A entidade de beneficência Oxfam, que anualmente divulga relatório sobre a desigualdade no mundo, enfatizou em seu mais novo estudo que 2.153 bilionários concentram tanta riqueza quanto mais de 4,6 bilhões de pessoas somadas – ou seja, 62% da população do planeta.

O relatório “Tempo de Cuidar – O Trabalho de Cuidado não Pago ou Mal Remunerado e a Crise Global da Desigualdade”, que denuncia que a diferença entre os obscenamente ricos e o resto da humanidade alcançou proporções grotescas, foi divulgado na véspera do Fórum Econômico de Davos, que reúne magnatas, autoridades e figurões da mídia.

Como base de seu estudo, a Oxfam usa o Relatório da Riqueza Global do banco Credit Suisse, que considera a mais ampla compilação de dados sobre distribuição global de riqueza (embora, como a instituição observa, ainda subestime a desigualdade). Os dados sobre os mais ricos do mundo são da lista de bilionários da Forbes – edição 2019.

Não apenas a desigualdade está batendo todos os recordes, como em uma década o número de bilionários dobrou.

 

ESPAÇO SIDERAL

 

Para representar o absurdo da atual situação da concentração de riqueza em tão poucas mãos, o relatório da Oxfam registrou que “se todos sentassem sobre sua riqueza empilhada em notas de US$ 100, a maior parte da humanidade estaria sentada no chão. Uma pessoa de classe média de um país rico estaria sentada na altura de uma cadeira. Os dois homens mais ricos do mundo estariam no espaço sideral”.

Os dois bilionários citados, embora não pelo nome, são Jeff Bezos, dono da Amazon, e Bernard Arnault, dona da gigante de artigos de luxo LVMH (que trocaram de posição no ano passado, com Arnault sendo o mais rico, e Bezos, o segundo mais rico).

 

“MOTOR OCULTO”

 

O relatório da Oxfam revela que mulheres e meninas trabalham diariamente um total de 12,5 bilhões de horas sem remuneração ou reconhecimento, o que representaria pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano em valor à economia mundial caso fosse remunerado. O triplo do valor gerado pela indústria tecnológica. O que foi chamado, pela diretora da Oxfam-Índia, Amitah Behar, de “motor oculto” da economia global.

Também a diretora-executiva da Oxfam-Brasil, Kátia Maia, alertou que “milhões de mulheres e meninas passam boa parte de suas vidas fazendo trabalho doméstico e de cuidado, sem remuneração e sem acesso a serviços públicos que possam ajudá-las nessas tarefas tão importantes”.

Ainda, 42% das mulheres no mundo não conseguem um emprego porque são responsáveis por todo o trabalho de cuidado. Percentual que, entre os homens, é de apenas 6%.

Aquelas que têm uma remuneração – principalmente faxineiras, trabalhadoras domésticas, cuidadoras e enfermeiras – são pagas, têm poucos benefícios e submetidas a horários irregulares.

A indiana Behar citou que em seu país – onde é gigantesca a população rural – há mulheres que passam de 16 a 17 horas por dia procurando água depois de caminhar 3 quilômetros, cozinhando, preparando seus filhos para a escola e realizando bicos por uma remuneração precária.

“E, por outro lado, você vê os bilionários reunidos em Davos com seus jatos particulares, estilo de vida supermilionário”, assinalou. “Na Índia, vejo essas mulheres todos os dias e isso se repete globalmente … precisamos mudar isso.” Ela também apontou como “economias quebradas estão enchendo os bolsos de bilionários e grandes empresas às expensas de homens e mulheres comuns”.

 

INADIÁVEL

 

De acordo com a Oxfam, é inadiável a adoção de medidas para acabar com a riqueza extrema para erradicar a pobreza extrema, o que pressupõe tributação progressiva da riqueza e rendas elevadas e combate à sonegação fiscal.

O relatório da Oxfam também denuncia o subfinanciamento aos serviços públicos e infraestruturas essenciais para reduzir o peso do trabalho de cuidado sobre mulheres e meninas, e pede mais investimento em saneamento básico, eletricidade, creches e saúde.

Recomenda também a ratificação das convenções da OIT que protegem o trabalho doméstico e adoção de legislações que avancem para erradicar a diferença de salário de gênero.

Ainda como registrou Behar, “não é de admirar que as pessoas estejam começando a questionar se os bilionários deveriam existir”.