POR UM RIO DESENVOLVIDO, DEMOCRÁTICO E DE PAZ

Construindo um projeto para o rio de janeiro: contribuições para o debate

Brasil, teu nome é Dandara

E tua cara é de cariri

Não veio do céu

Nem das mãos de Isabel

A liberdade é um dragão no mar de Aracati
(Samba-enredo da Mangueira, 2019)

 

  1. As eleições 2018 no Brasil marcam uma derrota estratégica da esquerda e demais forças democráticas e iniciam um novo ciclo, com a chegada de forças de caráter neofascista e neocolonial ao centro do poder político, configurando uma viragem política de grande envergadura. Considerando a centralidade da luta democrática neste contexto, o PCdoB propõe uma frente ampla de resistência para imprimir derrotas à agenda ultraliberal e antipovo. Lutaremos, ainda, para abrir perspectiva de um projeto nacional rumo ao socialismo, com a cara e a coragem do povo brasileiro.
  2. A votação de Bolsonaro no estado do Rio de Janeiro chegou a 67,95% no segundo turno, sendo eleito também o candidato a governador alinhado com suas propostas, Wilson Witzel. Com a fala de “mudar isso tudo que está aí” e discurso fácil em relação à questão da violência e segurança pública, a estratégia eleitoral deste campo logrou grande êxito junto a uma população esmagada pelo desemprego, violência e ausência de serviços públicos que garantam o mínimo de dignidade. A vitória esmagadora desta extrema direita no estado se relaciona ainda com a força que o discurso contra partidos, alimentado pela mídia e setores conservadores. Outro elemento central, que fez parte da estratégia das classes dominantes, foi a prisão política de Luiz Inácio Lula da Silva, maior liderança popular e líder das pesquisas de intenção de votos durante a maior parte do primeiro turno.
  3. O governo de Wilson Witzel (PSC) apresenta uma agenda atrasada que, sob a farsa de intensificar a “guerra às drogas”, busca implementar uma agenda repressora, institucionalizando a pena de morte, por exemplo, a partir de sua esdrúxula proposta de empregar snipers (atiradores de elite) e drones armados para abater “marginais” nas favelas. A recente promoção de um oficial da Polícia Militar com histórico de tortura a coronel revela tendência da institucionalização desta prática como método da Segurança Pública. A política de segurança demonstra também sintonia com o famigerado pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro ao Congresso Nacional. É preciso identificar os núcleos de poder que compõem o atual governo estadual, cuja eleição foi vultuosamente financiada nas redes sociais, e contou com apoio de estruturas ligadas às bancadas da bala e da bíblia: setores religiosos, milícias e extrema direita.
  4. Recentemente a Alerj rejeitou medidas propostas pelo governador, sendo a mais grave delas o projeto de congelamento do piso salarial regional de 170 categorias profissionais até 2020. Além de ser considerado inconstitucional pela maioria dos deputados, esse projeto é indicador da natureza antipopular e nociva ao trabalhador do governo Witzel. Tal perspectiva é reforçada pelo apoio do governador à proposta de Reforma da Previdência de Bolsonaro. Revela-se, nessas posições, um governante que trata os pobres das favelas como criminosos a priori, que devem ser abatidos, como há indícios nas 13 mortes do morro do Fallet-fogueteiro. Dessa forma, sinaliza que ataques às trabalhadoras e aos trabalhadores, especialmente negras e negros, serão uma marca de seu governo.
  5. Diante deste quadro, o PCdoB, defensor de uma frente ampla para lutar em defesa dos direitos do povo e pela democracia e soberania, incluindo partidos, setores produtivos, movimentos sociais, intelectuais, artistas e setores diversos da sociedade civil, propõe-se a desenvolver um debate sobre um projeto próprio para o Rio de Janeiro, articulado necessariamente com um projeto de nação.

 

POR UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

  1. Quando se fala do Rio de Janeiro, pensa-se em Brasil, como se não houvesse especificidades no desenvolvimento do estado. Tal maneira de encarar o debate, entre outros fatores, parte de uma tradição da cultura política da cidade do Rio, que deixou de ser capital federal na década de 1960. Soma-se a isso um esvaziamento do poder das unidades da federação fruto da centralização instituída no período da Ditadura Militar, bem como a redução do poder econômico dos estados como resultado do processo de privatização dos bancos e empresas públicas estaduais, promovido pela política neoliberal que vigorou nos governos FHC.
  2. Assim, é fundamental estudar o Rio de Janeiro, conhecer profundamente a realidade do estado: econômica, social, cultural, suas lutas populares, formação social e suas relações de classes.
  3. O quadro de crise atual sofre influências óbvias da conjuntura recente, como a recessão em âmbito nacional, o impacto econômico da Lava-Jato sobre o setor petrolífero, da construção civil, engenharia nacional e indústria naval, a queda significativa dos preços do petróleo, entre outros. Entretanto, economistas que se dedicam ao estudo do RJ afirmam que há um problema grave de queda da receita pública e negam o mito de que a origem dos problemas estaria nas isenções fiscais, por exemplo. Ainda, há dados históricos importantes que apontam a necessidade de uma reflexão e um projeto próprios para o Rio de Janeiro: entre 1970 e 2016, o PIB do estado foi o que menos evoluiu em todo o país; o Rio de Janeiro também foi o lanterna em termos de aumento do emprego formal desde 1985 (em 2017, por exemplo, de cada 10 vagas com carteiras assinadas encerradas no Brasil, 8 foram no estado do RJ). O estado passou de segunda unidade da federação com mais empregos na indústria de transformação em 1985 para sexto em 2017, denotando um acelerado processo de desindustrialização. Os dados da queda da qualidade de vida são alarmantes: em 2013 havia cerca de 5 mil moradores de rua na capital, em 2018 esse número subiu para 14 mil. Os indicadores sociais e econômicos apontam, ainda, que entre as periferias metropolitanas das regiões Sul e Sudeste, a do Rio de Janeiro é a que oferece os piores resultados, com impacto direto na educação, violência, saneamento básico, qualidade de vida, etc. Tal constatação aponta para o desafio de se reduzir as desigualdades entre os próprios municípios da Região Metropolitana, altamente contrastante quando se compara a capital e Niterói com São Gonçalo e a Baixada Fluminense. Ou seja, há uma crise específica do Rio de Janeiro e é necessário pensar soluções no âmbito estadual, articuladas com as propostas para um projeto de país.
  4. Os problemas são complexos e têm raízes históricas. A saída é política. O centro do debate é a questão do poder: é preciso uma nova correlação de forças, construir uma nova maioria, que aponte no sentido do desenvolvimento econômico e social do estado, a começar pela prioridade do tema da reindustrialização, com geração de emprego e renda.

 

A CALAMIDADE DA SEGURANÇA PÚBLICA

  1. Nosso estado está mergulhado em uma situação de calamidade: 15 municípios da Região Metropolitana carioca estão entre os 25 com maiores taxas de homicídio. As quatro piores taxas do país estão nas cidades de Queimados (71,7 homicídios por 100 mil habitantes), Seropédica (56,7), Japeri (56,1) e Nova Iguaçu (54,7). Destaque-se que o índice de homicídios na Baixada Fluminense (60) é quase o dobro da capital (32), onde o que chama a atenção é a discrepância entre as regiões: em 2016 a taxa da região administrativa de Botafogo foi de 4,6 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto na Pavuna o índice foi de 91,7!
  2. O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos, sendo 40% deles em condição de presos provisórios: isso quer dizer que cerca de 280 mil brasileiros e brasileiras estão presos sem culpa formada. A política de encarceramento em massa abarrota os presídios, que se constituem em verdadeiras universidades do crime, servido ao fortalecimento das facções criminosas – as quais dominam o sistema penitenciário.
  3. Cabe destacar que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Essa é uma expressão do racismo estrutural que vigora no país, o qual conta com um forte componente de classe. Esta realidade tem especial impacto no Rio de Janeiro, estado com mais de 50% de população preta ou parda, que foi capital do Império, porto de chegada de navios negreiros, no Cais do Valongo. Assim, é urgente acabar com a fracassada política de “guerra às drogas” e enfrentar a concepção de um Estado violento, desigual e racista promovida por Bolsonaro e Witzel.
  4. Outra informação importante é que o Rio de Janeiro é a unidade federativa em que a polícia mais mata e mais morre no país. Importante ressaltar que a alardeada e controversa Intervenção Federal não resolveu ou sequer melhorou a situação, pelo contrário, em 2018, ano da intervenção federal-militar, verificou-se um aumento de 36,3% do número de mortes em ações policiais.
  5. Embora seja consenso que os altos níveis de desigualdade de renda, pobreza e segregação territorial estejam relacionados à violência urbana, há que se acrescentar outros elementos para explicar a situação do Rio de Janeiro: a corrupção institucionalizada em forças policiais do estado, a ação ostensiva das milícias e a concepção herdada da Lei de Segurança Nacional que elege os oprimidos como inimigos, contribuem para uma desconfiança permanente da população em relação às forças de segurança e mesmo para o aumento do poderio bélico do crime organizado. Parcelas da polícia e a milícia são hoje vetores diretos de propagação da violência. Assim, é necessário uma agenda específica para a segurança pública, que parta de políticas públicas preventivas, incluindo investimento maciços em educação e cultura, mas abordando também os aspectos de combate ao crime, planejamento, investigação e inteligência.
  6. Além das questões gravíssimas do desemprego e da violência, há outras chagas vividas pelo povo do Rio de Janeiro e que precisam ser enfrentadas. A situação da saúde pública no estado é caótica, os hospitais públicos federais, estaduais e municipais estão sucateados; o sistema de gestão por Organizações Sociais (OS) faliu, o que reforça a bandeira de fortalecimento do SUS. Política pública fundamental para superar o atual estado de coisas, a educação pública também está sob ataque: assistimos à queda progressiva de qualidade no ensino privado e sucateamento crescente das escolas públicas. Para piorar a situação, acompanhando a deplorável Emenda Constitucional do Fim do Mundo (EC 95), que congelou os orçamentos da educação e saúde em âmbito federal, também na ALERJ foi aprovado o congelamento da verba da educação. Como resultado, entramos o ano de 2019 com um déficit de 20 mil vagas nas escolas estaduais (Ensino Médio), alarmando a população. Além das questões primordiais da educação e saúde, a qualidade de vida da população exige, ainda, a solução aos graves problemas de moradia, transporte, saneamento e regularização fundiária. Ou seja, está na ordem do dia a luta pela Reforma Urbana, urbanização das favelas e das periferias.
  7. A construção de um projeto para o estado do Rio de Janeiro e para o Brasil que enfrente esses gargalos históricos e promova desenvolvimento econômico e social exige novos governos, compromissados com a democracia, a soberania nacional e os direitos do povo, tanto em nível nacional quanto estadual. A luta pela implementação dessas mudanças parte da construção de uma frente ampla, em construção unitária com setores democráticos da sociedade, e esse desafio demanda um partido forte, coeso e influente nos parlamentos, nos movimentos sociais, nas lutas das mulheres, dos trabalhadores e da juventude. E, também, protagonizando o debate de ideias na sociedade, com condições de cumprir seu papel aglutinador das forças democráticas.

 

PROPOSTA DE AGENDA:

  1. I) Fortalecer o papel de indutor do desenvolvimento do Estado, comprometendo instituições públicas com a consecução de políticas de desenvolvimento econômico e social, a exemplo da FAPERJ, das universidades, dos institutos públicos e congêneres;
  2. II) Fortalecer e apoiar núcleos de reflexão e construção de projetos para o Brasil e para o estado do Rio de Janeiro, como o recentemente relançado Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP), o Instituto de Estudos Sobre o Rio de Janeiro (IERJ), a rede PRÓ-RIO, núcleos de pesquisa e outras instituições da sociedade civil;

III) Desenvolver complexos produtivos para gerar receitas, emprego e renda dentro do estado, a exemplo do petróleo e gás (COMPERJ, setor naval); esporte e cultura (associados ao turismo); química fina, entre outros;

  1. IV) Instituir um plano de investimentos maciços na Região Metropolitana, estimulando as parcerias entre as três esferas públicas, federal, estadual e municipal (as chamadas PPPs públicas): é urgente um investimento vultoso em infraestrutura, que resolva e democratize o acesso à água e ao saneamento básico, bem como acesso a telecomunicações, transporte, energia elétrica, logística de acesso, etc. A parceria com bancos públicos, como o BNDES, é fundamental;
  2. V) Construir uma agenda de desenvolvimento integrada, que considere as potencialidades de CADA região do estado;
  3. VI) Realizar uma reforma, para garantir uma carga tributária progressiva, a exemplo das políticas que vem sendo implementadas no estado do Maranhão;

VII) Lutar por um novo pacto federativo, que fortaleça a capacidade dos estados e municípios como agentes de desenvolvimento econômico e social. De imediato, é imperioso refazer o acordo do Plano de Recuperação Fiscal, levando em conta os interesses do estado. O atual pacto só atende aos interesses federais, expressando mais um alinhamento político do que uma solução concreta para a crise fiscal do Rio de Janeiro.

VIII) Pensar a CEDAE como fator de desenvolvimento econômico e social do estado; investir na universalização dos serviços, transparência da gestão e planejamento. NÃO à privatização da CEDAE!

  1. IX) Investir em planejamento estratégico da Segurança Pública e articulação entre as forças policiais do estado;
  2. X) Dar condições estruturais de investigação e inteligência para o combate ao crime, com foco em seguir o rastro do dinheiro: quem realmente lucra com o tráfico não está nos morros, é preciso desbaratar as organizações criminosas a partir dos mandantes.
  3. XI) Fortalecer as corregedorias com o objetivo de combater as milícias e a corrupção nas forças policiais;

XII) Investir em políticas de prevenção à violência, a começar pela descriminalização das drogas. A política de guerra às drogas demonstra-se fracassada e promove encarceramento em massa, fortalecendo, na prática, o crime organizado no lugar de combatê-lo.

XIII) Construir a Frente Ampla no Rio de Janeiro, compreendendo a luta institucional de forma ampla, reunindo todas as forças partidárias em oposição a Witzel/Bolsonaro, entendendo o caráter democrático e patriótico desta frente como exigência da luta de classes;

 

XIV) Construir a Unidade Popular, tomando como ponto de partida a unidade de ação entre a Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, Fórum das Centrais e o conjunto dos movimentos sociais e culturais, em torno de plataformas comuns, iniciando pelas importantes lutas contra a Reforma da Previdência (a mãe de todas as batalhas), em defesa do Estado Democrático de Direito e #LulaLivre;

 

  1. XV) Preparar o PCdoB para um novo ciclo político, com amplitude e sagacidade: construir o partido em conjunto com a resistência, a fim de colocar o PCdoB à altura dos desafios que o novo ciclo político nos exige, traçando novas linhas de acumulação, novos caminhos, a partir da atualização da tática; e fortalecer as direções partidárias, promovendo a atuação das diferentes frentes em sincronia e com foco no planejado coletivamente;

 

XVI) Trabalhar com a priorização de 16 municípios RIO DE JANEIRO, DUQUE DE CAXIAS, NOVA IGUAÇU, BELFORD ROXO, MESQUITA, SÃO GONÇALO, NITERÓI, MARICÁ, VOLTA REDONDA, BARRA MANSA, RESENDE, CAMPOS DOS GOYTACAZES, MACAÉ, PETRÓPOLIS, ANGRA DOS REIS e CABO FRIO considerando o nível de estruturação partidária, a organicidade, o protagonismo político, nos movimentos sociais, na luta eleitoral e institucional e na luta de ideias e o potencial para acumulação estratégica de forças do partido, junto aos trabalhadores, à juventude, às mulheres e à intelectualidade;

 

XVII) Constituir um GTE estadual, para acompanhar e contribuir com a construção do projeto eleitoral 2020, sobretudo nos maiores municípios e naqueles em que temos vereadores.

 

  1. É possível concretizar todos esses avanços, apoiando-se na riqueza criativa e cultural do povo fluminense e sua disposição de luta, que nos dará a força da resistência para barrar essa ofensiva contra os trabalhadores e a nação. Disposição de luta manifestada pelas mulheres, pela juventude, pelos movimentos sociais. E nos anima ver também revelada em sambas-enredos, que denunciam a crise social sentida na pele, na resistência dos blocos carnavalescos, e em todas as resistências cotidianas que vão acumulando forças para derrotar as forças conservadoras e descortinar novos horizontes.
  2. Reforçamos a conclamação nacional: “O Partido Comunista do Brasil, legenda quase centenária, desde a República Velha em conjunto com as demais forças progressistas do país, lutou contra todos os governos e regimes autoritários e tiranos que infestaram a história da República. Com base nessa experiência, transmite ao povo brasileiro a certeza e a confiança de que, apesar das graves ameaças que pairam sobre o país, não será fácil a Bolsonaro realizar a obsessão de sepultar a democracia brasileira. Ela deitou raízes profundas no solo pátrio, custou à nação muitas lutas e vidas”. Também assim é no Rio de Janeiro, terra de lutas que fazem parte da identidade de luta de nosso povo. Resistimos!