A violência política de gênero é um assunto que mal começou a ser conversado entre nós, no Brasil, mas é uma modalidade de violência já tipificada legalmente em outros países, como Bolívia, México e Peru. Trata-se também de questão tematizada para além de marcos nacionais, como na declaração do Mecanismo de Seguimento da Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 2015.
Por Vanessa Grazziotin*
O papel deste tipo de violência é impedir as mulheres de se candidatarem, interferir no exercício de seus mandatos e, por fim desestimular, desanimar, encurtar, abreviar a carreira política feminina. Ou seja, é uma violência exercida antes, no início, durante e no fim de um mandato, a influir no ingresso na política, na permanência e na saída/desistência da mesma.
Pioneira, a legislação boliviana, de 2012, procurou criar mecanismos para prevenir, abordar e punir os episódios de violência política de gênero, definida como ato cometido por uma pessoa ou grupo de pessoas contra mulheres candidatas, eleitas, em exercício de cargo público ou contra seus familiares.
Outro documento importante para abordar a violência política de gênero é a Declaração sobre a Violência e o Assédio Político contra as Mulheres, de 15 de outubro de 2015, produzida na 6ª Conferência dos Estados Parte da Convenção de Belém do Pará, realizada em Lima.
O documento relaciona a visibilidade da violência política de gênero ao aumento da participação política das mulheres, em particular nos cargos de representação política, consequência da adoção de cotas de gênero e de políticas de paridade e equidade, em muitos países do continente americano.
Segundo autoridades e especialistas nacionais reunidos na capital do Peru, “a violência e o assédio político às mulheres podem ocorrer em qualquer espaço da vida pública e política: nas instituições do Estado, nos recintos de votação, nos partidos políticos, nas organizações sociais, nos sindicatos, e através dos meios de comunicação, entre outros”.
Em outras palavras, a violência política de gênero alcança uma mulher em qualquer lugar ou espaço em que ela se movimente na sua luta por direitos. Pode ser até num corredor na Câmara, como aconteceu à deputada Maria do Rosário, em 2014, ofendida aos gritos e empurrada por um deputado em flagrante captado por câmera de TV.
Tenho para mim que a legislação brasileira sobre violência política de gênero, que precisamos construir, mereceria até ser chamada de Lei Maria do Rosário, para homenagear a brava defensora dos Direitos Humanos, sujeita a contumazes e notórios ataques que também procuram atingir covardemente sua família.
A violência política de gênero atinge também políticos discriminados como LGBT, quando pretensamente vocaliza e alardeia uma masculinidade heteronormativa que se coloca como paradigma exclusivo do masculino e do humano, desprezando que a humanidade se desenvolveu graças a atividades que já foram consideradas exclusivamente masculinas ou femininas, mas que podem ser feitas tanto por uns/umas quanto por outras/outros com igual perfeição.
De modo geral, o que justifica falar em violência política de gênero são as pistas que demonstram a existência de dois pesos e duas medidas em episódios políticos que envolvem políticos e políticas. Estudiosos do golpe que derrubou a presidenta Dilma, viram estas marcas de gênero na diferença entre as críticas prevalentes dirigidas a ela (“vaca”, “louca”) e a Michel Temer (“golpista”, “usurpador”) pelos respectivos opositores.
É preciso dizer que os ataques feitos às parlamentares comportam um tipo de agressividade raramente visto nas provocações que um homem dirige a outro homem, pelo menos na esfera pública. Alguém imagina um humorista postando um vídeo nas redes sociais que o mostra esfregando uma carta na sua cueca e remetendo-o para Michel Temer, para Gilmar Mendes ou para o deputado Jair Bolsonaro?
De fato, a violência política de gênero expressa uma tensão entre os que, como nós, consideram a desproporção entre homens e mulheres no Parlamento como um dos ingredientes da crise de representatividade do Legislativo e os que consideram que a mulher deve zelar pela família e não entrar no mundo da política.
Infelizmente a reforma política que a nação brasileira precisa, para aprofundar a democracia a partir do incentivo ao ingresso das mulheres na política e o consequente combate da violência política de gênero, passa longe daquela que hoje está sendo discutida no Parlamento, a despeito do esforço da nossa bancada feminina. Isto é péssimo para as mulheres, mas muito pior para a democracia.
*Vanessa Grazziotin é senadora do Partido Comunista do Brasil pelo estado do Amazonas
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo