando’, autenticamente, os povos dos países mais débeis.

Também no Brasil, este governo golpista e entreguista pretende pilhar os recursos naturais do povo brasileiro, entregando ao grande capital internacional todos os setores estratégicos indispensáveis para fazer do Brasil (soberano e independente) um país capaz de se desenvolver autonomamente em benefício do seu povo: os recursos do pré-sal e os conhecimentos tecnológicos da Petrobrás (já antes o fizeram com a Vale do Rio Doce!), as empresas públicas de eletricidade, o Banco do Brasil, o BNDES, os Correios e tantos outros.

O processo em curso no vosso país encerra perigos enormes para a democracia, com graves prejuízos para o Brasil, mas também para a América Latina e para todo o mundo, dada a importância do Brasil no contexto atual.

Sabemos bem que a democracia nunca é uma conquista definitiva. E a democracia brasileira vive hoje momentos muito difíceis, que exigem a intervenção organizada do povo, com estruturas capazes de fazer o diagnóstico correto da situação e de traçar os objetivos que assegurem uma solução democrática para os problemas da hora presente.

Como sempre, a luta de massas é um fator determinante para derrotar as manobras da direita e do imperialismo.

7 – É tempo de resistência este nosso tempo. E, em tempo de resistência, é essencial a unidade de ação de todos os democratas. Esta unidade é indispensável desde logo para que os partidos de esquerda possam cumprir o dever (o dever patriótico) de analisar seriamente (criticamente) a vida política dos últimos anos, para valorizar o que foi feito de positivo (e foi muito: matar a fome a 40 milhões de brasileiros não foi apenas uma vitória de Lula e dos seus governos, foi uma grande vitória do Brasil e uma vitória do mundo inteiro!), mas também para fazer o diagnóstico do que correu menos bem e para tentar compreender as razões dos erros cometidos.

Esta é a condição primeira para ganhar o povo para a luta, para se conseguir um governo para o povo e, acima de tudo, um governo do povo, um governo profundamente ligado às grandes massas trabalhadoras, porque só um governo assim pode ter a força e a autoridade democrática que lhe permitam realizar as profundas mudanças políticas de que o Brasil carece.

É tempo de resistência, camaradas. É tempo de luta também. É tempo de dizer NÃO, como o operário em construção do belíssimo poema de Vinicius de Morais.

E não há tempo a perder, como ensina Geraldo Vandré, vítima dos torturadores da ditadura militar: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Porque – é o Chico Buarque que no-lo diz – “quem espera nunca alcança.” Aos golpistas, diremos o que já dissemos a outros: “apesar de você, amanhã há-de ser outro dia”!

Viva o povo brasileiro!

Viva o Brasil, Pátria Amada!