Resolução do Comitê Central sobre o petróleo no Brasil
A questão da energia em geral, e petróleo em particular, é um dos mais relevantes e estratégicos temas para a humanidade. A disputa pelo conhecimento científico e tecnológico e pelo controle das fontes, da produção e distribuição da energia produzida tem levado a vários conflitos, inclusive guerras imperialistas. É um assunto crucial para a soberania e o desenvolvimento de qualquer Estado-Nação.
Mudanças na matriz energética
Há um grande debate e crescentes esforços no mundo hoje no sentido de alterar a matriz energética em escala planetária. Para combater o aquecimento global, a poluição e a degradação ambiental há uma necessidade de substituição dos combustíveis de origem fóssil (principalmente o carvão e derivados de petróleo) por combustíveis menos poluentes, ou não poluentes, e renováveis.
O ritmo e a intensidade do desenvolvimento científico e tecnológico na produção de energia serão decisivos para a mudança da matriz energética, com a participação crescente de fontes energéticas alternativas, como a hidráulica e a nuclear, e outras como a eólica, a solar, a biomassa (etanol, biodiesel, etc.), e a provinda do hidrogênio e das marés. É importante ressaltar que o Brasil é pioneiro em algumas dessas novas fontes, sendo sua matriz energética atual das mais limpas do mundo, com grande participação de fontes renováveis.
O petróleo no Brasil e no mundo
Segundo um Ministro do Petróleo da Arábia Saudita: “a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra”. No caso do petróleo e do gás, é possível que nas próximas décadas a transição da matriz energética brasileira e mundial se desenvolva ao mesmo tempo em que continuem a ser descobertas novas reservas de petróleo e gás, como recentemente no pré-sal brasileiro. Ou seja, não há nenhuma certeza que estejamos destinados a ver o petróleo acabar. O mais provável é que haja uma diminuição substantiva do percentual de petróleo e gás na matriz mundial, mas que ele continue sendo uma fonte energética importante, sobretudo usado não como combustível, mas para outros fins. Em outras palavras, a longo prazo, provavelmente o que pode acabar antes do petróleo é a sua utilização como combustível.
O Brasil possui um imenso potencial energético composto por matriz diversificada, potencial este agora reforçado com as descobertas estratégicas na camada do pré-sal. Esta é uma particularidade brasileira que nos distingue em relação a outros países. O pleno aproveitamento deste potencial poderá colocar o país em destaque, permitindo-se estabelecer bases concretas para um novo ciclo de desenvolvimento, para que o país possa se tornar uma potência energética, sendo esta uma das principais condições para o sucesso de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, proposta em discussão no 12º. Congresso do PCdoB. Daí porque, enquanto brasileiros, interessa-nos avançar na descoberta, inovação e difusão de novas tecnologias e fontes de energia, a exemplo do que fizemos e fazemos com o etanol, e também na produção e exploração de petróleo e gás.
Durante o Governo Lula, em abril de 2006, o Brasil alcançou auto-suficiência na relação entre produção e consumo nacional de petróleo. Isso significa que com as novas descobertas das reservas da camada do pré-sal podemos vir a ser em breve um importante país produtor de petróleo e gás, e de seus derivados. Temos que exportar prioritariamente produtos oriundos do petróleo com valor agregado, e não o óleo cru precisamos desenvolver uma ampla indústria de equipamentos e serviços de conteúdo nacional. De nada adiantará, para o povo brasileiro, ter uma riqueza natural inexplorada embaixo da terra. Defender o interesse nacional e popular neste caso é criar condições para usufruir desta riqueza, da melhor maneira possível, e no tempo adequado. Esta riqueza deve ser distribuída nacionalmente para promover o desenvolvimento e para combater as desigualdades sociais e regionais
Desenvolvimento com soberania
O PCdoB defende o desenvolvimento com soberania, uma posição que leva em conta a soberania e a independência nacional e ao mesmo tempo as necessidades de um novo projeto nacional de desenvolvimento tendo como horizonte a transição ao socialismo em nossa Pátria. É necessária uma política de Estado com visão estratégica e legislações avançadas para o setor de petróleo e gás.
Para definirmos essa posição avançada, patriótica e contemporânea sobre o tema petróleo, devemos ter uma compreensão do processo que resultou na situação atual. As primeiras fases da luta pela implantação de uma indústria nacional e estatal de petróleo e derivados foram decisivas para criarmos a situação atual e traçarmos os planos ousados que estamos construindo para o setor.
O marco regulatório que vigorou entre nós, de 1953 a 1997, marcado pelo monopólio estatal do petróleo e fruto da grande campanha nacional “O petróleo é nosso”, foi o grande responsável pelo desenvolvimento com soberania que temos nesse setor até os dias de hoje.
Os planos dos neoliberais — durante o Governo FHC — eram de alterar a Constituição e aprovar uma nova Lei do Petróleo. Esses planos privatistas contaram com a firme oposição do PCdoB. Ainda assim, foram mantidos o petróleo, e sua exploração, como monopólios constitucionais da União, só que não mais exercido através da Petrobras, como era antes. O que foi retirado da Constituição foi o exercício exclusivo do monopólio da União por uma única empresa estatal, a Petrobras. No entanto, a parte mais importante do plano não foi realizada: a privatização da Petrobras. Apesar de ter a maioria de suas ações em mãos de acionistas privados, e a maior parte em mãos de estrangeiros, a Petrobras segue com controle acionário e político estatal, e crescendo e se fortalecendo como nunca. O modelo previsto pelos neoliberais não foi implantado. A Agência Nacional do Petróleo, Gás e Bicombustíveis (ANP), criada na época para regular o setor, terminou ficando como a única agência, das criadas na época, que regulava um setor onde não houve privatização da empresa estatal, pois a Petrobras não foi privatizada.
A partir de 2003 o Governo Lula começou a reverter esse processo. A manutenção da Petrobras com controle estatal e a nova política do governo federal via Ministério das Minas e Energia, Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e ANP, mesmo com a atual Lei, conseguiu desenvolver o setor e ao mesmo tempo fortalecer a Petrobras, que ainda responde por 97,9% do petróleo produzido no Brasil, segundo dados de 2008. A participação do setor no PIB brasileiro cresceu de 2,7% em 1997 para 10,3% em 2005. Também foi nesse período que conseguimos a auto-suficiência. A produção de petróleo aumentou de 1,27 milhões de barris/dia em 2000 para mais de 2 milhões/dia, nesse início de 2009. Os royalties e participações especiais da União, que são repartidos com Estados e Municípios, totalizavam 190 milhões de reais em 1997 e em 2008 já eram 22,6 bilhões, quase 13.000 % de crescimento, naturalmente devido ao aumento da produção e do preço do barril do óleo.
No entanto, fosse outro governo federal, poderia ter sido bem diferente, pois o Governo Lula, logo que foram descobertas as grandes jazidas do pré-sal, tomou medidas para guarnecer os interesses nacionais. Entendeu que uma nova realidade havia surgido: agora já não estávamos frente a áreas de alto risco para a exploração de petróleo, mas sim ante área de baixo risco exploratório e de elevado potencial petrolífero. Daí a necessidade de um novo marco regulatório que defina, em uma política de Estado, o melhor aproveitamento para o povo brasileiro das grandes rendas petrolíferas que a nova área propiciará.
O novo marco regulatório
Nesse novo marco regulatório é preciso partir da constatação que a atual Lei não resguarda os interesses nacionais na área do pré-sal, de baixo risco exploratório e elevado potencial. Na definição de uma nova Lei o acesso à área do pré-sal e a maior parte das rendas aí auferidas devem ficar para o Estado brasileiro. O novo modelo deve assegurar à Petrobras o papel de principal empresa da área do pré-sal, presente como operadora exclusiva em todos os blocos. Nas demais áreas, especialmente nas bacias sedimentares brasileiras, mormente nos campos terrestres maduros, há que se prestigiar o pequeno e médio empresário brasileiro interessado em exploração e produção de petróleo. Ademais, deve-se encontrar formas legais de privilegiar o capital nacional.
Aspecto importante de toda a discussão em curso relaciona-se ao objetivo de fortalecer o caráter público e estatal da Petrobras, com o aumento da participação da União em sua composição acionária. Entretanto, não podemos nos contentar com a situação atual, em que a União conta apenas com 32,2% do capital social da empresa. Na atual situação, herdada do governo de FHC, a maior parte do capital social da Petrobras é privada, e cerca de 80% desse capital está em mãos estrangeiras. É uma situação que deve ser resolvida, sem protelação, no contexto do novo marco legal para o pré-sal, usando a riqueza gerada aí para aumentar a participação estatal na Petrobras.
É necessária a criação de uma empresa 100% estatal para a gestão das áreas de grande potencial, inclusive o pré-sal, garantindo recursos para o Estado brasileiro. A criação desta nova empresa só se justifica pelo fato da Petrobras não ser 100% pública, e a maior parte de seu capital acionário ser privado, em boa parte estrangeiro, razão pela qual continua sendo necessário lutar pela retomada de seu capital acionário. A nova empresa pública não deve ser operadora, e deve ter sólida base legal, para se evitar sua fragilização ou privatização por eventuais governos de orientação neoliberal.
Com o pré-sal, existe a expectativa das reservas brasileiras saltarem dos atuais 12,6 bilhões de barris para mais, ou bem mais, de 70 bilhões, colocando o Brasil entre os 10 países do mundo com maior reserva. Por proposta do diretor-geral da ANP, a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de novembro de 2007, deliberou retirar das rodadas de licitações 41 blocos que tinham sido incluídos no rol da próxima rodada antes da descoberta do pré-sal. Um problema estratégico que se coloca é o da extensão da soberania do país do nosso mar territorial de 200 milhas para o limite da plataforma continental, a cerca de 350 milhas.
Também é preciso aumentar os investimentos em estudos científicos, geológicos e geofísicos, criando assim as condições para que a ANP e a Petrobras realizem esse trabalho, resguardando ao poder público as decisões finais de onde e como investir. Atualmente só estamos operando em exploração e produção de petróleo em cerca de 4 a 5% da área de nossas bacias sedimentares, e o conhecimento geológico que temos dessas bacias, registrado em mapas específicos, vai em torno de apenas 7%.
Há três tipos de contrato mais usados no mundo de exploração de petróleo: o contrato de concessão, o contrato de partilha e o contrato de serviço. No contrato de concessão o Estado recebe impostos, royalties e participações especiais, e a empresa contratada se apropria da produção. No contrato de partilha o Estado é proprietário de parte do óleo extraído e a empresa da outra parte. E no contrato de serviço o Estado se apropria de toda a produção e remunera a empresa contratada.
No novo marco regulatório deve ser definido o contrato de partilha da produção para a área do pré-sal e todas as que forem descobertas com características semelhantes. Até a entrada em vigor do novo marco regulatório não devem ocorrer leilões nos blocos da área do pré-sal e semelhantes, ou ainda em quaisquer áreas sobre as quais não se tenha conhecimento suficiente. O Brasil deve ter um sistema misto, no qual contratos de concessão existiriam somente em áreas de alto risco exploratório e de menor potencial petrolífero, e os contratos de partilha da produção seriam usados nas áreas de baixo risco e de elevado potencial. Com relação ao pagamento de royalties – dentro do contrato de partilha – ressalta-se que, além de ser um fator de distribuição de recursos para todos os Estados e Municípios brasileiros, deve haver uma compensação especial, prevista em lei, para os Estados e Municípios produtores.
Em síntese, nosso modelo deve ser o monopólio da União com mercado aberto e forte predominância da participação estatal nacional, como acontece em outros grandes países, como a Rússia e a Índia, e países socialistas como China e Cuba. Ao mesmo tempo, o novo modelo deve priorizar a integração energética da América do Sul e Latina e as parcerias Sul-Sul, a exemplo da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Coroando o novo modelo e dotando-o de um instrumento legal capaz de receber as rendas petrolíferas do Estado e encaminhá-las a objetivos sociais determinados, faz-se necessário criar um novo fundo para o desenvolvimento nacional e social, reduzindo assim as desigualdades sociais e regionais. Este fundo deve destinar seus recursos prioritariamente para a educação e produção de conhecimento científico e tecnológico, garantindo um futuro melhor para as novas gerações de brasileiras e brasileiros.
São Paulo, 28 de agosto de 2009
Comitê Central do PCdoB