Navegando no mar revolto da múltipla crise que aflige o país, pode parecer “ideológica” – em sentido pejorativo – a reafirmação de valores muito caros à militância revolucionária.
Mas não é.
Por Luciano Siqueira*
Ao contrário, justamente nas refregas de maior envergadura, quando a dispersão política e ideológica se expande e o movimento transformador reclama descortino e rumo, a necessidade de uma justa atitude militante se acentua.
Isto porque a uma corrente política consequente, como o PCdoB, se impõe o que temos chamado de inteligência coletiva – a construção solidária da orientação política, fruto da vivência na luta concreta e da fascinante aventura da especulação teórica e tática.
Com a consumação do golpe que afastou do governo a presidenta Dilma, interrompeu-se o ciclo transformador que se iniciara no primeiro governo Lula, a partir de 2001, dando lugar a uma conjuntura inteiramente nova – de regressão neoliberal.
Nela, do ponto de vista tático, a essência está na correlação de forças, agora muito adversa. Agrupamentos situados ao centro, antes aliados ao Partido dos Trabalhadores, migraram para o conluio com a direita.
O campo comprometido com o ciclo anterior hoje não passa de um quinto do parlamento.
E a cena política recorrentemente sofre direcionamento advindo do Judiciário, do aparato policial e da mídia hegemônica.
Nossas forças, derrotadas na batalha do impeachment, se reagrupam gradativamente e ainda sob enorme dispersão no terreno das ideias, além da pressão “esquerdista” de que resulta exacerbado sectarismo.
A complexidade da situação e o entrechoque de distintas percepções e entendimentos sobre o que se passa, em ambiente de tremenda instabilidade e de consumada imprevisibilidade, inquieta a todos e se reflete no interior dos partidos.
Assim, o chamado debate interno é tão necessário quanto intenso, sujeito a divergências não imediatamente elucidadas com as quais é preciso conviver.
No caso particular do PCdoB, o correto, equilibrado e respeitoso equacionamento de divergências políticas é, na atualidade, uma das expressões mais elevadas do seu amadurecimento. Inspira-se na política de quadros aprovada no 11° Congresso, ela mesma um salto qualitativo quanto à construção partidária.
Nada que impeça a imperiosa necessidade do Partido agir “como um só homem” (usando a expressão de Lenin). Ou seja, preservando sua unidade, coesão e capacidade combativa.
A cada pronunciamento da Comissão Política Nacional – que responde pelo Comitê Central -, uma opinião hegemônica se afirma e se faz referência para todo o coletivo militante, resguardadas eventuais divergências individuais.
Essa compreensão democrática e amadurecida da orientação centralizada reforça o caráter de classe do Partido e sua missão histórica.
E, por conseguinte, contribui para a compreensão de que nenhum militante é maior do que o Partido, por mais saliente que seja o seu papel na sociedade e por relevante que seja a sua contribuição para a ampliação da influência dos comunistas.
Dito de outra forma, haverá sempre uma linha demarcatória (de que a sensibilidade e o espírito coletivo de cada um deve dar conta) entre o pensamento individual (com todos os seus méritos e nuances) e o pensamento do Partido.
Somos homens e mulheres “de partido”, preservamos conscientemente essa linha demarcatória e remetemos dúvidas e divergências ao debate nos fóruns partidários.
Desse modo, nenhum comunista tem a sua criatividade e o seu ímpeto pessoal inibido, pois direciona suas inquietações para a construção coletiva das ideias.
*Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB