“Depois, quando surgiu o novo dia,
a mesma intrepidez e a mesma valentia,
trinta e três vozes no Distrito,
vozes no norte, no sul,
vozes que o povo escolheu
pra o povo representar,
anunciavam ao céu,
anunciavam ao mar
que o partido do povo ainda
existia,
que o partido do povo não morria
porque o povo não morre e eles
eram o povo.
Sempre se refazendo.
Sempre novo.
Sempre no mesmo rumo.
Sempre novo.”
(Mário Lago)
Eram, na prática, legendas regionais, sem expressão nacional. Embora combativas, tinham poucas condições de resistir à repressão – do Estado, da imprensa, das elites, de todo lugar. Não raro, estavam à margem do movimento comunista internacional, que ganhava impulso, mundo afora, com a Revolução Russa, de 1917, e a criação da Internacional Comunista, a 3ª Internacional, em 1919.
Mas, num golpe de audácia, os nove que se reuniram há cem anos, representando cerca de 50 membros de grupos comunistas pelo País afora, deram início à epopeia de um partido diferente de todos que já haviam existido – e que viriam a existir – no Brasil. Batizaram-no, a princípio, de Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC).
O congresso prosseguiu, nos dias 26 e 27 de março de 1922, no Rio de Janeiro. Em seu término, os nove fundadores deixaram-se fotografar e ainda cantaram A Internacional, o hino universal dos comunistas.

O ano da fundação da legenda – que logo seria rebatizada como Partido Comunista do Brasil, com a sigla PCB – foi fecundo de realizações extraordinárias. A Semana de Arte Moderna, promovida um mês antes, no Theatro Municipal de São Paulo, injetou brasilidade, frescor e atrevimento nas artes nacionais, inaugurando, simbolicamente, o modernismo no País.
A tomada do Forte de Copacabana, em 5 de julho, por 18 brasileiros contrários à República Velha – sendo 17 militares de baixa patente e um civil – foi o estopim do movimento tenentista. Embora tenha sido debelada em um dia, a Revolta dos “18 do Forte” evidenciava as tensões sociais. O presidente Epitácio Pessoa, em fim de mandato, não apenas proibiu toda e qualquer atividade do Partido Comunista – mas também decretou o “estado de sítio”, que se estendeu no governo subsequente de Artur Bernardes.
Posto na ilegalidade, o que por quanto tempo o partido sobreviveria? Até quando seria relevante para o País? Conseguiria efetivamente mudar os rumos dos fatos? Seria capaz de ajudar a causa dos trabalhadores, da democracia e do socialismo?
Sim, o partido que os nove revolucionários fundaram um século atrás desafiou a regra. Intrépido, resistiu, sobreviveu e persistiu – não sem adversidades. A célebre exortação de Marx e Engels – “Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução comunista” – resume o prolongado temor que a burguesia brasileira alimentou com a existência de um partido marxista-leninista organizado e ativo. Assim, por cerca de 60 anos, o Partido teve de atuar de forma clandestina. Lideranças e dirigentes foram presos, torturados e assassinados.
Astrojildo Pereira (1890-1965) personifica os primeiros anos do PC do Brasil. De origem anarquista, tornou-se, com o tempo, uma referência do marxismo-leninismo. Secretário-geral do Partido na década de 1920, ajudou a consolidar a luta dos comunistas com grandes contribuições teóricas e práticas.
Luís Carlos Prestes (1898-1990), o “Cavaleiro da Esperança”, líder da Coluna Invicta, lidera o Partido Comunista a partir dos anos 1930. Mesmo preso de 1936 a 1945, alcança grande popularidade, a ponto de ser o segundo senador mais votado do País pouco depois de sua libertação.

É João Amazonas (1912-2002) que protagoniza a saga do Partido por cerca de 40 anos. Em fevereiro de 1962, quando os comunistas foram obrigados a se reorganizar para manter a essência revolucionária, Amazonas está à frente do grupo. Foi nessa Conferência Extraordinária que a sigla PCdoB começou a ser formalmente usada.
Essa geração – que inclui Pedro Pomar, Maurício Grabois e outros revolucionários – combate a ditadura militar (1964-1985) e promove a épica Guerrilha do Araguaia (1967-1974). A luta pela anistia e pela redemocratização conta com o firme engajamento dos comunistas, com destaque para a campanha das Diretas Já (1983-1984).
Em 1985, com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e o fim do regime autoritário, o PCdoB conquistou a legalidade, mantida até os dias atuais, a despeito do recente avanço do anticomunismo e de retrocessos como a cláusula de barreira. Sob esse período democrático – o maior na história do Brasil –, o Partido é reconhecido também pelo desempenho de seus parlamentares no Congresso Nacional. A exemplo do que já haviam logrado nos debates da Constituição de 1946, os comunistas sobressaem na Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986, que culmina na “Constituição Cidadã” de 1988.
O partido, presente nas lutas sociais e na luta de ideias, ganha envergadura político-institucional. Elege não apenas parlamentares – mas também prefeitos e um governador. Apoia as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva desde o lançamento, em 1989, da Frente Brasil Popular, da qual João Amazonas é um dos principais idealizadores.

Nos governos Lula, o PCdoB assume, pela primeira vez, ministérios, secretarias nacionais, agências reguladoras e outras estatais. No comando do Ministério do Esporte, os comunistas viabilizam a realização no Brasil dos Jogos Pan-Americanos (2007), da Copa do Mundo (2014) e da Olimpíada (2016). Em 2018, é lançada a inédita candidatura de uma mulher comunista, Manuela d’Ávila, a vice-presidenta da República, na chapa com Fernando Haddad (PT). Todos esses grandes saltos se dão quando o Partido é presidido por Renato Rabelo (2001-2015) e Luciana Santos (desde 2015).
Hoje (25/3), o PCdoB alcança seu centenário – uma marca rara no mundo e absolutamente inédita no País. Datam do século 19, por exemplo, as duas legendas hegemônicas dos Estados Unidos – o Partido Democrata (1828) e o Partido Republicano (1854). No Reino Unido, o Partido Conservador foi fundado em 1834, e o Partido Trabalhista, em 1900. Mas, no Brasil, não há partido mais antigo.
Assim como o PCdoB, outros partidos comunistas foram fundados depois – e sob influência direta – da Revolução Bolchevique. O PCP, de Portugal, e o PCCh, da China, são de 1921. Na América do Sul, há PCs ainda mais longevos, como os da Argentina (1918) e do Uruguai (1920). O PCdoB é, portanto, parte de uma tradição internacionalista.
Acima de tudo, o PCdoB se revelou um partido indispensável. Num país em que 61% dos brasileiros desconfiam dos partidos políticos, conforme pesquisa Datafolha feita em setembro de 2021, até mesmo adversários admitem a importância histórica e o legado do PCdoB, ao longo de seus “cem anos de amor e coragem pelo Brasil”.
Não faltaram bandeiras históricas aos comunistas nestes cem anos: a emancipação dos trabalhadores e o sindicalismo classista; a redução da jornada de trabalho; a reforma agrária; a campanha O Petróleo É Nosso; a industrialização do País e o desenvolvimento nacional; a resistência ao fascismo e às forças reacionárias; o internacionalismo proletário e a solidariedade entre as nações; a luta anti-imperialista e a paz mundial; a defesa da democracia; as políticas públicas universais, como o SUS (Sistema Único de Saúde); a luta contra a privatização do patrimônio público e o neoliberalismo; a causa socialista.
O PCdoB tem um Programa Socialista, aprovado em seu 12º Congresso. Seu ponto de partida é o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Em 2022, fruto de debates concentrados no processo do 15º Congresso, o Partido lançou o documento “Diretrizes para uma plataforma emergencial de reconstrução nacional”.
A mãe de todas as batalhas atuais dos comunistas – e também dos democratas – é a derrota de Jair Bolsonaro. Somente o fim de seu governo de destruição pode recolocar o Brasil na rota do crescimento econômico e do desenvolvimento, com reindustrialização do País, valorização do trabalho e distribuição de renda.

Segundo Luciana Santos, sua presidenta nacional, o Partido Comunista do Brasil chega jovem e contemporâneo ao centenário “porque soube renovar seu pensamento político, tático e estratégico, em meio ao fluxo do movimento, das mudanças, da realidade mundial e brasileira. Consoante à sua base teórica, o marxismo-leninismo, o Partido soube aprender com os erros, enriquecer-se com as lições da história e dar respostas aos novos dilemas e desafios que emergem sem cessar da dinâmica das lutas de classes”.
Nestes dias 25 e 26 de março, em Niterói, comunistas de todo o Brasil celebram o centenário do PCdoB no Festival Vermelho – Floresce a Esperança. Ao lado da reunião ampliada e especial do Comitê Central, na cidade-berço do Partido, o festival mostrará que o sonho revolucionário dos nove fundadores do PCdoB se multiplicou exponencialmente para centenas de milhares de dirigentes, militantes, filiados e simpatizantes. Viva o PCdoB, viva o socialismo, viva o Brasil!
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*Editorial Portal Vermelho em homenagem aos 100 anos do PCdoB