Sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia
1- A nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia, decretada pelo presidente Evo Morales em 1º de maio último, foi uma decisão soberana e corajosa. O Partido Comunista do Brasil expressa por meio da presente nota seu apoio e solidariedade ao povo e ao governo do país irmão. Ao mesmo tempo, o Partido Comunista do Brasil apóia e valoriza a posição firme e de princípios do governo Lula, baseado inclusive nos preceitos constitucionais do país, que consagram o direito à autodeterminação e à soberania dos povos. Em nota emitida no dia seguinte à nacionalização, em 02 de maio, ressaltou-se que a medida tomada pelo governo boliviano foi, antes de tudo, um “ato inerente à sua soberania” do país.
2- A soberania sobre as riquezas nacionais é aspecto constitutivo do conceito de independência nacional. Trata-se de um principio universal: cada povo tem o mais absoluto direito e legitimidade de decidir, soberanamente, sobre as riquezas existentes em seu território. Essa riqueza material deve ser posta a serviço do desenvolvimento econômico, social e cultural do povo que sobre ela possui direitos soberanos. Historicamente, esse não tem sido o caso da Bolívia. Duas de suas principais riquezas, a prata e depois o estanho, foram extraídas de seu território, muitas vezes através de saque aberto, como no período colonial, sem reverter em melhorias para a maioria do povo: a Bolívia é hoje o país mais pobre da América do Sul. No caso dos hidrocarbonetos, estes foram gradualmente entregues a companhias estrangeiras durante as décadas 80 e 90, quando o país foi laboratório da aplicação de políticas de corte ultraneoliberal.
3- A crescente convicção coletiva do povo boliviano contra esse estado de coisas, se materializou numa longa jornada de lutas para retomar sua soberania sobre os hidrocarbonetos, cujo histórico mais recente resultou na deposição de Sanchez de Lozada, mais conhecido pela alcunha de el gringo, em outubro de 2003; no maciço apoio popular à nacionalização no referendo em julho de 2004; na nova deposição, desta vez de Carlos Mesa, em junho de 2005; e finalmente, na eleição de Evo Morales, em dezembro de 2005. Desse modo, a decisão atual de decretar a nacionalização dos hidrocarbonetos corresponde a uma conquista do povo boliviano após extensa jornada de lutas e representa a concretização do compromisso central da campanha que levou à vitória Evo Morales. Com a decisão, o governo boliviano busca reorganizar a YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), esquartejada e privatizada nos governos neoliberais.
4- É preciso intensificar a solidariedade dos governos progressistas da América Latina à Bolívia e a seu povo. Exemplo destacado disto é a cooperação solidária, através do envio de médicos e professores por parte de Cuba e da Venezuela, no âmbito da Alba (Alternativa Bolivariana das Américas). Cabe destacar também o apoio do Brasil, que busca meios de incrementar a cooperação com o governo boliviano – e que em 2004 já havia incondicionalmente perdoado a divida externa daquele país.
5- A posição do governo Lula atende aos interesses nacionais mais elevados. Afinal, no atual quadro de forças no mundo, de hegemonia das idéias neoliberais e de ampla ofensiva imperialista contra os povos a par da falência das políticas neoliberais no continente, é pressuposto constitutivo do interesse nacional brasileiro e do Projeto Nacional de Desenvolvimento a busca da coesão e da integração da América do Sul em suas múltiplas dimensões; a conformação de um pólo sul-americano independente, coeso e prospero, que busque afirmar a união dos países do continente em contraposição ao domínio unipolar do mundo. A integração da América do Sul, a partir do fortalecimento do Mercosul e da plena constituição da Comunidade Sul-americana das Nações é aspecto central do interesse nacional brasileiro.
6- Os interesses da Petrobrás sempre corresponderam aos interesses maiores da nação brasileira. A empresa tem longa história de serviços prestados à nação, cujo último registro foi o recente anúncio de auto-suficiência do país na produção de petróleo. A Petrobrás é uma empresa estatal, sólida, com elevado grau de rentabilidade. Sua saúde econômica e financeira não será comprometida pela nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia. Empresa bem sucedida e que conta com a segura retaguarda do Estado nacional brasileiro, terá capacidade de negociar, a fim de evitar perdas, com a congênere boliviana YPFB, e também com o propósito de assegurar o normal abastecimento de gás ao Brasil, como rezam os contratos anteriormente firmados. Ao apoiar as posições do governo brasileiro, nosso povo tem em alta conta as memoráveis lutas da campanha “O Petróleo é nosso” – que resultaram, em 1953, na nacionalização de nossas riquezas do subsolo, inserida desde então na Constituição federal. Também têm valor histórico as lutas mais recentes contra a quebra do monopólico estatal de petróleo, promovida pelo governo de FHC, bem como as tentativas de privatizar a empresa.
7- É um imperativo para o desenvolvimento econômico no Brasil a existência de amplas e diversificadas matrizes energéticas. Assim, é preciso registrar o esforço do atual governo para retomar o planejamento estratégico de longo prazo do setor energético do país – abolido no governo passado, responsável pelo “apagão” no país. O governo Lula lançou o Plano Decenal de Energia Elétrica 2006 – 2015 e o Plano Nacional de Energia 2030, assim como, está promovendo o fortalecimento da Petrobrás e da Eletrobrás.
8- Registre-se que o governo Fernando Henrique foi o responsável pela dependência do Brasil em relação ao gás boliviano. Nesse governo foram tomadas as decisões de construção do Gasoduto Brasil-Bolívia e realizado o grosso dos investimentos da Petrobrás na Bolívia – dos 1 bilhão de dólares de investimentos da Petrobrás na Bolívia, entre 1996 e 2005, apenas US$ 90 milhões foram feitos pelo atual governo. Foi o governo passado também que estimulou a reconversão de uma expressiva parcela do setor industrial paulista à matriz energética gasífera – gerando a atual dependência estrutural. Diferentemente, o governo Lula está realizando esforços pela diversificação da matriz energética do país e como parte disto e da integração continental o atual governo assumiu compromissos relacionados com a construção do gasoduto sul-americano.
9- A nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia, foi a gota d’água para determinados setores políticos, econômicos e sociais deflagrarem, de forma estridente e com amplo apoio da mídia, uma campanha em aberta oposição à opção levada a cabo pelo governo Lula de priorizar, no âmbito de sua política externa, a coesão e a integração política, comercial, econômica e física da América do Sul. Essencialmente, essa campanha, de forte conteúdo ideológico neoliberal e abertamente pró-imperialista, propõe um esfriamento nas relações com os paises vizinhos e sua reorientação, no sentido de regredir ao modelo de política externa derrotado em 2002, que preconizava uma atitude passiva e subordinada nas relações com os países ricos, na aceitação da ALCA, profundamente assimétrica e neo-colonialista, enfim, na adesão completa às teses hegemônicas neoliberais.
10- A oposição de direita neoliberal, ao colocar a questão nos termos em que vem apresentando, explicita-se, sem mediações, como porta-voz direta dos interesses do imperialismo norte-americano no país. Ao instar o governo brasileiro a usar “o porrete”, e romper relações diplomáticas com La Paz, essa direita neoliberal revela sua face irresponsável, provocadora e agressiva. A base de sua propaganda ideológica é a busca por cindir as forças progressistas da América Latina, provocando intrigas de todo tipo, retirando de seu baú empoeirado teses sobre o suposto surgimento de um “neopopulismo” e repetindo à exaustão teses sobre a existência de “duas esquerdas” na região: uma “responsável”, que “respeita os contratos” e outra populista, estatista. Aproveita-se do fato, real, da heterogeneidade das forças progressistas e das distintas realidades nacionais para desconsiderar o fato mais relevante dessas novas forças políticas à frente dos governos nacionais, ou o sentido geral comum desses governos, de privilegiar a integração regional, suspender as privatizações e buscar livrar-se da tutela do FMI, de priorizar políticas sociais e de adotar medidas que democratizem o Estado, o que, enfim, contrapõe-se em maior ou menor grau às idéias neoliberais.
11- O PCdoB reitera seu apoio à política externa do governo Lula, cuja marca é a defesa dos genuínos interesses nacionais e da integração desenvolvimentista e solidária da América do Sul; repudia o servilismo da direita neoliberal e seus meio de comunicação que propõem retrocessos e conclama o povo brasileiro, através de suas organizações e movimentos a se mobilizarem na solidariedade ao povo boliviano e no apoio a política externa do governo Lula. As relações entre Brasil e Bolívia – país com o qual compartilhamos a maior extensão de fronteira – não se desenvolverão, na base do conflito, mas da cooperação e negociação. A fase da bajulação aos ricos e arrogância com os países pobres, marca do governo anterior, já pertence ao passado.
São Paulo, 13 de maio de 2006
O Comitê Central do PCdoB