Os grandes monopólios midiáticos, quando tratam do “dia 11 de setembro”, lembram somente do atentado terrorista contra as “Torres Gêmeas” nos EUA, onde morreram 2996 pessoas. Mas calam completamente sobre o golpe terrorista de Pinochet no Chile – golpe arquitetado e organizado pelos Estados Unidos – que ocorreu nesse mesmo dia e causou a prisão, tortura e morte de dezenas de milhares de chilenos e de chilenas. Nesta data, não podemos deixar de denunciar esse bárbaro crime cometido pelo governo dos Estados Unidos contra o povo chileno!

Por Raul Carrion*

Depois de ter disputado a Presidência do Chile por três vezes sem vencer (1952, 1958, 1964), Salvador Allende concorreu pela quarta vez por uma ampla frente de centro-esquerda – a Unidade Popular, formada pelo Partido Socialista, Partido Comunista, MAPU (dissidência da Democracia Cristã), API e Partido Radical e Social-Democrata – e venceu as disputadíssimas eleições de 4 de setembro de 1970, derrotando o direitista Jorge Alessandri e o democrata-cristão Radomiro Tomic.

Tendo obtido 36,6% dos votos, Allende foi o mais votado, mas não obteve a maioria absoluta dos votos, precisando submeter-se a aprovação do Congresso, em sessão a realizar-se no dia 24 de outubro.

A eleição de Salvador Allende foi considerada “inaceitável” pelos Estados Unidos, que – como comprovam documentos desclassificados dos EUA e o Informe da Comissão Church, do Senado estadunidense – haviam despejado milhões de dólares nas campanhas de seus adversários, já durante o processo eleitoral, inundando o país de fake news (como se diz hoje) e financiando regiamente a imprensa conservadora, em especial o jornal “El Mercurio”, para que atacasse dia e noite o candidato socialista.

Logo após a vitória de Allende, Nixon convocou Henri Kissinger – seu assessor para Assuntos de Segurança Nacional – e Richard Helms, diretor da CIA, para comunicar-lhes que “um governo allendista era inaceitável para os Estados Unidos e instruiu a CIA a desempenhar um papel direto na organização de um golpe de Estado no Chile, para evitar que Allende assumisse a Presidência.” (Informe Church). De imediato, foram liberados dez milhões de dólares para isso.

A partir de então, foram colocadas na mesa todas as alternativas: desde a compra de votos de congressistas democrata-cristãos, para que – rompendo com uma longa tradição republicana – não ratificassem a vitória de Allende e elegessem o direitista Jorge Alessandri (o segundo mais votado), até a organização de um golpe de Estado. Só estava excluída a invasão direta por marines “ao estilo República Dominicana”.

Fracassada a tentativa de suborno aos congressistas, ganhou força a alternativa do golpe militar, envolvendo os generais Roberto Viaux e Camilo Valenzuela, além de altos escalões da Marinha, Força Aérea e Carabineiros, mas o golpe esbarrou na postura legalista do General René Schneider, comandante-em-chefe do Exército chileno.

A CIA decidiu, então, remover esse obstáculo e forneceu armas e dólares para o assassinato do General Schneider. Depois de duas tentativas frustradas, o general Schneider foi emboscado por cinco homens que o metralharam em seu carro oficial. O atentado ocorreu no dia 22 de outubro, antevéspera da reunião do Congresso Pleno que ratificaria ou não a vitória de Allende. Gravemente ferido, Schneider foi levado às pressas para um Hospital Militar, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu em 25 de outubro.

O atentado contra o general Schneider criou uma comoção nacional que paralisou os generais golpistas e favoreceu a confirmação pelo Parlamento da vitória de Salvador Allende, que recebeu 153 votos (78,46%), contra 35 votos para Alessandri e 7 abstenções. Finalmente, no dia 3 de novembro, Salvador Allende assumiu a Presidência do Chile.

Desde então as elites dominantes do Chile e dos Estados Unidos não lhe deram um só minuto de trégua, tudo fazendo para desestabilizar o seu governo, até derrubá-lo e assassiná-lo através do golpe fascista de Pinochet!

No início dos anos 70, mais de cinco mil brasileiros viviam exilados no Chile, convivendo com exilados de todo o continente, acolhidos solidariamente pelo povo chileno. Desenvolviam um trabalho de denúncia da ditadura militar e de solidariedade às lutas do povo brasileiro. Lá se encontravam vários militantes e dirigentes do Partido Comunista do Brasil – entre eles Diógenes Arruda, Dynéas Aguiar, Amarildo Vasconcelos, Teresa Costa Rego e Raul Carrion –, que sempre contaram com o apoio do Partido Comunista do Chile, do Partido Socialista e outras forças progressistas para esse trabalho de solidariedade.

O Chile vivia momentos de suma gravidade.

As forças de direita e os Estados Unidos começaram a preparação de um golpe militar contra Allende. Os documentos desclassificados comprovam que o maior temor dos EUA era que o Chile chegasse ao socialismo através de eleições democráticas, o que seria um “mau exemplo” para o resto do mundo…

No primeiro ano do governo Allende, o PIB cresceu 8,5%, o desemprego baixou 4% e os trabalhadores ampliaram a sua parcela na renda nacional de 51% para 63%. Esses avanços se refletiram nas eleições municipais de 1971, quando a Unidade Popular obteve 50,2% dos votos.

As eleições seguintes, para o parlamento, aconteceram em 4 março de 1973. Ainda que a Unidade Popular não tivesse obtido a maioria, teve uma nova vitória, conquistando 43% dos votos e acabando com as esperanças da direita de ter maioria suficiente para destituir constitucionalmente Allende.

Um Informe da CIA, de 06.03.1973, afirmou: “Estamos discutindo futuras opções à luz dos decepcionantes resultados eleitorais, que permitirão a Allende e à UP levar adiante o seu programa com maior força e entusiasmo.”

Os golpistas decidiram, então, acelerar a preparação do golpe através da desestabilização da economia chilena. Para isso, suspenderam todo e qualquer investimento, frearam a produção; causaram o desabastecimento de produtos de primeira necessidade, ocultaram produtos para vendê-los no “mercado negro” a preços exorbitantes, especularam contra a moeda chilena, bloquearam os empréstimos externos ao Chile, financiaram greves de caminhoneiros com dólares da CIA, desataram uma campanha midiática implacável contra o governo e aliciaram altos oficiais das Forças Armadas para o golpe.

Para enfrentar o desabastecimento, o governo criou “Juntas de Abastecimento e Preços” (JAPs) nas vilas e nos bairros, onde as famílias inscritas tinham direito a uma “cesta” de produtos básicos, a um preço tabelado. Essa iniciativa, de profundo sentido social, foi apresentada pela imprensa como “mais um passo em direção ao comunismo”.

Falando sobre essa “guerra econômica” contra o governo Allende, o ex-agente da CIA Philip Agee disse, anos depois: “a CIA, ao financiar os caminhoneiros, comerciantes e outras associações contra o regime de Allende, pôde criar a aparência de caos e desorganização, que sempre atrai os líderes militares de direita, já que estes sempre advogam por ordem e disciplina. O quadro faria com que eles interviessem para restaurar a ordem, a paz e a dignidade da nação.”

E o Informe Church revela que “a CIA gastou mais de um milhão e meio de dólares para apoiar El Mercúrio, o principal jornal do país e o mais importante canal de propaganda contra Allende.”
No contexto desta escalada golpista, aconteceu no dia 29 de junho de 1973 o “Tancazo” – uma tentativa de golpe a partir do Batalhão Blindado comandado pelo Coronel Souper, que só foi abortado devido à atitude firme do comandante-em-chefe do Exército – General Prats –, que percorreu os quartéis reunindo forças para deter os golpistas.

Em 26 de julho, foi assassinado com um tiro o comandante Arturo Araya, ajudante naval do Presidente. Depois do golpe, se soube que o seu assassinato foi obra do grupo terrorista de ultra-direita Pátria y Libertad.

Era preciso afastar o General Prats, o último obstáculo ao golpe. E isso foi conseguido através da sua renúncia, em 23 de agosto, depois de fortes pressões. Em seu lugar assumiu o General Pinochet. Estava aberto o caminho para o golpe, que ocorreu 19 dias depois, sob o comando do próprio Pinochet.

O 11 de setembro de 1973 amanheceu com o Palácio La Moneda sendo bombardeado pela aviação golpista e cercado por tanques e militares. Poucas horas depois, Salvador Allende estava morto, o golpe consumado e tiveram início as prisões, as torturas e os assassinatos.

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*Historiador e dirigente estadual do Partido Comunista do Brasil. Foi vereador e deputado pelo PCdoB. Preso e torturado pela ditadura militar, exilou-se no Chile. Ali se encontrava por ocasião do golpe de Pinochet. Após a redemocratização, foi o autor da lei que criou em Porto Alegre a Praça Salvador Allende. Atualmente, preside a Fundação Maurício Grabois, Seção do Rio Grande do Sul.

 

(As opiniões aqui expostas não refletem necessariamente a opinião do Portal PCdoB)