Através dos dados mensais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos acompanhado no último período um fenômeno típico da crise: o aumento do desemprego, especialmente pelo fechamento de postos formais, e uma migração de trabalhadores para o mercado precário como alternativa à falta de trabalho.
De acordo com dados da última Pnad, o número de pessoas que trabalham por conta própria – ou seja, sem empregador, sem funcionário, sem direitos e sem renda fixa – chegou a 24,1 milhões de pessoas no fechamento do segundo trimestre de 2019. Desde 2017, este número cresceu desproporcionalmente ao emprego com carteira assinada e hoje já representa 25,9% do total de empregados do país.
Um novo recorde da série histórica, segundo o IBGE. O número de trabalhadores por conta própria, ou aqueles que buscam o chamado “bico” para sobreviver à crise, subiu nas duas comparações: 1,6% (mais 391 mil pessoas) frente ao trimestre anterior e 5,0% (mais 1.156 mil pessoas) frente ao mesmo período de 2018.
Um levantamento inédito feito pela consultoria IDados para reportagem do Valor Econômico, divulgado na quarta-feira (21), revelou mais um dado perverso sobre a realidade dos brasileiros que trabalham por conta própria: 41,7% destes vivem com menos de um salário mínimo por mês, isto é, R$ 998 mensais. Em números, isto representa R$ 10,1 milhões de pessoas.
Um recorte cruel deste percentual é a faixa de 15% de trabalhadores por conta própria que tem rendimento de R$ 300 reais por mês – ou R$ 10 reais por dia. Este valor é menos do que o necessário para comprar uma cesta básica em São Paulo, que hoje custa R$ 493,16, por exemplo, conforme comparou a reportagem.
Para quem diz que o problema é a falta de qualificação, o responsável pela pesquisa reitera que essas ocupações precárias são um fenômeno do desemprego, uma válvula para a falta de ofertas de emprego. “São trabalhos informais, sem piso salarial e algumas vezes com pessoas sobrequalificadas exercendo. São os trabalhos em que também mais se encontra pessoas em situação de pobreza”, disse Bruno Ottoni, da IDados.
Essas pessoas estão ocupados em segmentos sobretudo dos serviços e comércio, como camelôs, ambulantes, pedreiros, motoristas de aplicativo. Uma outra parcela está em atividades agrícolas, e outra está na chamada indústria geral, sobretudo de baixa tecnologia, apurou a pesquisa.
Além do evidente problema para o consumo, as condições de vida e sobrevivência dessas pessoas – que inclusive não contribuem para a previdência – é da ordem de grande preocupação macroeconômica.
“Quando projetamos os números do mercado de trabalho, fazemos uma correlação forte de emprego e PIB”, disse Ottoni. O PIB (Produto Interno Bruto) do país deve crescer menos do que 1% este ano, se muito, segundo aposta do Banco Central e do mercado financeiro.
Para o desemprego e, portanto, para o crescimento, o atual governo não tem resposta ou proposta. “Dê um ano ou dois, dê uma chance para a liberal-democracia. Saibam esperar a sua vez”, declarou o ministro da Economia, Paulo Guedes, depois do indicativo de que o Brasil está em recessão técnica após dois trimestres seguidos com o PIB abaixo de zero em 2019.