O vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino, publicou um texto de sua autoria na última edição da Revista Princípios, em que aponta como principal desafio do 14º Congresso do PCdoB a busca de alternativas para a retomada do crescimento econômico sob democracia e progresso social.

Leia o texto na íntegra:

SAÍDAS E PERSPECTIVAS PARA O BRASIL – este é o principal desafio do 14º Congresso do PCdoB, numa abordagem concentrada. Trata de um momento de grandes incertezas e ameaças aos interesses da nação, à democracia e aos direitos do povo, sob a égide da agenda neoliberal do PSDB-PMDB, partidos que encabeçaram o golpe parlamentar coonestado pelo Judiciário em 2016, e do consórcio empresarial e midiático que sustenta o governo ilegítimo de Temer desde então.

Impõe-se ver as águas turbulentas, mas principalmente perscrutar o horizonte. O tema relaciona-se com uma questão de fundo, a categoria de encruzilhada histórica, como o PCdoB a define. Ela se constituiu desde o esgotamento do Nacional-Desenvolvimentismo, a chamada Era Vargas, no final dos anos 1980, que levou o país à modernização e cujos sinais de esgotamento vinham já desde o final da ditadura de 1964. Em síntese, significa que ou o país precisa dar um novo passo, mais elevado, para completar seu projeto nacional de desenvolvimento soberano, democrático e popular. Ou a nação se degradará, subordinada às cadeias globais de valor e à divisão internacional do trabalho em papel periférico, sob a égide rentista, da globalização neoliberal e imperialista, em condição subordinada e sem capacidade de fazer a inteira defesa de seu interesse nacional e dos interesses do povo brasileiro, que demandam fortalecer o Estado Nacional. É o que vem acontecendo na Nova República: duas décadas de transição tumultuada, primeiro com o fim da ditadura, depois com a implantação da agenda neoliberal por FHC. Foram chamadas as duas décadas perdidas para o país – FHC foi aprisionado pelo passado, não logrou superar a Era Vargas como pretendido.

Com o ciclo de 4 governos progressistas aberto em 2003, houve o enfrentamento da situação a um nível inédito. Pela primeira vez na história política e econômica brasileira, coincidiram o desenvolvimento nacional, a distribuição de renda e a democracia. Foram 195 anos de vida independente até o Brasil alcançar esse marco, e isso demonstra o quanto são fortes as tenazes a garrotear o interesse nacional e a luta do povo brasileiro. No entanto, Lula e Dilma ficaram aprisionados no presente: não lograram dar permanência ao projeto com reformas estruturais democráticas de Estado, que consolidassem o projeto. O ciclo democrático e desenvolvimentista desmoronou rapidamente.

O golpe do impeachment expôs cruamente a encruzilhada. Não se tratou de mera alternância de governos, mas de dois rumos opostos: o país precisa decidir se quer ir para o Norte ou para o Sul. O país ficou profundamente desarranjado e conflagrado politicamente, em todos os setores da sociedade e da vida nacional. Põe-se em questão todo o ciclo da Nova República. Assim, se confrontam desde o final dos anos 1980 dois caminhos antípodas, polarizados por PSDB à centro-direita e PT e a esquerda.

Nesse quadro, o que é que propõe o PCdoB? Propõe a oposição firme ao governo golpista e à sua agenda neocolonial, antipopular e antidemocrática. É preciso acumular forças para derrotá-los e criar condições para as forças patrióticas, populares e democráticas, reconquistarem o governo da República. Com este objetivo é necessário acumular forças na resistência à agenda anti-pátria e anti-popular, em bases autoritárias. Só a união de vastas forças em frente ampla, alcançando largos estratos políticos e sociais do campo progressista e democrático dos setores jurídicos, da intelectualidade e da cultura, e também de setores econômicos empresariais em busca da retomada do crescimento econômico e dos interesses nacionais pode alcançar tais objetivos: a esquerda sozinha não será suficiente para retomar os caminhos democráticos pelo desenvolvimento soberano e distribuição de renda. Mas cabe a ela, a esquerda, ser o núcleo consequente desta Frente Ampla, como base inclusive para coalizões políticas capazes de governar em torno de uma agenda pactuada e pública.

A luta em defesa da democracia e do Estado democrático de direito é o ponto de partida da frente ampla, em defesa das garantias constitucionais, da normalidade das relações políticas e institucionais que reordene a disputa democrática pelos rumos para o Brasil, em defesa do sistema político representativo e da atividade político-partidária. A mobilização política do povo é o fator mais decisivo para reverter a desfavorável correlação de forças atual e é necessário articular à Frente Ampla fóruns de mobilização política e social do povo, entre eles a Frente Brasil Popular (FBP). A isso se junta a luta institucional para ampliar a resistência, isolar o inimigo principal e neutralizar segmentos da frente conservadora.

Esses fundamentos estão sintetizados no lema do 14º Congresso: Frente Ampla e Novos Rumos para o Brasil – democracia, soberania, desenvolvimento, progresso socialAlém da resistência, as forças progressistas precisam apresentar perspectivas ao país, esperanças de um novo amanhã: um novo programa para tirar o país da crise e retomar o projeto progressista e uma reconfiguração da esquerda para retomar o diálogo, a confiança e os votos da maioria do povo e setores vitais da Nação.

Novos rumos dependem da herança que se receberá. Uma vista de conjunto indica que está sendo implantada uma nova ordem política, econômica e social no país, de caráter ultraliberal, autoritária e neocolonial. Medidas de exceção vão sendo implantadas e poderes desconstituintes atuam mesmo na vigência formal da Carta de 88. As contrarreformas vão exigir referendo revogatório, ao lado de reconstitucionalizar direitos e até, a partir de uma vitória eleitoral para presidente da República, disputar politicamente uma correlação de forças mais favorável às reformas estruturais, ao interesse nacional, à democracia e aos direitos do povo mediante uma Assembleia Nacional Constituinte.

Um ponto de partida é também as lições a extrair da derrota política dos governos do PT.

Num debate inicial, o PCdoB considera que faltou aos governos do PT e das forças progressistas a maturidade de um projeto nacional de desenvolvimento e de uma estratégia consistente para abrir caminho a ele. Igualmente, não se realizaram – e nem mesmo foi pautado seu debate na sociedade – as reformas estruturais. Inicialmente pode não ter havido a necessária correlação de forças favoráveis, mas o caso é que sequer se disputou a sociedade para convencê-la, inverter a correlação de forças e educar politicamente as massas populares nesse sentido. Assentou como fator definidor de êxito a questão social, da distribuição de renda e inclusão social – o que aliás foi exitoso – e a questão democráticada cidadania e direitos civis em geral. No âmago disso, foi crucial manter intacta a estrutura conservadora do Estado nacional. É intrigante uma força de esquerda na direção de governo progressista sequer ter pautado uma agenda de Estado, sob soberania democrática e popular, coerente e funcional a uma estratégia de desenvolvimento. Na ausência disso instituiu-se um republicanismo desvinculado de um projeto de nação, que comprometeu o equilíbrio entre os poderes, fortaleceu corporações de agentes públicos e gerou anomalias de exceção que incidiram na realização do golpe. Manifestou-se aí ilusão sobre o caráter conservador e de classe do Estado brasileiro. Outro fator limitante foi o hegemonismo, que levou o PT a incorrer em erros e distorções na condução política, como o de minimizar o papel de um núcleo de esquerda no comando de ampla coalizão política e não partilhar decisões com aliados estratégicos. O que é mais propriamente um projeto de poder do que de nação.

O capítulo das alianças foi também fundamental. A esquerda, naquelas condições, nem venceria nem governaria sem alianças, para constituir maioria no Congresso Nacional e na sociedade. Polarizar e atrair as forças políticas de centro foi uma necessidade e êxito, sem o quê o governo não teria tido força para realizar o conjunto de conquistas, mesmo considerando que o centro foi ao mesmo tempo um freio em reformas mais profundas. Mas a maior parte do PT parece contestar isso, aberta ou veladamente, e isto é outro fator problemático quanto às concepções táticas. Outro fator ainda mais crucial não é apontado nas reflexões do PT: deixar de lado o bloco de esquerda para nortear programaticamente a coalizão.

Os Novos Rumos necessários dependem essencialmente do que queremos ser como nação. Um projeto dessa natureza demanda estratégia persistente num ciclo político vigoroso por 20-25 anos. Por isso, evidentemente, o passo inicial é reconquistar nas urnas o governo central da República. O PCdoB considera necessário, portanto, conformar um bloco histórico político e social para constituir poderosa base social e nova maioria política para vencer nas urnas, na mobilização popular e na luta de ideias, em prol dos interesses do Brasil, do povo e da democracia, a partir de uma nova agenda para o Brasil.

O Brasil é maior que a crise e tem condições de enfrentá-la, para alcançar outro patamar de afirmação como nação, um novo ciclo civilizatório na vida nacional. Possui grande território, população e PIB. Alcançou a terceira revolução industrial mediante o modelo de substituição de importações no âmbito do nacional-desenvolvimentismo, e constituiu uma cadeia industrial integrada, de médio porte, a mais bem-sucedida fora dos países centrais no século 20, excluída a URSS sob o socialismo. É potência energética, de matriz variada e limpa, também ambiental e detém a maior reserva de biodiversidade do mundo. É potência agrícola, altamente competitiva. Tem um povo laborioso, criativo, miscigenado e uno, que criou uma cultura original, e fala uma única língua em seu extenso e povoado território nacional.

Os obstáculos estratégicos estão, entre outros, nas tenazes que o atam ao sistema financeiro nacional e internacional e na subordinação às cadeias globais de produção de modo periférico e subordinado à divisão internacional do trabalho. Outro obstáculo, como já visto, é o Estado brasileiro, de índole conservadora e antidemocrática, que foi minado mesmo no ciclo da Nova República pelo papel das corporações que o seqüestram e dominam: expressão concentrada disso é a Operação Lava Jato; outra é a oligarquia financeira que sustenta a dívida pública remunerada aos maiores juros do mundo. Setores importantes de sua classe dominante têm baixo sentimento nacional e concebem o país apenas como o segmento dos 30-40% da sociedade que usufruem rendas e direitos.

Hoje o Brasil tem riscos e oportunidades na geopolítica internacional para dar passos nos novos rumos. A crise mundial e a reestruturação capitalista expõe impasses da globalização neoliberal e ameaças à autonomia e soberania das nações em desenvolvimento. A vitória de Trump, nos EUA, e do Brexit, na Grã Bretanha, são expressão disso, expondo o reacionarismo agressivo, autoritário e xenófobo que capitalizou, por meio do voto ressentido dos trabalhadores em ambos os casos, os efeitos nefastos da onda ultraliberal. Trump ameaça promover a desmoralização de tratados e instituições internacionais, o protecionismo, guerras comerciais e cambiais em defesa de sua economia e poderio.

Por outro lado, e ao mesmo tempo, aumenta a margem de manobra para países como o Brasil. Ocorre uma transição no cenário internacional, com a emergência de novos polos de poder superando a anterior ordem mundial unipolar dominada pelo imperialismo estadunidense, cuja hegemonia está em declínio. A China Socialista surge como a maior economia do mundo e como potência, ao lado da recuperação do poder nacional da Rússia, o entorno estratégico asiático e o destacado papel do BRICS. O eixo euroasiático consolida projetos de desenvolvimento compartilhados, como é a iniciativa da Nova Rota da Seda liderada pela China, com investimentos de US$ 27 trilhões envolvendo 60 países, enquanto o Tratado Trans-Pacífico, entre outros, é desfeito pelos EUA. Os BRICS e o entorno sul americano representam vantagem estratégica para o Brasil, para induzir investimentos e financiamentos em infraestrutura e impulsionar o comércio.

As propostas do PCdoB têm por base o Programa Socialista, mediante o caminho do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Abarcam as reformas estruturais democráticas do Estado nos sistemas político, jurídico, financeiro e tributário, além das reformas sociais na questão urbana, agrária, da saúde e educação e, no plano da sociedade, a democratização dos meios de comunicação.

As propostas implicam outras opções estratégicas para o país. O horizonte do tempo indica formas de capitalismo de Estado, sob direção de forças progressistas. Para o PCdoB isso é o novo projeto nacional de desenvolvimento, o nacional-desenvolvimentismo em novas condições, Só os trabalhadores reivindicam e podem liderar tal projeto,o  que abre caminho para transformações maiores, a transição ao socialismo que, em última instância, é o único sistema que poderá assegurar a autodeterminação e soberania popular, o desenvolvimento para combater as desigualdades sociais e regionais, a democratização mais profunda para as forças chamadas a liderá-lo: os trabalhadores e o povo.

Nação, Produção, Trabalho e Educação, esta é a mensagem. No centro da qual está em primeiro lugar o papel do Estado para induzir o desenvolvimento nacional, com uma vigorosa agenda para fortalecer o setor público, democratizar as instituições, universalizar direitos da cidadania. É preciso recompor os fatores de dinamismo da economia nacional, que vêm sendo abalados. Essa agenda implica em especial:

  1. a) recuperar a engenharia nacional para o poder público elaborar projetos, planejar e conceber as obras, acelerando a leniência das empresas envolvidas na Lava Jato;
  2. b) a vigorosa defesa da Petrobras, do Pré-sal e do regime de partilha, bem como de políticas competitivas de conteúdo local;
  3. c) realizar as obras de infraestrutura que aumentam a competitividade brasileira, integram o país e em sinergia com os vizinhos sul americanos.
  4. d) Implica também no desenvolvimento da matriz energética, portos, estradas, ferrovias e obras de mobilidade urbana, visando escoamento da produção, bem como investimentos sociais, cadeia importante que estimula a economia e a formação de recursos humanos diferenciados.

Um capítulo central é a questão da indústria. Reverter a desindustrialização brasileira significa reverter a sua desnacionalização. Tanto Carlos Lessa quanto Gilberto Bercovici e Pedro Celestino (da ANE) lembram que o Brasil constituiu a mais avançada e bem-sucedida cadeia industrial integrada em países periféricos. Para Celestino, essa cadeia ainda não foi desarticulada, como ocorreu na Argentina. Também consideram que a industrialização favoreceu a mobilidade social ascendente, como aconteceu no passado e em anos recentes. Ou seja, uma economia exportadora de bens primários não produz renda para todos os brasileiros, nem cidadania.

Quem industrializou o país foi o Estado. O petróleo foi estratégico para o desenvolvimento da indústria, e não apenas como commoditie. A desindustrialização é a base de todos os desinvestimentos correlatos em curso hoje no país – não há por que produzir aço, energia, telecomunicações se não for para a indústria instalada ou expandi-la; do mesmo modo, não adianta Ciência e Tecnologia se não houver indústria. É uma deformação, como nos lembram os autores, que o empresariado industrial não invista na indústria, mas direciona investimento para o sistema financeiro, ou seja, tem cultura rentista. Investimentos obtidos do BNDES para ampliar plantas industriais, foram vilipendiados com a venda delas ao capital estrangeiro, como é o caso clamoroso da JBS.

Isto posto, o papel do Estado nacional é central para:

  1. a) Induzir altas taxas de investimentos públicos e privados, financiando-os com o reposicionamento do papel do sistema financeiro público e privado, das estatais e, também, de concessões e parcerias público-privadas em sintonia com o desenvolvimento nacional. O BNDES é um grande trunfo estratégico, assim como as relações com os BRICS. Parte das reservas internacionais poderá ser utilizada para isso. Esses passos exigem uma nova política macroeconômica que promova investimentos em infraestrutura, inovação e na esfera social, reduza estruturalmente a taxa real de juros, mantenha sob controle a trajetória da dívida pública e mantenha a moeda em patamares favoráveis ao crescimento.

 

  1. b) Reverter a desindustrialização que exige adotar regime de câmbio que impeça a apreciação do Real para combater o que Bresser Pereira denomina a “doença holandesa”. Igualmente, é preciso recuperar o hiato da indústria brasileira rumo à quarta revolução industrial, com estratégias envolvendo o papel do Estado na educação, ciência, tecnologia e inovação. Na nova maioria política será preciso incorporar o pacto entre as forças e interesses do trabalho e da produção, isolando os setores rentistas nacionais e internacionais, que são os mais agressivos contra a soberania do país.
  2. Valorizar o trabalho e a elevação da renda. É a medida mais estrutural para reduzir a desigualdade social. A política de elevação do salário mínimo, nos governos Lula e Dilma, foi, de longe, a medida de maior impacto social no último ciclo, permitindo expandir o mercado interno e sustentar o crescimento do PIB.
  3. Revolucionar a oferta de educação pública, de qualidade, essencial para que as futuras gerações tenham maior nível cultural e visão multilateral do mundo onde vivem, base dos valores democráticos e cívicos. É importante fator de mobilidade social e base para a igualdade de oportunidades. Ademais, o nível educacional do conjunto da população é fator determinante para a produtividade geral da economia e, portanto, para o projeto de desenvolvimento.
  4. Valorizar a agricultura, desde o agronegócio até a agricultura familiar. O vasto território, a abundância de água e sol, aliado à excelência científica e tecnológica de nossos institutos de pesquisa agrícolas, permitem que o Brasil seja um dos maiores produtores de alimentos e proteína animal. Os alimentos do consumo interno vêm da agricultura familiar, não do agronegócio. O campo brasileiro é fator de pujança e força do poder nacional e permite a que nosso tenha papel chave no equilíbrio e na segurança alimentar do mundo. Mas a agricultura não deve ser só negócio, mas principalmente agroindústria. O agronegócio gasta o que ganha com exportações, compra insumos das empresas multinacionais, não é ligado à indústria, nem investe nas variadas modalidades de transporte para escoar a produção.
  5. Fortalecer a defesa nacional, aparelhando as Forças Armadas e estimulando a base industrial de defesa. A base de nossa política nacional de defesa deve ser desenvolvida. Primeiro, pela dupla missão de nossas Forças Armadas num país com nossas características, relativas, por um lado, à defesa da soberania e da integridade territorial, contra ameaças externas, e por outro lado, a contribuição à coesão e a difusão dos valores cívicos e nacionais e a tarefas de integração nacional.
  6. Ancorar esse curso fortemente com investimentos em ciência, tecnologia e inovação, sem o que, mostra a experiência internacional e a nossa própria trajetória no século XX, o desenvolvimento industrial não deslancha. O Brasil erigiu esforços significativos para estruturar complexo e diversificado sistema de CT&I na segunda metade do século XX. No ciclo político recente, com decisiva contribuição de quadros de nosso Partido, demos passos sólidos no rumo da definição de arcabouço legal e institucional moderno para avançar ainda mais.
  7. Política Externa voltada para a dupla missão de, por um lado, atuar para criar condições internacionais – no âmbito da transição em curso no sistema internacional – mais favoráveis ao curso de nosso projeto nacional de desenvolvimento, potencializando oportunidades; por outro, envolver o decisivo papel do Brasil em impulsionar a multipolarização no sentido da reforma do anacrônico sistema vigente dos pós guerra fria, que não representa mais o balanço de forças no mundo contemporâneo.

É factível? Certamente. É mesmo um desígnio histórico, o de alcançar novo patamar civilizatório na trajetória do Brasil. Essa orientação significa, como tudo em política, disputa de posições, ou seja, a unidade e luta entre as forças de afinidade progressista com as bandeiras da esquerda. Vasta unidade demanda vasta luta de ideias. Alguns temas candentes são: a do caráter da Frente Ampla; a própria orientação a adotar quanto às eleições presidenciais já ou em 2018; o caráter da hegemonia necessária; os eixos estratégicos de um projeto para o Brasil, a centralidade da questão nacional e da unicidade do povo brasileiro. São questões que hoje ainda não unificam a esquerda e, às vezes, geram antigas polêmicas.

Um tema é que, para agrupar forças excepcionais para a situação excepcional do país, é nevrálgica a concepção da Frente Ampla em defesa da soberania nacional, dos direitos do povo e da democracia. Não é uma frente ampla de esquerda apenas, que vá um pouco além da aliança PT-PCdoB. Ela pode se dar no âmbito de uma pauta comum na resistência, sem caráter orgânico fixo. Mas também pode adquirir organicidade se evolui a unidade, tendo uma intervenção política organizada em torno de uma agenda básica ou mínima imediata para o país, com forte ação de mobilização política da sociedade e, até mesmo, adquirir expressão eleitoral para sustentar uma candidatura presidencial unitária ou em alianças pactuadas em comum.

Isso incide sobre o segundo tema, a eleição presidencial de 2018. Candidaturas presidenciais são legítimas e necessárias. O PCdoB também as almeja. Dada a situação de defensiva e acumulação de forças, elas podem cumprir grande papel de esperança para o povo, como é o caso da força de Lula que polariza todo o quadro político, e quanto ao seu direito a candidatar-se. Mas começar por nomes de candidatos, sem uma agenda definida nem compartilhada com vastas forças para além da esquerda, dificulta a unidade. O risco é ficarem todos aprisionados numa tática que é reativa, esperando 2018 em detrimento de maior união de forças ou apenas pensando em meras alianças eleitorais. Nessas horas se exige a fibra e caráter político das grandes lideranças.

Em relação a isso incide o terceiro tema, sobre o caráter da hegemonia. Hegemonismos próprios de projetos de poder exclusivistas não unem, afastam. Se a luta prevalece sobre a unidade, não há frente. Se houver só unidade, se descaracterizam as forças integrantes. Hegemonia é o centro da estratégia e é ciência e arte construí-la como liderança política, intelectual, ideológica e moral do bloco histórico, que se sobreponha aos interesses meramente partidistas. Invoca clareza estratégica e justas concepções táticas. Imagine-se uma situação em que se propõe uma formação política e social frentista, como foi a ANL em 1935, por exemplo. Por hipótese, um “Congresso do Povo” que lidere o debate e a formulação de uma agenda para tirar o país da crise e possa, até mesmo, se apresentar como alternativa eleitoral unitária ou de unidade pactuada em 2018. O que seria melhor para o país? O que seria melhor para a esquerda? Casos como esse ocorreram quando os comunistas foram força hegemônica na esquerda: desde Dimitrov na Europa e a ANL no Brasil em 1935, às revoluções da China e Vietnã, até os exemplos ainda remanescentes do Frente Amplio do Uruguai e o CNA da África do Sul, representaram grande avanço histórico sob a concepção e condução dos comunistas.

Entretanto, o mais difícil sempre foi decifrar a esfinge dos eixos estratégicos para a consecução de um projeto para o Brasil. O PCdoB tem balizas estratégicas e programáticas para se orientar nesse grande embate. Suas raízes estão fincadas desde 1922 na luta anti-imperialista, democrática e nos interesses populares. Com as atualizações necessárias face à evolução brasileira, esses eixos persistiram na reorganização revolucionária de 1962 e evoluíram em sucessivas fases, em correlação com as mudanças do capitalismo, até o Programa Socialista vigente hoje, em correlação com essa evolução do capitalismo brasileiro. O centro desse Programa é o de um Novo Programa Nacional de Desenvolvimento, e no DNA comunista entrelaçam-se três eixos estratégicos para essa luta gesta: a luta pelo desenvolvimento autônomo e soberano do país, de nítido caráter anti-imperialista; a luta popular contra a desigualdade social e pelos direitos sociais, base para a cidadania; a luta pela profunda democratização do Estado e da sociedade. O PCdoB tem sua história entrelaçada a esses eixos, como via brasileira ao socialismo.

Após a derrota estratégica do socialismo e, hoje, na luta por engendrar uma nova luta pelo socialismo, aumentou, como já referido, a margem de manobra do país para sua autodeterminação. Tem centralidade a questão nacional, a saber, a do desenvolvimento e do fortalecimento do Estado Nacional como impulsionador do desenvolvimento soberano. Tal luta representa aguda forma da luta de classes no mundo contemporâneo, anti-imperialista e anti-neoliberal. Ela é exigida para compor em torno de si os eixos da luta de classes democrática e pela cidadania, a luta social e contra a desigualdade social, pois estas só se realizam se estiverem integradas a um projeto de nação desenvolvida e soberana. Não se produz maior igualdade de condições sociais num país neocolonizado ou dependente; não se produz renda suficiente para distribuir em uma economia exportadora de produtos primários; não se produz democracia e cidadania sem estes componentes. Então, não avança o projeto nacional sem desenvolvimento e não avança o desenvolvimento sem o papel do Estado nacional. A luta nacional nesses termos é essencialmente internacionalista.

Uma outra chave, paralela a essas reflexões, é o da unicidade do povo brasileiro, que envolve grande esforço de debate político e luta de ideias na luta social. O Brasil acumulou enormes desigualdades sociais e regionais em sua formação, deformações no seio da sociedade marcada por prolongado escravismo e patriarcalismo, que redundam, hoje mais que nunca, em lutas das mais variadas índoles, ligadas à emancipação, identidades e reparação, luta contra a discriminação racial, pelos direitos civis de todos os brasileiros. Representam contradições no seio do povo e que precisam ser incorporadas e ligadas a um projeto nacional de desenvolvimento que lhes dê guarida, e não podem chegar a ser antagônicas nem principais.

As causas são justas e irrecusáveis, integradas ao novo projeto nacional de desenvolvimento. Mas se prestam cada vez mais a estratégias políticas equivocadas, que se dizem de “esquerda”, mas negam um projeto de nação e ameaçam a própria unicidade do povo brasileiro. Na Academia, prolifera a base ideológica do multiculturalismo e da pós-verdade. Sobretudo na luta social, os comunistas devem disputar justas estratégias junto a essas causas e segmentos sociais. Hoje há forças à esquerda que promovem “novas” estratégias e reforçam a luta em torno de coletivos de subjetividades e identidades, condenam o “fetichismo da classe trabalhadora” pelos partidos da esquerda tradicional e sua vocação ao poder de Estado e eleitoral. Tentam explorar a negação da política, largamente hegemonizada pelos conservadores, em nome de uma pregação muitas vezes moralista que não apresenta nenhum projeto de nação para o povo brasileiro.

Sempre esteve no âmago dessas polêmicas o papel da burguesia brasileira. Ela não mostra propensão à altura para dirigir um projeto nacional com a índole proposta. Setores importantes dela têm baixo sentimento nacional. Sabem-se sem forças para liderar um projeto nacional para enfrentar grandes corporações mundiais com a proteção de seus respectivos Estados nacionais. Atuam como classe coesa no conflito distributivo – central na relação entre a burguesia e os trabalhadores, a luta lucros x salários. Mas vivem uma disjuntiva, entre soçobrar como  “burguesia importadora” com interesses apenas rentistas e voltados para o exterior, ou persistir em manter-se, também, na esfera da acumulação interna – ainda que em íntima relação de dependência com a esfera financeira – impulsionando a produção e a indústria, defendendo o cobiçado mercado interno brasileiro e afirmando-se na dura competição internacional sob as cadeias globais de produção.

É longa a história da diáspora na esquerda brasileira sobre esse tema. No período de modernização conservadora acelerada no país, após 1930, a hegemonia na esquerda era constituída pela estratégia nacional-popular, onde prevaleceu o trabalhismo (entre suas facções à direita, centro e esquerda) e os comunistas, que a ligaram indissoluvelmente à à luta por um Estado sob soberania democrática e popular e que nem sempre acertaram em relação ao sentido da gesta de Getúlio Vargas. O PCB se perdeu não apenas devido à crise ideológica no campo comunista, mas também por abandonar o Programa de 1954, adotando a Declaração de Março (1958), cuja démarche foi entronizar a questão democrática – depois considerada valor universal – e abandonar o campo nacional-popular. Quanto aos antigos pecebistas, boa parte de seus quadros derivou à centro-direita (Goldman, Aloysio Nunes, Roberto Freire etc) e vários expoentes tucanos, oriundos do mesmo campo, viraram banqueiros, numa deriva à direita e centro-direita modernas.

A hegemonia nacional-popular daria frutos até a luta contra a ditadura, quando se exacerbou a questão democrática, em duas vertentes: à direita, o PSDB, depois partido dos interesses rentistas no país; à esquerda, o PT, com predominância total da questão social e democrática – demonstrado durante seus 13 anos de governo, aliás com êxito. A tônica no eixo democrático e social fez-se hegemônica no ciclo da Nova República. O PT e PSDB polarizaram a política nacional desde então, sendo o PT o partido mais vigoroso da esquerda.

Parte da esquerda, transformada pela luta democrática contra a ditadura, aderiu a teses anti-Estado, de verniz liberal. O ranço anti militarista confunde-se com a pregação do fim da era Vargas e no argumento sobre o patrimonialismo. Há quem situe o lulismo como estratégia de um neo-nacional-desenvolvimentismo ou social-desenvolvimentismo como base para as conquistas sociais, a distribuição de renda e políticas públicas como máquina de fidelização eleitoral, a não ruptura com a visão liberal da democracia como base ideológica central. Mas parte destacada das limitações estratégicas do PT na condução dos governos é expressão disso: a questão não era o Estado, mas sim, mais propriamente, o caráter conservador e de classe do Estado brasileiro, e uma noção estratégica de projeto de desenvolvimento da nação contando com o papel central do Estado em impulsioná-lo.

Evidentemente, em meio à unidade e luta, o PCdoB também sofreu os efeitos do hegemonismo do PT (que sempre se referiu aos governos do PT) e não demarcou suficientemente com alguns desses erros. O mais importante para esta argumentação é a conclusão sobre a identidade do PCdoB, que  invoca a representação dos trabalhadores, de caráter revolucionário (mesmo quando persegue reformas), a marca comunista, marxista e leninista, o partido do socialismo, dotado de concepção tática ampla, radical e flexível a um só tempo, forjador de grandes frentes táticas ou estratégicas. Mas, no curso da luta política, invoca sobretudo o que propõe à sociedade, firmado em seu Programa, que tem fundamento numa perspectiva socialista com a centralidade da questão nacional. Essa é a questão vital que permanece: a relevância política do PCdoB está em ocupar um lugar definido e saliente em torno de sua proposta de Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Para o PCdoB a unidade é a bandeira da esperança. Na história brasileira, quando se uniram vastas forças com clareza de objetivos e unidade de ação no rumo do interesse maior do Brasil, do povo, da democracia e do desenvolvimento venceram. O caminho de uma frente ampla de índole nacional, popular e democrática, centrada em retomar em novas condições o projeto nacional de desenvolvimento, revela clareza estratégica e tática. Mas precisa ter força para disputar estrategicamente esse rumo junto à esquerda, na sociedade e aos setores vitais da nação; dar a isso dimensão de massas, de impulso das ideias, de força eleitoral e de vigor partidário.

Esta é a principal missão do 14o Congresso, que ocorrerá este ano e iluminará caminhos para os próximos anos da encruzilhada do país e descortinar, de imediato, o rumo que adotará face às eleições presidenciais.