O curso dos acontecimentos no Brasil contemporâneo é expressão de contradições estruturais situadas numa época histórica determinada. O Brasil está inserido no atual período histórico capitalista, de vasta ofensiva imperialista, dominado pelo capital financeiro transnacionalizado conduzido pela lógica neoliberal que impõe ao mundo liberdade total para os movimentos de capitais.

Em conseqüência disso, as transformações atuais ocorridas no sistema aguçam e aprofundam as contradições nos diversos planos em nosso país. No bojo da resistência que se eleva diante da ameaça de que a crise civilizacional se transforme em barbárie, renovar e reconstruir a alternativa socialista é o tema central da reafirmação da perspectiva revolucionária diante da singularidade do período histórico atual. Isto consiste em alcançar o domínio multilateral da presente realidade histórica; e em ter nitidez do patamar em que se encontra o movimento revolucionário levando em consideração o nível desigual da correlação de forças entre as tendências conservadoras dominantes e as tendências contrárias, transformadoras.

O desafio central está na ação convergente de condições para o êxito da alternativa de rumo ao padrão dominante capitalista neoliberal. Diante da desigualdade do embate, é imperativo um ingente esforço criador de acumulação estratégica de forças do lado revolucionário. Esta acumulação consiste em: atualizar a teoria revolucionária, conformando um novo projeto político, nas condições peculiares do Brasil, no atual caminhar da experiência do governo Lula; fortalecer o Partido Comunista do Brasil e demais tendências revolucionárias e progressistas, ampliando sua influência e prestígio na maioria da sociedade, sobretudo entre os trabalhadores, para que possam ser aglutinadas as tendências progressistas e renovadoras e neutralizadas forças dominantes importantes. Desse modo, pode-se alcançar a liderança de ampla aliança política democrática, patriótica e popular no rumo da transição ao socialismo.

Quadro Internacional

A evolução do quadro mundial no período transcorrido desde o 10º Congresso do Partido Comunista do Brasil (2001) revela a predominância de um duradouro ciclo conservador e contra-revolucionário e o aumento dos sinais de resistência dos povos como principal característica da presente época histórica. O início do século XXI é marcado pela mais abrangente e avassaladora ofensiva do imperialismo – em especial o norte-americano – contra os povos do mundo e as nações soberanas para manter a hegemonia unipolar dos Estados Unidos da América (EUA). Isto se choca com os interesses dos povos e países de todos os quadrantes do planeta e dá base a uma movimentação crescente em sentido contrário para a criação de diversos pólos opostos a essa hegemonia: a resistência à ocupação militar; as lutas dos trabalhadores por seus direitos; o combate dos povos por sua emancipação nacional e social; a afirmação de correntes patrióticas nos países dependentes em defesa da soberania nacional; e a formação de blocos de países em contenda por um novo ordenamento político e econômico mundial. Estas são algumas facetas e formas pelas quais se manifesta a luta antiimperialista na presente época.

No terreno da economia, os retrocessos desta época se manifestam no aprofundamento das assimetrias entre os países ricos e os dependentes, os de desenvolvimento mediano, ou pobres e subdesenvolvidos. A idéia-força do desenvolvimento independente – que não deve ser confundido com desenvolvimento autárquico – é substituída pela imposição de um padrão de acumulação capitalista, chamado sofisticamente de globalização, baseado na desenfreada espoliação de povos e nações, na superexploração das massas trabalhadoras, no corte de direitos sociais, na devastação ambiental que acarreta o risco de desastres ecológicos no planeta.

No plano político, a característica do nosso tempo é a ofensiva imperialista contra a soberania e a independência dos Estados nacionais. Em grande medida, a estratégia do imperialismo visa a impedir o fortalecimento das nações que buscam um caminho próprio de desenvolvimento. A agressão militar e a intimidação se consagram como os métodos preferenciais do imperialismo. A militarização e a guerra se colocam no centro da estratégia de dominação, tornando letra-morta o direito internacional, fragilizando a Organização das Nações Unidas (ONU) e inviabilizando a solução dos conflitos pela via diplomática. Malgrado o uso demagógico e instrumental da "democracia" como pretexto para impor a vontade imperialista, as liberdades políticas são aviltadas pela hipertrofia do estado policial, pelas leis chamadas de antiterroristas e pela crescente marginalização dos trabalhadores e das correntes políticas que os representam na vida institucional.

No plano ideológico e cultural, o mundo vive uma espécie de cruzada conservadora e obscurantista, em que os valores humanistas e progressistas são substituídos por toda sorte de manifestações de irracionalismo, individualismo, pragmatismo e cosmopolitismo sob o verniz das ideologias auto-intituladas de pós-modernas e multiculturalistas.

O início do milênio coincide com um acentuado declínio nas condições de vida dos povos. Os anunciados "Objetivos do Desenvolvimento do Milênio" – lançados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2000 com o objetivo de combater a pobreza no mundo – ficaram longe de ser atingidos. Em 46 países, as pessoas são mais pobres hoje do que há uma década e em 25 nações existem ainda mais famintos. No entanto, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apenas 50 bilhões de dólares ao ano até 2015 – fração inexpressiva diante dos fluxos de capitais que circulam diariamente no mundo – seria possível reduzir a pobreza pela metade.

1 – A ofensiva imperialista

Desde os atentados de setembro de 2001 – que os comunistas e demais forças progressistas em todo o mundo condenaram – o imperialismo norte-americano encontrou um pretexto para dar início ao que se pode qualificar como a maior e mais brutal ofensiva pela imposição do seu domínio sobre os povos e nações. Uma década e meia após o desaparecimento da União Soviética, um verdadeiro tsunami geopolítico, e, portanto, do início do exercício unilateral do hegemonismo norte-americano, os Estados Unidos exibem um poder praticamente ilimitado, com superioridade militar e tecnológica praticamente inquestionável.

Encontra-se no poder a fração mais reacionária da burguesia estadunidense.
O grupo que ocupa a Casa Branca planeja e executa a expansão de sua visão de mundo por todo o globo terrestre. A partir do fim da Guerra Fria, com o esfacelamento da União Soviética, em 1991, os Estados Unidos, na condição de única superpotência do mundo, reforçaram sua política hegemonista frente aos povos, acentuando o unilateralismo. Fizeram a guerra de Kosovo, denunciaram o Acordo de Mísseis Antibalísticos, negaram apoio ao protocolo de Kyoto. E, mais recentemente, deflagraram as guerras de agressão contra o Afeganistão e o Iraque. E passaram a trabalhar com duas estratégias: uma considerava que o risco principal que lhes ameaçava viria do que então chamaram de "países-párias", nomeadamente Iraque, Líbia, Sudão, Irã, Coréia do Norte e Cuba; a outra vislumbrava o surgimento de uma força militar expressiva capaz de desafiá-los, que seria a China e, eventualmente, a Rússia revitalizada. Essas duas visões estratégicas não eram excludentes e com elas o imperialismo norte-americano desdenhava as nações e afrontava o mundo.

A plataforma política e ideológica da atual ofensiva estadunidense foi consubstanciada no documento "Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América", divulgado em setembro de 2002. A partir de então, institucionalizou-se o que passou a ser conhecido como "Doutrina Bush", que preconiza e põe em prática a constituição de uma "novíssima" ordem mundial sob o tacão da força, da ameaça, da agressão e da intimidação contra povos e nações – que aprofunda e atualiza a "nova ordem mundial" lançada no começo dos anos 90 do século XX por Bush pai, logo após os episódios que passaram à história como a "queda do muro de Berlim", e no auge da primeira guerra de agressão ao Iraque.

a) guerra “infinita” e guerra “preventiva”

A "Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América" consagrou a idéia de "guerra global e infinita" – isto é, em todas as partes e com prazo indeterminado -, supostamente para combater o "terrorismo" através de uma "ação direta e continuada, usando todos os elementos do poder nacional e internacional". Para sua consecução, os EUA passaram a se permitir "recriminar nações", tidas, segundo seus critérios, como comprometidas com o terrorismo. Igualmente, criaram a nefasta teoria da "guerra preventiva", reservando-se a prerrogativa de lançar-mão de todo tipo de armas, criando assim um clima de insegurança e medo em todo o mundo. E mais, desafiaram todos os países a se alinharem automaticamente aos seus desígnios agressivos ou a ficarem no alvo dessas mesmas agressões. "As nações livres" – disse o tirano dos povos – "ou estão conosco ou estão contra nós".

Assim, os EUA arrogaram a si o direito de definir como inimigos os "Estados-pária", proclamando a existência de um "eixo do mal" no mundo – integrado inicialmente por Iraque, Irã, Síria, Coréia do Norte e Cuba. A estes, ao iniciar seu segundo mandato, o governo liderado por Bush agregou – através de um pronunciamento de sua secretária de Estado, Condoleezza Rice -, outros "redutos da tirania", alargando a lista, com a adição de Zimbábue, Bielorrússia, Myanmar, e assacando graves acusações contra a Venezuela – tendo em vista criar artificialmente um clima propício a incriminar este país sul-americano. A cada novo episódio conflituoso no quadro internacional, os EUA aumentam a seu talante o índex dos países-alvo. Na realidade, todos os países do mundo que ousarem ter uma atitude de independência e de soberania plena e que não seguirem o modelo norte-americano de "democracia" são alvos potenciais das ameaças, inclusive militares, de Washington, com o risco de que lhes ocorra o mesmo que ao Afeganistão e ao Iraque.

No auge da preparação da guerra contra o Iraque, o presidente estadunidense fez a exortação sobre a "guerra preventiva" a toda a nação, tendo por cenário a Academia Militar de West Point: "Nossa segurança exige um exército pronto a golpear de um momento a outro, não importa em que recanto obscuro do mundo. E nossa segurança exigirá de todos os americanos previdentes e resolutos que estejam prontos, se necessário, a realizar ações preventivas para defender nossa liberdade e nossas vidas. Devemos descobrir células terroristas em sessenta países ou mais (…) Devemos opor-nos à proliferação e entrar em confronto com os regimes que patrocinam o terror. Nós os enviaremos, nossos soldados, para onde houver necessidade de vocês".

b) unilateralismo norte-americano

A partir dessa proclamação os Estados Unidos produziram um enfático e unilateral rompimento com as normas vigentes do Direito Internacional, materializado em ataque, invasão e ocupação do Iraque, a despeito da oposição da ONU e da maioria dos países do mundo, sob o pretexto, já desmentido, de "busca de armas de destruição em massa".

A atual estratégia do imperialismo norte-americano vem sendo elaborada há mais de uma década. Já em 1992, quando a contra-revolução na União Soviética e em todo o Leste europeu era fato consumado, Paul Wolfowitz – que desempenhou papel fundamental no núcleo duro do governo de George W. Bush, como assessor de Defesa – preconizava: "Os Estados Unidos devem apoiar-se em sua esmagadora superioridade militar e utilizá-la preventiva e unilateralmente. O nosso primeiro objetivo é impedir a emergência de um novo rival. Trata-se de uma consideração primordial, a base de uma nova estratégia de defesa. Esta requer que nos esforcemos para impedir toda potência hostil de dominar uma região cujo firme controle fosse suficiente para gerar uma força global. Essas regiões englobam a Europa Ocidental, o Leste da Ásia, o território da antiga União Soviética e o Sudeste asiático". Efetivamente, os estrategistas norte-americanos, mantendo a amplidão dos seus propósitos, têm, porém, como foco central de longo prazo a China. O êxito da grande nação asiática, em contraste com o declínio norte-americano, implica alterações profundas – como, aliás, já está ocorrendo na geografia econômica e política internacional. A ocupação de posições militares estratégicas pelo imperialismo norte-americano na Ásia Central, o estímulo a diferentes tipos de manifestações étnicas e religiosas naquela área do globo, o tratado militar com o Japão, a manutenção de dezenas de milhares de soldados e armas nucleares na Coréia do Sul, a hostilidade permanente com a República Popular Democrática da Coréia e o apoio ao separatismo de Taiwan são claras manifestações de que a oposição à China é parte essencial da política externa dos EUA. Atualmente, os estrategistas da Casa Branca evitam a expressão conflito. Referem-se mais à necessidade de "controlar a ascensão da China". Nesses círculos ela é tratada como "inimigo potencial". Objetivamente, os conflitos de interesse entre China e EUA tendem a marcar a cena política mundial nos próximos anos.

c) a “reforma” do “grande” Oriente Médio

Como parte essencial dessa estratégia, o imperialismo norte-americano volta momentaneamente considerável atenção para o chamado grande Oriente Médio, tendo em vista o petróleo e a importância geopolítica da região. Por isso, levou a efeito as guerras contra o Afeganistão e o Iraque e mantém a ocupação ilegítima desses países, não para levar até lá a democracia e livrá-los das armas de destruição em massa, mas para impor, a partir dessa região, seus objetivos de alcance muito maior, sua tirania, sob pretexto de levar para aqueles países o seu padrão de "democracia". Já antes, em circunstâncias políticas locais e mundiais diversas, levara-se a efeito a guerra contra a Iugoslávia, resultando na criação de protetorados, como na Bósnia e em Kosovo que, na realidade, são bases para a consecução dos planos estratégicos norte-americanos.

Para seu segundo mandato, George W. Bush estabeleceu o objetivo central de proceder à "reforma política do Oriente Médio". Tem em mira uma imensa área, que se estende do Afeganistão, na Ásia Central, área contígua à Rússia, à Índia, à China e ao Marrocos, passando por todo o mundo árabe. Depois da ocupação do Afeganistão e do Iraque, os EUA se voltam contra o Irã e a Síria e, novamente sob o pretexto de combater o terrorismo e a presença síria no Líbano, provocam o caos e a desestabilização deste país. No caso do Irã, a oposição da Casa Branca ao programa nuclear desse país soberano serve de justificativa para a preparação de uma nova agressão, ao mesmo tempo em que silencia sobre o programa nuclear de Israel que constitui fator de desestabilização na região. Até mesmo aliados tradicionais dos EUA, como a Arábia Saudita e o Egito, sofrem pressões "democratizadoras", que também podem criar instabilidade. A ofensiva do imperialismo sobre essa região deriva, entre outros fatores, do fim da era do petróleo fácil. Neste contexto, a agressividade contra os povos que detêm jazidas do ouro negro tem se acentuado cada vez mais intensamente. A invasão do Iraque e o domínio do Oriente Médio têm como pano de fundo a intenção de impedir que tão importante recurso fique em mãos inimigas.

No quadro dessa ofensiva, os EUA – atuando invariavelmente como aliados fiéis e principais sustentáculos de Israel – tudo fazem para dobrar o povo palestino, isolar os setores revolucionários e debilitar a Autoridade Nacional Palestina. Insistem num roteiro que não contempla as verdadeiras aspirações do povo palestino. Pelo contrário, consagram a usurpação dos seus territórios e a negação dos seus direitos.

Ultimamente, contando com o apoio de forças locais e de determinadas organizações não-governamentais financiadas por agências do imperialismo, como a Fundação Ford e a USAID, tem lugar também um traumático processo desestabilizador de caráter contra-revolucionário no entorno da Rússia e nas ex-repúblicas orientais da extinta União Soviética. Fazem parte desse processo as midiáticas "revolução laranja", na Ucrânia, "revolução das rosas", na Geórgia, e a "revolução das tulipas", no Quirguistão, assim como as intimidações à Bielorrússia, país incluído na lista dos ameaçados de agressão por parte dos EUA.

d) extensa presença militar dos EUA no mundo

Em meio a toda essa ofensiva, o imperialismo norte-americano trata de reforçar ainda mais a sua já esmagadora superioridade militar. Rompe com o tratado antimísseis balísticos e relança o programa cognominado "Guerra nas Estrelas"; eleva a níveis estratosféricos as suas despesas militares, hoje beirando os 400 bilhões de dólares, cerca da metade de toda a despesa militar no mundo; e estende uma imensa rede de bases militares em todo o planeta – os EUA têm presença militar em 140 países, mantêm 800 bases militares no exterior e acordos de cooperação militar com 36 países. Já antes da ocupação do Iraque, os soldados estadunidenses no exterior eram 200 mil, aos quais se acrescentam os "conselheiros militares" presentes praticamente nas zonas conflagradas do globo. Somente na Colômbia se encontram 500 desses "conselheiros". Assim, intensifica-se a presença militar estadunidense na América Latina, totalizando mais de 20 bases militares na região. Dentre elas, as de Três Esquinas, Larandia e Porto Lequízamo na Colômbia; a de Manta, no Equador; a de Hato, em Curaçao e a de Rainha Beatriz em Aruba; as de Iquitos e Nanay, no Peru; outras três em Vieques, Porto Rico; uma em Soto do Cano, Honduras; além da sinistra base de torturas em Guantânamo, Cuba. Além disso, os EUA planejam a construção de novas bases militares, sendo uma em El Salvador, outra na Patagônia argentina, uma outra na região do rio Itomanas, na Bolívia e, finalmente, uma base na região do Chaco paraguaio, na localidade de Mariscal Estigarribia.

Esta crescente presença militar estadunidense na América Latina em geral, e na América do Sul em especial, tem como um dos objetivos centrais o controle dos abundantes recursos naturais da região, principalmente da Amazônia e das reservas do Aqüífero Guarani. Este, localizado no centro-sul do subcontinente, em sua maior parte no território brasileiro, é um dos maiores mananciais transfronteiriços de água doce subterrânea do planeta, sendo de inestimável importância estratégica, sobretudo no período atual, em que o capitalismo intensifica a destruição das fontes de água potável disponíveis. Em perspectiva, o imperialismo norte-americano busca posicionar-se militarmente para, num futuro próximo – quando a escassez de água potável for um fato, conforme já prevê a ciência -, apoderar-se dessa fonte imprescindível à existência da vida humana, assim como da biodiversidade e das espetaculares riquezas da floresta amazônica. Registre-se ainda a tentativa norte-americana – abortada pela resistência do movimento social e pela postura patriótica do governo brasileiro – de colocar a seu serviço a Base Aeroespacial de Alcântara, no Maranhão.

Aspecto inseparável da crise do sistema capitalista e da ofensiva imperialista contra os povos é a degradação da vida democrática, a hipertrofia dos aparatos de repressão, as chamadas leis antiterroristas – como a "Lei Patriota" dos Estados Unidos -, que só resultam em repressão às lutas das massas e em restrição de direitos.

O imperialismo norte-americano e os seus aliados relacionam essa deriva antidemocrática e a ofensiva contra as forças progressistas em geral à "necessidade de combater o terrorismo". Atitude cínica e inócua, cortina de fumaça para encobrir os seus propósitos retrógrados. As forças progressistas, e entre elas os comunistas, jamais se identificaram historicamente com o terrorismo e os métodos terroristas; muito menos agora quando vivemos uma fase de prolongada acumulação de forças através da luta de massas e dos métodos abertos. Quando se impõem formas de luta radicais, inclusive o uso da violência revolucionária, não é de terrorismo que se trata, mas de um recurso legítimo em face da violência contra-revolucionária.

O verdadeiro combate ao terrorismo, ao qual as forças progressistas e revolucionárias estão dispostas a oferecer a sua contribuição, exige antes de tudo a remoção das suas causas, o combate às iniqüidades do sistema sob o qual vivemos e o fim de situações grotescas, mantidas pela força, onde povos são impedidos de viver em suas terras, de organizar livremente seus Estados e governos, de ver invasores estrangeiros fora de seus países. Exige, ainda, a vigência de uma ordem internacional democrática, cuja expressão institucional seja a existência de uma ONU verdadeiramente respeitada em suas resoluções, em que os países tenham poder de decisão para que o envolvimento do organismo multilateral no combate ao terrorismo não seja mera retórica. Exige também o verdadeiro combate às máfias de traficantes de drogas e de armas, que não passam de um submundo do próprio sistema capitalista. E mais, o combate ao terrorismo é letra-morta quando o imperialismo emprega dois pesos e duas medidas, inquinando os "terroristas maus" e reconhecendo e protegendo os "bons", pregando democracia e praticando terrorismo de Estado, seja por meio de genocídio – como os que perpetrou no Iraque e no Afeganistão -, seja pela abominável prática de sevícias e torturas nos cárceres infectos de Abu Grhaib e Guantânamo.

e) América Latina na alça de mira

Na América Latina, os EUA prosseguem seus esforços para manter o continente como área dos seus interesses estratégicos. Momentaneamente, concentram suas atenções na desestabilização de Cuba e da Revolução Bolivariana da Venezuela, no esmagamento da luta guerrilheira na Colômbia, na aplicação de planos intervencionistas, como o Plano Colômbia, assim como na tentativa de impor a Área de Livre Comércio da América (Alca) ou os tratados bilaterais de livre comércio com países ou sub-regiões como instrumento de espoliação neocolonialista. Embora encoberto pelo jogo de aparências do bom trato diplomático, existe e cobra força um conflito de interesses entre o Brasil e os EUA. A nova política externa do Itamaraty, sob a égide do governo Lula, tem sido conseqüente no esforço para situar o Brasil num novo lugar no mundo. Já se foi o tempo do alinhamento automático com os EUA e seu sistema de alianças. O sucesso obtido pelo governo brasileiro nas negociações da Alca, na realização de novas parcerias políticas e econômicas, o relacionamento do Brasil com outros atores de importância estratégica da cena mundial – como China, Rússia, União Européia, Índia, mundo árabe e África do Sul – estão a produzir mudanças significativas na América do Sul e nas relações do subcontinente com Washington. O impulso que estão tomando os processos de integração, como o Mercosul, a Comunidade Sul-Americana de Nações e a nascente Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), objetivamente contrariam os interesses norte-americanos. Em perspectiva, esses processos de integração e a formação de um bloco de países soberanos na região tendem a compor um quadro de alterações potenciais em médio ou longo prazo na geopolítica mundial.

2 – Deterioração da situação econômica do sistema capitalista

As alterações no quadro político mundial e os conflitos a elas imanentes estão diretamente relacionados com a propensão à crise sistêmica e crônica do capitalismo. Nas últimas décadas do século XX, produziram-se importantes mudanças causadas principalmente pelas crises dos anos 1970. Estas mudanças acarretaram um conjunto de fenômenos recentes: novo patamar de internacionalização produtiva; reestruturação, com novas tecnologias e novas formas de gestão do trabalho; direcionamento do investimento externo direto em grandes volumes, configurando as corporações transnacionais globais; expansão de empresas de segmentação e subcontratação da produção; alianças tecnológicas delimitadas entre empresas; consolidação da forma de grupo empresarial com forte presença internacional; nova expansão da atividade financeira propriamente dita das empresas produtivas, com o surgimento de nova institucionalidade entre produção e finança e a predominância do capital financeiro; maior descolamento relativo entre as esferas da produção e da finança. E ampliaram-se as trocas internacionais, sobretudo nos marcos do comércio intrafirmas, que já atingiram cerca de 40% do comércio global. Entretanto, a taxa de crescimento dos mercados financeiros é muito superior a essa expansão comercial e ainda mais do que o incremento do setor produtivo.

A predominância do capital financeiro ganha corpo com a desregulamentação e a liberalização, em progressiva interligação entre os diversos mercados financeiros e entre as esferas financeiras nacionais. A liberalização dos fluxos de capitais internacionalmente, a volatilidade das taxas de câmbio, as taxas reais de juros oscilantes e tendencialmente elevadas são fatores de especulação e rentismo da oligarquia financeira, inclusive constrangendo a autonomia das políticas econômicas das nações em desenvolvimento. Para se ter uma noção da envergadura do fenômeno, mencione-se o dado de que o estoque de ativos financeiros no mundo cresceu de 12 trilhões de dólares em 1980 para 118 trilhões de dólares em 2003, o que representa o triplo do PIB mundial.

a) tendência à estagnação e à instabilidade sistêmicas

O cenário econômico atual visto de uma perspectiva geral aponta a acentuação dos desequilíbrios, dos fatores de instabilidade e dos elementos de crise. Este panorama torna difíceis as previsões quanto ao futuro, mesmo de curto prazo. A dura e crua realidade da economia capitalista sugere incertezas e não poucas angústias para a imensa maioria das populações. Tornou-se um lugar comum, uma opinião e um comportamento vulgares vaticinar progresso e a abertura de novo ciclo desenvolvimentista da economia capitalista. Ao menor sinal de ultrapassagem da recessão, de crescimento ainda que medíocre das economias centrais ou periféricas, os apologistas – que pensam ser também os salvadores do capitalismo – entram em cena para comemorar que os governos e os monopólios capitalistas dispõem de mecanismos de monitoramento e controle capazes de impedir que as crises periódicas se transformem em catástrofes semelhantes à de 1929. Passados os momentos de susto e de sobressalto, propalam estar em curso uma gradual e longa transição para a economia e a sociedade da informação e do conhecimento, a chamada nova economia, capaz de auto-regenerar-se.

As transformações do capitalismo no quadro do neoliberalismo assumem as seguintes características essenciais: necessidade de aprofundamento da extração da mais-valia relativa a partir das novas tecnologias, ao lado da retomada do recurso à mais-valia absoluta, com elevadas jornadas de trabalho, precarização e informalidade; expansão das transnacionais, mantendo a centralização da direção nas matrizes; concentração e centralização de capitais e da produção coexistindo com o acirramento da competição global; desmonte da regulação anticíclica econômica nacional do setor produtivo estatal e dos serviços sociais do Estado nacional, principalmente nos países em desenvolvimento; formação de blocos regionais, sobretudo a partir dos Estados centrais. Sob essas novas condições, o mundo está submetido à instabilidade sistêmica, que se expressa tanto no plano econômico como no político. São cada vez menores as possibilidades do capitalismo, na presente época do imperialismo, mesmo sob as novas condições, de promover o desenvolvimento econômico com soberania nacional e bem-estar social. E é cada vez mais difícil a instauração de um novo ciclo de elevado crescimento econômico global, como ocorreu excepcionalmente entre o pós-Segunda Guerra e o início dos anos 1970.

Tudo isso está relacionado com os desequilíbrios estruturais da economia norte-americana, que se caracterizam por gigantescos déficits externos e déficit fiscal; sobrevalorização dos ativos imobiliários; elevadíssimo endividamento; tensões sobre o valor do dólar; pressões conflitantes sobre o nível da taxa de juros; crescente dependência de imensos volumes de importações baratas e carências energéticas. São graves desequilíbrios, que obviamente não se transformaram em crise aberta ou em colapso. Os EUA ainda mantêm a supremacia tecnológica, econômica e financeira, mas são claros os sinais da tendência ao seu declínio. A superpotência norte-americana perde cada vez mais sua proeminência produtiva no decorrer de uma longa trajetória em face de seus concorrentes globais, inclusive a China. Os desequilíbrios estruturais dos EUA se traduzem em grave piora das condições de vida de importante parcela de sua população. Comparativamente à Europa e ao Japão, sua concentração de renda alcançou uma grande piora desde os anos 1970, com terríveis mazelas em disseminação para os desempregados, subempregados e jovens.

Certamente, o capitalismo contemporâneo, mesmo num quadro de desequilíbrios estruturais, promove o crescimento da produção de bens materiais, cria novas capacidades produtivas, abre fronteiras e percorre novos caminhos proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico e científico. Mas é certo também que, com a redução da capacidade aquisitiva das populações, a feroz concorrência intermonopolista e o adensamento da composição orgânica do capital, se manifestam com força os fatores que podem resultar em crises de superprodução relativa. Ou, por outra, agrava-se uma situação potencial de superprodução. Ademais, como fenômeno contemporâneo, o setor financeiro sofre desmesurada hipertrofia, o endividamento se generaliza, não mais como chaga econômica apenas dos países subdesenvolvidos, mas como fator de crise dos próprios países imperialistas.

Com o contínuo avanço da produtividade social do trabalho, agrava-se a contradição entre o crescimento das forças produtivas e as relações de produção capitalistas, que acaba por se constituir em empecilho ao desenvolvimento ulterior das forças produtivas. Em nossa época, tal contradição se torna cada vez mais aguda e se traduz em dois fenômenos muito presentes: a elevação dos níveis de desemprego e a progressiva redução das taxas de crescimento econômico nos países capitalistas, indicando estar em movimento uma tendência à estagnação, estreitamente ligada à decomposição do padrão dólar – fator tendencial de natureza histórica, cujo desenlace não se pode momentaneamente prever. Nas duas primeiras décadas que se seguiram à Segunda Grande Guerra, o sistema capitalista viveu um breve período de prosperidade, no qual os dilemas dos depressivos anos 1930 pareciam definitivamente superados nos marcos de um capitalismo monopolista de Estado que lograra incorporar, em notáveis concessões ao movimento operário, muitas conquistas sociais, plasmando assim o Estado de bem-estar.

A prosperidade foi efêmera e as ilusões se esfumaram. Já nos anos 1970, os países capitalistas ingressaram numa fase descendente, que perdura até hoje. A taxa média de crescimento das economias mais ricas, superior a 5% na década de 1960, sofreu um progressivo declínio e acabou inaugurando o século XXI num patamar medíocre, em torno de 2%. No mesmo período, o índice médio de desemprego aumentou na Europa Ocidental de insignificante 1,5% para cerca de 10% da população economicamente ativa. Os países da periferia do sistema têm sido duramente atingidos pela crise, sobretudo na América Latina e na África, cabendo destacar que na Ásia, por motivos diversos, a situação é mais amena.

Movido pelo interesse de maximizar as taxas de lucros e, em certa medida, pela concorrência, o capitalismo tende a estimular o crescimento incessante da produtividade social do trabalho, notadamente através da introdução de novas tecnologias no processo produtivo e de novas formas de organização do trabalho. Mas este processo, contraditoriamente, tem levado ao agravamento da crise, pois ao mesmo tempo revoluciona a composição orgânica do capital, contribuindo para o crescimento do desemprego e acentuando a tendência de queda da taxa média de lucros. Assim, enquanto avançam a ciência – que se firma como força produtiva direta – e a técnica, bem como a capacidade de produzir riquezas em volumes cada vez maiores, agrava-se a crise social, aprofunda-se o fosso entre ricos e pobres, crescem a miséria e a marginalização de amplos contingentes de trabalhadores, a criminalidade e a violência. Alarga-se o hiato entre a produção e o consumo em escala social – que acaba por se revelar um obstáculo ao desenvolvimento econômico, de forma que embora a produtividade cresça a produção em escala social não cresce no mesmo ritmo, as crises cíclicas tornam-se mais agudas e as taxas de crescimento declinam. Ainda soam atuais as palavras de Marx: "A razão última de toda verdadeira crise permanece sendo sempre a pobreza e a limitação do consumo das massas, em face da tendência da produção capitalista a desenvolver as forças produtivas como se estas não tivessem por limite a capacidade de consumo absoluta da sociedade". (O Capital, tomo 3).

A segunda metade do ano 2000 assistiu ao início de um período recessivo, agravado pelo cenário de instabilidade criado pelos acontecimentos de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Essa crise estendeu-se, nos EUA, até 2001 e, em outros países, desenvolvidos até 2003. Em seu transcurso, esboroaram-se as ilusões sobre as excelências da "nova economia". Além disso, desde 1994 ocorrem sucessivas crises na periferia do sistema.

O motor principal do sistema capitalista, na sua fase imperialista, continua sendo a busca do lucro máximo – através do agigantamento dos monopólios e da acentuação da concentração e da centralização do capital -, pela eliminação dos concorrentes, fusões e diferentes formas de participação no capital e o aumento brutal da exploração do trabalho. Em toda a sua história, esta é a fase mais destrutiva e regressiva do capitalismo no que se refere ao trabalho. Na periferia do sistema, o desemprego, a informalidade, o trabalho precário, o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários e a corrosão dos salários atingem marcas assustadoras. Somando o desemprego aberto e o subemprego, as taxas atingem quase um terço da força de trabalho – segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), já há mais de 1,2 bilhão de desempregados e subempregados no planeta.

A regressão atinge também o coração do sistema capitalista. Os EUA são hoje o país da desregulamentação, com corte de vários direitos e a violenta instabilidade no trabalho. Na Europa, antigos direitos são suprimidos ou reduzidos, com aumento do número de trabalhadores "hifenizados" (trabalho-temporário, trabalho-provisório, trabalho-doméstico). A jornada de trabalho voltou a ser ampliada na França, na Alemanha e mesmo nos países escandinavos, sob a ameaça de transferência das unidades de produção para países com custos mais baixos.

Todos esses fenômenos descritos correspondem a um processo objetivo e rigorosamente não são novos. Novas são a envergadura, a rapidez e a progressão que adquiriram – cujo efeito é a crescente internacionalização, ou a transnacionalização do sistema capitalista, fase em que se produziram novas formas de intervenção na economia com a criação de instrumentos e estruturas supranacionais, mas sob controle dos centros imperialistas, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) etc, com a precípua função de elaborar e pôr em prática, em nível mundial, geralmente de forma impositiva, políticas econômicas e financeiras lesivas aos interesses das massas trabalhadoras, dos povos e nações. São as políticas neoliberais que constituíram, para sair da crise, a receita capitalista, hoje bastante desacreditada por acrescentar novos ingredientes de crise e agravar in extremis os problemas pré-existentes, criar outros e gerar uma situação econômica e social insustentável.

Sistematicamente ao longo dos últimos anos essas políticas se transformaram em dogma e em toda parte, resguardadas as diferentes realidades nacionais e o processo de resistência em curso, tiveram lugar as privatizações, a abertura dos mercados, a liberação desenfreada da circulação de capitais, a "desregulamentação" das economias para favorecer os investimentos das empresas transnacionais, a drenagem das riquezas nacionais através do mecanismo espoliador da cobrança das dívidas, a aplicação dos lucros na esfera financeira transformada em atividade especulativa. A essas políticas corresponde a ofensiva contra os Estados nacionais, procurando limitá-los a meros garantidores dos superlucros do capital imperialista e a ofensiva anti-social manifestada na superexploração do trabalho, na privatização dos serviços públicos, na liquidação de direitos trabalhistas e dos sistemas de seguridade social. O resultado flagrante é o agravamento das contradições econômicas e sociais, mormente entre os trabalhadores e a grande burguesia, entre os países dependentes e espoliados e os países imperialistas.

b) parasitismo dos EUA e desenvolvimento desigual

Ontem, como hoje, o parasitismo econômico, decorrente da exportação de capitais e da internacionalização da exploração capitalista-imperialista, costuma afetar principalmente a potência hegemônica e conduzir inexoravelmente, ao longo do tempo, à perda da competitividade de sua indústria e à decomposição de sua liderança econômica. O desenvolvimento desigual provoca a emergência de novas potências no plano econômico, altera o equilíbrio de forças que atuam no mundo, influenciando a geopolítica mundial, acirrando a concorrência por mercados, ensejando ambições pela redistribuição de áreas de influência e desdobrando-se em conflitos econômicos e/ou guerras. São dois fenômenos que marcham lado a lado na história e são muitos os pontos em que se entrelaçam. É patente a manifestação, em nossos dias, do parasitismo e do desenvolvimento desigual.

O parasitismo é muito evidente hoje nos Estados Unidos e sua manifestação encontra-se na raiz dos atuais fatores de crise do sistema capitalista-imperialista. Evidencia-se através do consumismo exacerbado da sociedade estadunidense e tem sua mais perfeita tradução no déficit comercial. Em larga medida os EUA vivem hoje à custa alheia – muito além dos meios que produzem -, absorvendo do exterior cerca de 2 bilhões de dólares por dia ou algo em torno de 80% do capital disponível para investimento no mundo, ou seja, 80% da poupança mundial. O consumismo exacerbado da potência hegemônica, refletido no saldo negativo entre exportações e importações, está também associado ao déficit público, que vem sendo financiado basicamente pelos investidores estrangeiros, transformando-se em passivo externo e dívida externa.

Em 2004 o déficit comercial – hoje já de mais de 600 bilhões de dólares – e o público – os chamados déficits gêmeos – bateram novos recordes e a tendência dominante é de que continuem em alta. A recorrência e o acúmulo do déficit comercial provocaram um crescente rombo das contas correntes do balanço de pagamentos estadunidense e transformaram os EUA de país credor – até meados dos anos 1980 – no maior devedor líquido do mundo. Situação que enfraquece e corrói em médio prazo a supremacia do dólar. Ao excesso de consumo corresponde uma taxa de poupança interna chocantemente baixa e em declínio. O hiato entre poupança e investimentos nos EUA é estimado em 6% do PIB, o maior do mundo, e equivale aproximadamente ao déficit em conta corrente. Para fechar o balanço de pagamentos, refinanciar seu passivo e saldar o déficit externo, os Estados Unidos precisam atrair cerca de 2 bilhões de dólares por dia.

O parasitismo traduzido por essa necessidade crescente de financiamento externo, associado ao fracasso da "nova economia" e à recessão de 2001, precipitou uma nova crise do padrão dólar – acentuando a tendência à instabilidade da ordem monetária internacional fundada em 1944 -, que em 1971 já sofrera seu primeiro abalo com a desvalorização do dólar em 10% e o fim do lastro do dólar em ouro. O inevitável ajuste do dólar poderá causar prejuízos consideráveis às economias dos países em desenvolvimento e não será feito sem provocar grandes abalos na economia mundial.

A pressão dos EUA sobre os fluxos de capitais internacionais tem sido a fonte primordial das turbulências financeiras que vêm ocorrendo no mundo ao longo dos últimos anos, inclusive da crise da dívida externa na América Latina e das crises financeiras ocorridas em final da década de 1990. Para evitar uma desvalorização maior do dólar e a pressão inflacionária decorrente, as autoridades econômicas dos EUA são induzidas a manter suas taxas de juros em patamares superiores aos da Europa e do Japão. Os Estados Unidos continuam sendo um importante destinatário de investimentos externos diretos e para captar mais continuam elevando sua taxa de juros. Mas a cota de investimentos externos diretos, destinada aos Estados Unidos, cai ano a ano – além disso, aparece a distorção de que esses investimentos são cada vez mais em títulos. Para se ter uma noção comparativa, no ano passado os investimentos externos nos EUA foram de 40 bilhões de dólares, contra 61 bilhões endereçados à China. Observe-se que em 2002 os investimentos externos diretos nos EUA eram de 72 bilhões de dólares e em 2001 de 167 bilhões de dólares.

Crescentemente, essas evidências do declínio relativo da economia norte-americana e da precariedade de sua hegemonia obtêm reações de natureza extra-econômica, que se expressam em agressividade, militarismo e na estratégia da "guerra infinita". Aliás, ganha força nos EUA a tese do "keynesianismo de guerra", pelo que se pretende relançar a economia norte-americana através do aumento das despesas militares que já atingem 465,7 bilhões de dólares, projetando-se para 2011 um incremento para a astronômica cifra de 1 trilhão e 300 bilhões de dólares! Ao "negócio" da militarização e da guerra se associa o da "reconstrução", como sucede no Afeganistão e no Iraque, beneficiando diretamente empresas monopolistas estadunidenses ligadas pessoalmente a altas autoridades da administração Bush.

Atualmente, presencia-se uma nova prova desse fenômeno, com o recente aumento das taxas de juros nos EUA para 3% ao ano. O próprio FMI reconhece que a correção dos desequilíbrios externos da economia norte-americana exige um forte e depressivo ajuste, com a redução do consumo a fim de reverter os déficits comercial e público. Um remédio amargo que o atual governo não parece nem um pouco disposto a aplicar.

Ao lado do parasitismo, e com ele entrelaçado, o desenvolvimento desigual das nações também vai determinando mudanças nas relações entre as potências e, por conseguinte, no cenário internacional. Em passado recente, o Japão e a Alemanha acumularam taxas de crescimento econômico bem superiores às dos Estados Unidos, assim como superávits crescentes no comércio exterior e em conta corrente, transformando-se em grandes potências econômicas, rivalizando com os EUA tanto no plano comercial quanto, principalmente, como fonte de exportação de capitais. A Alemanha alçou-se à posição de carro-chefe da União Européia. A Ásia, por razões diversas, é hoje a região onde se observam expansão e maior dinamismo econômico, o que representa um dos principais fatores para o crescimento da economia mundial em 2003 e 2004 com os índices de 4% e 5,1%, respectivamente. O desenvolvimento desigual, associado ao parasitismo e à perda de competitividade industrial norte-americana, é que explica a força que cobram atualmente as moedas concorrentes do dólar – o euro e o iene.

Mais recentemente, é a China socialista que se vem beneficiando do desenvolvimento desigual e do déficit comercial dos EUA. Hoje em dia, o mundo vem sendo surpreendido pela ascensão vertiginosa da China socialista à condição de potência econômica, com caráter acentuadamente distinto das potências econômicas imperialistas. Trata-se de um dos acontecimentos mais relevantes da presente época, que certamente implicará, em médio e longo prazos, importantes mudanças geopolíticas.

A China socialista já é a terceira maior potência comercial do mundo, tendo ultrapassado o Japão e ficando atrás apenas dos EUA e da Alemanha – sendo que a posição comercial norte-americana deve-se tão somente à sua voracidade importadora, dado que os EUA foram ultrapassados pela Alemanha como maiores exportadores mundiais, segundo as mais recentes informações da OMC. Se o Produto Interno Bruto (PIB) da China for medido pelo critério da paridade de poder de compra, mais realista do que o da taxa de câmbio, já se revela o segundo maior do mundo, inferior apenas ao dos EUA. A China dispõe de reservas em torno de 600 bilhões de dólares, o que a transforma em fonte de investimentos externos na Ásia, sendo relevante notar ser crescente a participação chinesa nos investimentos externos diretos realizados pelo mundo. Esse fabuloso crescimento chinês, a taxas expressivamente maiores que as verificadas nas potências capitalistas – em torno de 9% ao ano nas duas últimas décadas -, é que está produzindo essa situação nova. Este notável desenvolvimento das forças produtivas não teria sido possível sem a profunda revolução agrária e nacional dirigida pelo Partido Comunista da China. A audaciosa iniciativa de estimular a produção para o mercado e a expansão do setor capitalista sob o controle do poder socialista reforçaram esse processo, conferindo-lhe um dinamismo que contrasta com a quase estagnação das economias imperialistas.

Compõe o quadro de desequilíbrio estrutural da economia mundial a crise energética. O atual patamar da produção mundial de petróleo constitui um problema de gestão de riscos sem precedentes para os EUA e para todo o mundo. À medida que o consumo aumenta, os preços dos combustíveis líquidos se elevam dramaticamente e, sem que se tomem medidas atenuantes em tempo hábil, os custos econômicos, sociais, políticos e ambientais serão terríveis. Em 2003, o consumo mundial de petróleo rondou os 80 milhões de barris por dia (Mb/d). O consumo dos EUA foi de quase 20 Mb/d – dois terços dos quais no setor de transportes. O vertiginoso crescimento econômico chinês também é responsável por grande parte do consumo de combustíveis. Os Estados Unidos estão em 3º lugar entre os maiores produtores de petróleo, mas a enorme demanda força a importação de metade do que é consumido. São também os maiores produtores de eletricidade, mas precisam comprar excedentes do México e do Canadá. Ainda assim, não conseguem evitar vexames como na Califórnia, o estado mais abastado do país mais rico do mundo, que sofre apagões. A geração de energia alternativa, como a eólica, a geotérmica, a solar direta e a de biomassa, apenas engatinha.

Este quadro no seu conjunto mais a destruição da natureza decorrente de sua exploração desordenada e não sustentável colocam em risco o futuro ecológico do planeta, do que são chocantes exemplos as devastações provocadas pelos furacões Katrina e Rita. O desenvolvimento capitalista atual, sem levar em conta a preservação ambiental, vem provocando o aquecimento da Terra, através do efeito estufa, que tem trazido sérias alterações climáticas e graves problemas para o futuro da humanidade. O Tratado de Kyoto, visando à redução da emissão de gases poluentes, principalmente gás carbônico, entrou em vigor este ano, sem contar, porém, com a assinatura dos EUA, responsáveis por 36% da emissão de gases poluentes. Outro grave problema é a diminuição do volume de água doce do planeta.

c) contradições em agravamento

Em suma, pode-se afirmar que o sistema capitalista-imperialista vive período de aprofundamento de sua crise crônica e sistêmica. Sem cair em visão fatalista e na atitude ingênua de prever a débâcle automática de tal sistema, pode-se asseverar que as contradições fundamentais do capitalismo estão em agravamento, mormente a contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada dos seus produtos. É cada vez mais forte a exigência histórica de fazer corresponder novas relações de produção ao grau alcançado pelo desenvolvimento das forças produtivas. Essas relações não podem ser outras senão aquelas que sejam capazes de libertar o potencial criativo e transformador do trabalho e do pensamento humanos, de colocá-los a serviço da coletividade e assim enfrentar os angustiantes problemas que a afligem e a empurram para o estágio de barbárie, ameaçando a destruição do planeta.

Encontra-se também em rápido agravamento a contradição entre os povos e o imperialismo, destacando-se em seu desenvolvimento a tendência ao reagrupamento dos grandes países em desenvolvimento, entre os quais se perfila o Brasil, que se esforçam por afirmarem-se como nova força competidora no mundo contemporâneo. A luta pelo desenvolvimento, por um comércio eqüitativo, contra o protecionismo dos países ricos, contra as tenazes das dívidas, contra a espoliação das riquezas, contra as políticas neoliberais, que muitas vezes se desenrolam dentro dos próprios organismos internacionais criados pelo imperialismo, como no caso da OMC, constitui aspecto saliente nos esforços dessas nações pela reconfiguração da ordem internacional, merecedor da atenção e da intervenção das forças progressistas e revolucionárias.

Igualmente, desenvolvem-se as contradições econômicas interimperialistas, aumentando a rivalidade entre a União Européia e os Estados Unidos. Essas contradições foram alçadas a novo patamar, mormente após a formação da União Européia e o surgimento do euro. Têm incidência direta no quadro latino-americano e no Brasil, alvos de disputas por influência econômica e política. Como contradições entre potências não devem ser subestimadas, mas consideradas força de reserva estratégica. Não podem, contudo, ser absolutizadas, porquanto comportam também a possibilidade de acordos entre essas potências, em detrimento dos povos e da soberania das nações.

3 – A resistência dos povos e nações e as contradições geopolíticas

O aumento da exploração capitalista sobre os trabalhadores, a intensificação da espoliação sobre os povos e países e a ofensiva política e militar do imperialismo norte-americano não poderiam resultar senão no incremento da resistência e da luta dos povos. Ainda que em um quadro de defensiva estratégica e sob a ameaça de uma superpotência imperialista que adota como política de governo a "guerra preventiva" e "por todos os meios", os povos do mundo resistem e lutam pela paz, pela independência nacional, contra a espoliação e a exploração. Permeando essas lutas e essa resistência, com diferentes graus de consistência e clareza, persiste nos setores conscientes das massas trabalhadoras a idéia de que os embates nacionais e os de classe podem e devem ser levados ao surgimento de uma forma nova de organização social, sob o primado dos trabalhadores, que é o socialismo.

No Iraque, não há como negar que a estratégia imperialista de ocupação vem sofrendo sucessivos reveses com o despertar da resistência iraquiana. A concentração de tropas, o emprego maciço da aviação e de armas as mais modernas foram suficientes para derrubar o regime de Saddam Hussein e ocupar o país. Mas as forças militares e os arranjos institucionais evidentemente artificiais têm sido incapazes de estabilizar o regime de ocupação, mesmo contando hoje com o respaldo de uma abstrusa resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que reconhece as tropas agressoras como "força multinacional" e estabelece normas para a institucionalização do regime fantoche. A resistência se impôs. Os EUA contabilizam cerca de dois mil mortos e milhares de feridos em suas fileiras. Desde 9 de abril de 2003, quando caiu a última fortaleza de Saddam, e 1º de maio daquele mesmo ano – quando Bush, numa proclamação que mais se assemelhava a uma ária de ópera-bufa, anunciou o "fim da guerra" -, não passou um dia sequer sem que os comandos e as tropas estadunidenses fossem atacados e sem que os colaboracionistas pagassem o preço da traição à pátria. O incremento da resistência levou as forças de ocupação a cometerem atos ainda mais criminosos, como o sítio e o bombardeio de Falluja, um genocídio que nada fica a dever às ações dos exércitos fascistas na segunda grande guerra e a violarem a convenção de Genebra com a abominável prática de torturas e de sevícias contra prisioneiros de guerra.

É justa a luta do povo iraquiano contra a ocupação do seu país, pela reconquista da independência e soberania e pela reconstrução nacional de acordo com os critérios da autodeterminação. Qualquer solução política passa necessariamente pelo fim da ocupação. Não poderá haver governo democrático e legítimo sob a tutela de tropas estrangeiras.

Na Palestina, após a morte de Yasser Arafat, o imperialismo norte-americano busca isolar a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e a Autoridade Nacional Palestina das demais forças patrióticas e revolucionárias. Com o apoio irrestrito dos EUA, o governo de Israel insiste em não cumprir as resoluções da ONU que determinam o direito de retorno dos refugiados, a desocupação de todos os territórios palestinos e o desmantelamento das colônias judaicas na Cisjordânia. O Estado de Israel, em sua prática discriminadora, prossegue na construção de um muro, conhecido como o Muro do Apartheid, já condenado pela Corte Internacional de Justiça de Haia. A luta, no entanto, prossegue, pela criação do Estado Palestino, soberano, independente, única alternativa capaz de viabilizar a paz duradoura na região.

Na América Latina, após duas décadas de aplicação selvagem do neoliberalismo, nos últimos anos observaram-se diferentes tentativas de encontrar saídas e alternativas à grave crise econômica e social instalada em decorrência das políticas neoliberais. Assim, este é um continente em busca de um novo destino, onde se produziram sucessivas irrupções e importantes mudanças políticas, com a conquista de governos por forças que, num ou noutro grau, se opõem ou se diferenciam do neoliberalismo e das políticas imperialistas para a região.

No Brasil, com a eleição de Lula em 2002, abriu-se novo ciclo político, em que o maior país da América do Sul inaugura uma nova etapa de sua inserção no mundo, demarcando posições com o imperialismo norte-americano e incorporando-se à luta por uma nova ordem econômica e política internacional.

Na Venezuela, a partir do triunfo eleitoral de Chávez em 1998, teve início a Revolução Bolivariana de caráter patriótico, democrático e popular. Destacam-se como importantes avanços do período a ampla reforma constitucional que propiciou o aprofundamento da democracia participativa; a lei de terras que abriu caminhos para a reforma agrária; as missões que possibilitaram o acesso do povo à saúde e à educação.

Na Argentina, o governo de Kirchner – embora oriundo de setores das classes dominantes e voltado para o objetivo de estabilizar o país após o rotundo fracasso do neoliberalismo e do governo centrista de Fernando de la Rúa – move certa resistência à engrenagem financeira comandada pelo FMI e tenta escapar à camisa-de-força da dívida externa.

No Uruguai, uma ampla coalizão de forças de esquerda e de centro, encabeçada pelo líder socialista Tabaré Vázquez, venceu as eleições, despertando a mobilização popular pela realização de transformações de fundo no país.

A região andina vive situação de permanente conflagração e ingovernabilidade. Sucedem-se insurreições e revoltas populares, camponesas e indígenas na Bolívia, no Peru e no Equador. Na Colômbia, prossegue o conflito armado, ao passo que cresce o movimento democrático de amplas forças políticas contra o regime fascista de Álvaro Uribe.

No México, abrem-se novas perspectivas para o embate eleitoral de 2006 e nos países centro-americanos que viveram lutas revolucionárias nos anos 1980 as antigas forças guerrilheiras – como a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na Nicarágua e a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN) em El Salvador – se consolidaram como forças políticas capazes de se constituir como pólo alternativo nos embates eleitorais. Também a União Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), da Guatemala, dá passos em sua estruturação como força política enraizada nas massas.

O Haiti é um dos maiores focos de instabilidade na América Latina. País depauperado por oligarquias tirânicas e corruptas e vítima do intervencionismo norte-americano vive situação caótica caracterizada pela generalizada falência de suas instituições. Os comunistas brasileiros são solidários com o povo irmão haitiano. A situação sanitária, alimentar e de segurança beiram a catástrofe. Sua solução requer assistência internacional, para a qual é necessário um engajamento ativo da ONU. Em matéria de solução para os problemas de segurança, é preciso prosseguir nos esforços para organizar forças judiciárias e policiais capazes de promover o desarmamento dos bandos e implantar a paz. No plano político, urge encontrar soluções eficazes e democráticas para a longa e crônica crise institucional do país. A ajuda internacional, porém, não se deve traduzir por tutela nem intervenção militar. É necessário viabilizar as condições para a realização de eleições democráticas que permitam retirar as forças militares da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), criada para atender uma emergência.

Nesse novo ambiente político, repõe-se em novos termos a luta pela integração latino-americana por variados caminhos ainda por consolidar, como o Mercosul, a Comunidade Sul-Americana de Nações e a Alba – ressaltando-se nesse processo a vitória parcial dos povos latino-americanos que constituiu a paralisação e a suspensão da Alca, plano colonialista e anexionista do imperialismo norte-americano.

O imperialismo norte-americano vem colecionando uma sucessão de derrotas na América Latina. Fracassaram suas tentativas de esmagar a Revolução Cubana que, pouco a pouco, supera dificuldades e abre novos caminhos. Esboroaram-se as intentonas golpistas contra o presidente venezuelano Hugo Chávez. O Plano Colômbia e todas as políticas arbitrárias e antidemocráticas de Álvaro Uribe fracassaram no intento de esmagar as guerrilhas. Até mesmo no terreno diplomático, em reduto que parecia inexpugnável – como a Organização dos Estados Americanos (OEA), anacrônico remanescente da guerra-fria e instrumento de provocação do imperialismo norte-americano contra forças progressistas e revolucionárias na América Latina -, o governo de Bush sofreu derrotas com a rejeição dos seus candidatos ao cargo de secretário-geral.

O cenário político efervescente na América Latina é um dos novos elementos da conjuntura internacional, a apontar que há mudanças importantes em curso, uma sucessão de vitórias parciais dos povos, com repercussão positiva na acumulação de forças da luta antiimperialista.

Também na Europa há fortes sinais de desenvolvimento da luta de classes, de mobilização dos trabalhadores e de amplas camadas sociais contra as políticas neoliberais dos governos de turno, os cortes de direitos sociais, as revisões regressivas das legislações trabalhistas, previdenciárias, migratórias e educacionais. Espraia-se na Europa o descontentamento com as posturas anti-republicanas das elites dirigentes. Não raro, esse descontentamento se expressa através de greves gerais, manifestações públicas maciças e em contundentes manifestações e pronunciamentos políticos. A eleição de José Luís Rodrigues Zapatero na Espanha, a derrota da direita em Portugal e a rejeição ao governo direitista de Sílvio Berlusconi pelo povo italiano são disso salientes e significativos exemplos.

O fato mais marcante, indicador de que gradualmente estão sendo processadas modificações importantes nas condições de luta e no estado de espírito das massas, foi o rotundo NÃO na França e na Holanda contra o Tratado Constitucional da União Européia que consagrava uma Europa sem direitos sociais, a Europa dos monopólios, dos poderes supranacionais e do militarismo. A atitude do povo francês e holandês, sem sombra de dúvida protagonizada pelos trabalhadores e as forças de esquerda, põe em xeque a continuidade das políticas que mantêm e agravam as mazelas sociais. Tal pronunciamento inequívoco, que nada tem a ver com posições chauvinistas ou visões ahistóricas, repõe a luta por conquistas sociais no tabuleiro político mundial. É fato alvissareiro a ser valorizado em alta conta, pois dele emanarão conseqüências políticas com efeitos de longo prazo. Trata-se de mais uma mudança a pesar positivamente no balanço de forças em evolução.

É fato saliente da atual conjuntura internacional o isolamento das posições norte-americanas e a derrota de sua política em várias esferas. Nunca o imperialismo norte-americano sofreu tamanho isolamento diplomático e político. Deixou profundas marcas nas relações entre as potências a recusa da Alemanha, da Rússia, da França e da China a apoiarem a decisão norte-americana de guerrear no Iraque. Essas derrotas e esse isolamento, que produzem parciais alterações na correlação de forças entre as grandes potências, fizeram com que no começo do seu segundo mandato Bush retomasse a iniciativa e buscasse repactuações nas suas relações com a Europa e a Rússia, sinalizando com certas concessões e até mesmo recuos táticos, para assegurar o fundamental de sua estratégia. Mas como as contradições geopolíticas são objetivas e correspondem a processos históricos, a situação conjuntural continua sujeita a abalos.

O fato mais promissor da luta dos povos nos últimos anos foi a emergência de um extenso, amplo e maciço movimento de luta pela paz. Jornadas de luta pela paz, coordenadas mundialmente, puseram de pé multidões em centenas de cidades de dezenas de países contra a guerra de Bush ao Iraque. Embora sujeito às leis objetivas do fluxo e refluxo, o movimento de luta pela paz não cessou e tornou-se uma frente primordial de combate, o ponto de convergência da luta antiimperialista, indissoluvelmente ligada à luta pelo desenvolvimento, pela democracia e pelo progresso social.

No terreno da luta pela paz, assim como de outros aspectos da luta política e social de massas, ganha força o movimento que ficou conhecido como "antiglobalização", composto por diversos segmentos e orientado segundo variados matizes políticos e ideológicos e que se expressa através do Fórum Social Mundial (FSM), cujas cinco edições o credenciaram como escoadouro em escala internacional de importantes reivindicações dos movimentos sociais. Valorizando o FSM e todas as campanhas e redes correlatas como âmbito necessário de atuação dos comunistas, observam-se, não obstante, os limites desse processo. A existência do cenário global não anula o desenvolvimento das lutas nos marcos nacionais, com orientações que só cabem às forças nacionais. A amplitude e a diversidade, assim como a autonomia dos movimentos sociais, necessárias para a construção de uma nova unidade desses movimentos, não são incompatíveis com a atuação independente dos partidos comunistas e demais forças revolucionárias, sendo necessário rechaçar quaisquer tentativas de marginalização e exclusão dessas forças nas aludidas redes, campanhas e no FSM. Fator positivo no desenvolvimento da luta de massas tem sido a emergência e o protagonismo de entidades e articulações como o Conselho Mundial da Paz, a Aliança Social Continental, a Federação Mundial das Juventudes Democráticas, a Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes, a Federação Democrática Internacional das Mulheres, a Rede do Sindicalismo Classista da América Latina, a Federação Sindical Mundial, a Via Campesina, a Frente Continental de Organizações Comunitárias, entre outras.

No quadro geral da luta dos povos, desempenha influência positiva a existência de países socialistas que, com potencialidades, graus de dificuldades, conteúdos, formas e ritmos diferenciados, constroem o socialismo nos marcos de condições nacionais muito peculiares. Num mundo fortemente marcado pelas derrotas infligidas ao socialismo no final do século XX, o desenvolvimento político e econômico de países dirigidos por forças revolucionárias e que buscam novos caminhos de edificação da nova sociedade constitui um fator progressivo em termos conjunturais e de perspectiva. Exaurido o ciclo das experiências socialistas que surgiu a partir de 1917 e em torno da antiga União Soviética, o sistema capitalista-imperialista mundial tudo fez para extirpar da face do planeta todo e qualquer vestígio de experiência prática socialista. Mas não conseguiu. A bandeira do socialismo, sustentada por partidos comunistas que defendem e se orientam pelo marxismo-leninismo, permanece hasteada em recantos diversificados do planeta, na China, no Vietnã, na República Popular Democrática da Coréia, em Cuba e no Laos. O socialismo, por conseguinte, não é uma idéia que desapareceu das práticas concretas dos países. Pelo contrário, vive, e sob sua égide, movimenta-se um quarto da humanidade.

Não tendo conseguido extirpar, na prática, o socialismo da face da Terra, o sistema capitalista-imperialista e seus ideólogos de plantão foram surpreendidos por um amplo movimento de adequação das experiências socialistas, quando desapareceu o antigo campo socialista e quando o desenvolvimento das forças produtivas, especialmente da ciência e tecnologia, inter-relacionou em nível maior as economias dos diferentes países, acabando com as economias autárquicas. Os partidos comunistas dirigentes das experiências citadas foram se dando conta – uns mais outros menos – de que no quadro estratégico defensivo em que se encontravam nos países economicamente atrasados onde estavam, o socialismo, de um lado, não poderia se fechar e, de outro, teria de percorrer etapas. Os ritmos de construção do socialismo variam de acordo com as peculiaridades de cada país. E assim, na China, no Vietnã, na República Popular Democrática da Coréia, em Cuba e no Laos, com diferentes conotações, o socialismo não ficou petrificado em formas de décadas atrás, o que seria caminho certo para a derrota. Nesses países o socialismo reciclou-se, adaptou-se ao tempo presente, adotando formas e conteúdos desconhecidos no passado, o que lhes possibilitou sobreviver e renovar-se. Esse processo criativo que evidencia sua vitalidade, contudo, é prenhe de riscos e desafios ainda por enfrentar.

Os países socialistas estão conseguindo vitórias na atualidade. As forças socialistas rejubilam-se com esses fatos. Diferentemente, o sistema capitalista-imperialista e seus ideólogos de plantão contorcem-se para explicar como, há vinte e quatro anos ininterruptos, o país que mais cresce no mundo, a China, é dirigido por um partido comunista, que empunha a bandeira do socialismo. Ficam desapontados quando têm de escutar o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o PNUD, dizer que, na maior parte da década de 1990, a China retirou da faixa de pobreza mais gente do que todo o resto do mundo junto. Identicamente, esse sistema, capitaneado pelos EUA, envergonha-se ao constatar que o Vietnã, país praticamente calcinado pelos americanos com bombas e armas químicas lançadas em quantidade maior que em toda a II Guerra Mundial, permanece sob a direção dos comunistas depois de ter derrotado os americanos na guerra, e que esses comunistas já recuperaram seu país, sob formas socialistas, transformando-o em um dos que mais crescem no mundo. A República de Cuba, único país socialista das Américas, resiste bravamente ao cerco imperialista a poucos quilômetros do território estadunidense. Recupera sua economia, com bons índices de crescimento, e destaca-se nas áreas sociais e em especialidades científico-tecnológicas. Combate o terrorismo de Estado de Bush e defende a integração latino-americana. Da mesma forma, é motivo de júbilo para as forças progressistas do mundo a continuidade do socialismo na República Popular Democrática da Coréia e no Laos.

4 – Perspectivas e tarefas dos comunistas

O mundo vive ainda sob o impacto da derrota histórica do socialismo nos começos dos anos 1990 que produziu uma brusca alteração na correlação de forças e tornou momentaneamente desfavoráveis as condições para a luta dos trabalhadores e dos povos pela emancipação nacional e pelo socialismo. Tal correlação determina a vigência de um período mais longo, difícil e sinuoso de acumulação revolucionária de forças – com repercussões importantes nos procedimentos táticos, nos métodos e formas de luta e organização, nas bandeiras e nas políticas de alianças. Em face da brutal ofensiva imperialista, de sua política militarista e estratégia de guerras preventivas e pró-ativa no quadro da guerra infinita, vivemos uma fase geral de resistência que, em determinadas condições, se expressa como resistência ativa, chegando mesmo a conquistar certas vitórias parciais. De todo modo, ainda não está visível um horizonte de ascensão generalizada das lutas dos povos. Estamos atentos, porém, ao fato de que a situação contém ao mesmo tempo muitas potencialidades revolucionárias. Tal é a crise do sistema capitalista-imperialista e tamanhas são suas conseqüências em termos de opressão e espoliação dos povos, que inexoravelmente resultarão em mais luta e resistência.

A existência de uma correlação de forças desfavorável não altera o caráter de nossa época como de decomposição do sistema capitalista e de necessidade objetiva da revolução socialista, época da luta antiimperialista, pela emancipação nacional e social dos trabalhadores e povos, que abra caminho para uma transição ao socialismo.

No limiar do século XXI, a humanidade está diante de uma dramática disjuntiva. Ou se luta contra as brutais políticas impostas pelo sistema capitalista-imperialista ou advirá a barbárie, que se agravará de modo ascendente, seja pela guerra, seja pela manifestação ainda mais violenta das chagas sociais, seja pela devastação ambiental. Os comunistas se colocam nos primeiros postos desse combate em nome dos valores e ideais que justificam sua existência desde que, ainda no século XIX, o socialismo deixou de ser uma utopia para ser uma ciência, uma possibilidade real correspondente a uma necessidade vital para a humanidade.

Fator progressivo no quadro mundial é o esforço pelo relançamento e o fortalecimento dos partidos comunistas, processo em curso de maneira diferenciada nos diversos países e que não está isolado da luta política e ideológica em defesa do socialismo científico, do marxismo-leninismo e de uma linha revolucionária ampla capaz de tornar esses partidos em reais forças políticas com influência e ligação entre as massas, como partícipes ativos e protagonistas de frentes progressistas, desenvolvendo simultaneamente o combate às teses de capitulação da social-democracia e de outras forças terceiristas.

Outrossim, valorizam-se os diferentes processos de unidade, fóruns e tentativas de agrupamento das forças da América Latina, Europa, Ásia e África que podem contribuir para o reforço da esquerda e abrir caminho à construção de alternativas ao neoliberalismo e às políticas de direita. O nosso partido deve dedicar atenção especial ao fortalecimento do movimento progressista e antiimperialista na América Latina. O desenvolvimento político na região se tornou importante fenômeno novo no cenário internacional, devido às intensas mobilizações populares, com caráter antineoliberal e antiimperialista, e à emergência de governos progressistas em vários países da região. Esse cenário de resistência ativa favorece a luta por integrar e coesionar política, econômica, comercial, cultural, científica e socialmente a América Latina em geral, e a América do Sul em especial, através de iniciativas como o relançamento e o fortalecimento do Mercosul, e a gestação da Comunidade Sul-Americana de Nações e da Alba.

Nas condições atuais do mundo e diante do agravamento da situação internacional e das contradições do sistema capitalista-imperialista, os comunistas brasileiros lutam, em unidade com os comunistas e demais forças revolucionárias de todo o mundo, pelas grandes bandeiras capazes de unificar os trabalhadores e os povos em grandes jornadas libertadoras. É necessário engrossar o grande caudal da luta dos povos que inevitavelmente se expressará através de um diversificado movimento antiimperialista:

• Pela paz, contra a guerra imperialista.
• Contra o poder hegemônico e unilateral do imperialismo norte-americano, maior inimigo dos povos. Pela eliminação dos arsenais nucleares e contra as bases militares do imperialismo.
• Pela soberania e a independência nacional de todos os países e povos, por uma nova ordem econômica e política, com desenvolvimento, democracia, progresso social e preservação ambiental.
• Pela integração soberana de países e povos. Apoio aos processos de integração em curso na América Latina contrapostos à Alca: Mercosul, Comunidade Sul-Americana de Nações, Alba etc.
• Contra as políticas neoliberais, pelos direitos dos trabalhadores e dos povos.
• Pela autodeterminação dos povos.
• Solidariedade à luta do povo iraquiano e palestino, à Cuba socialista e à defesa da Revolução Bolivariana em curso na Venezuela.
• Pela unidade das forças progressistas, antiimperialistas e pelo fortalecimento dos partidos comunistas no mundo.
• Pela libertação nacional e social dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.
• Pelo socialismo!

Quadro Nacional

A evolução da sociedade brasileira é subordinada ao que se convencionou chamar de neoliberalismo como padrão mundial dominante da reprodução capitalista. Como ficou demonstrado na parte relativa à questão internacional desta Resolução Política, esse padrão de dominação imperialista e de reprodução capitalista provocou mudanças nas estruturas de produção e na divisão internacional do trabalho, imprimiu um ritmo de crescimento econômico lento, com aumento da capacidade ociosa de produção e recorrência de crises financeiras.

O desenvolvimento político no Brasil está fortemente condicionado pelo exercício unilateral do poder mundial pelos EUA, que se apóiam cada vez mais no intervencionismo e na ação militar provocando ameaças permanentes à segurança coletiva e à paz, lançando o mundo em grave desordem.

A compreensão dos novos fenômenos da vida política brasileira não está desvinculada da que o Partido Comunista do Brasil adquiriu sobre as mudanças operadas no quadro mundial. O fim da União Soviética e do campo socialista representou uma derrota estratégica para o socialismo e as forças revolucionárias. Este fato resultou na abertura de uma fase de defensiva estratégica e na prevalência de um ciclo contra-revolucionário, de uma ofensiva conservadora de longa duração que ainda prossegue.

O 11º Congresso do PCdoB está chamado a responder aos grandes desafios do processo de transformações revolucionárias em nosso país. As correntes revolucionárias e progressistas encontram-se empenhadas num vasto esforço de conhecimento e domínio da situação, sistematizando as lições da experiência histórica para estarem em condições de influir e conduzir a resistência que objetivamente se vem desenvolvendo em face do retrocesso civilizatório causado pelo sistema dominante. Crescentemente, brota entre os povos e nações o anseio de paz, soberania e desenvolvimento nacional, de progresso social e integração regional entre os países "periféricos", de construir uma nova ordem econômica e política mundial. A luta do povo brasileiro por um novo Brasil não está desligada desse contexto.

Assim é que o PCdoB busca dar maior nitidez à sua estratégia e tática, numa compreensão mais profunda do período histórico atual e na visão marxista mais acurada de que os momentos de viragens revolucionárias ou de rupturas profundas são produto da acumulação de forças construída em largos períodos de tempo e do espocar de grandes acontecimentos que levam à mudança no equilíbrio do sistema de poder mundial. Além disso, é preciso o entendimento de que as grandes massas, para se constituírem em força-motriz do processo revolucionário nacional, necessitam elas mesmas vivenciar sua experiência política, conformada naturalmente de ascensos e descensos, vitórias e derrotas. Neste sentido, como assinalou Lênin, não bastam a agitação e a propaganda, a experiência política concreta das massas é indispensável.

Em suma, as mudanças profundas não surgem simplesmente pela vontade de vanguardas políticas esclarecidas ou pelas suas proclamações em defesa de saídas radicais. A consciência política da vanguarda, por mais avançada que seja, não se transmite de forma automática ou direta para a maioria do povo. A justa compreensão dessas leis do desenvolvimento social, político e revolucionário é que permite superar ilusões e traçar uma estratégia que justifique uma perspectiva viável e uma tática que arme a vanguarda para enfrentar as vicissitudes do tempo presente.

Em função do maior domínio dessas leis do processo revolucionário e das experiências recentes em curso no presente cenário histórico, torna-se mais evidente que a resistência neste período se traduz mais precisamente por um modo ativo de acumulação prolongada de forças e aprendizado político próprio percorrido pela maioria do povo tendo como base as consignas centrais – democracia, soberania nacional, progresso social -, expressas por organizações avançadas que saibam e consigam conquistar ampla autoridade política unindo a maioria da nação em torno de alargada frente política, neutralizando importantes setores dominantes.

Nas condições atuais, sobretudo considerando as experiências mais próximas, na América do Sul, numa análise mais detida, o processo de acumulação e construção de forças avançadas condutoras de grandes movimentos que envolvem a maioria da nação tem resultado, em grande medida, da combinação articulada de três componentes. A luta social que assume variado nível de radicalidade conforme a particularidade local. Uma frente política e social ampla que elege novos governos, que se apresentam em maior ou menor grau como alternativa aos projetos neoliberais aplicados na América Latina desde o advento do denominado Consenso de Washington. E a participação de forças avançadas nos órgãos institucionais vigentes, em governos por elas eleitos e/ou nos parlamentos.

Diante desses dados que compõem a singularidade do período histórico contemporâneo, das peculiaridades do Brasil e considerando-se a experiência brasileira é que se pode compreender com maior nitidez onde o Brasil está inserido, em que nível se encontra o movimento transformador, bem como a particularidade do processo atual de acumulação e construção de forças avançadas. Portanto, é dessa temporalidade e do nível da batalha em andamento que se pode traçar, aprimorar e compreender justa orientação estratégica e tática para o Partido e as suas principais tarefas.

1 – A vitória de Lula, uma viragem política no Brasil

A Resolução Política da 9ª Conferência Nacional do Partido (2003) já sublinhava que a vitória à Presidência da República de Luiz Inácio Lula da Silva "abre um novo ciclo histórico e político no Brasil". Essa vitória faz parte do vasto movimento mudancista que se instalou, sobretudo na América do Sul, em resposta às crises agravadas pela vigência das políticas neoliberais, expressando evidentemente as particularidades do Brasil. A existência do governo Lula resultou do esforço conjugado das mais avançadas forças políticas, sociais e ideológicas – conformado nessas últimas décadas de redemocratização do país e das alianças alcançadas – tendo sido vitorioso em face do quadro de forças estabelecido. Por conseguinte, chegam ao governo da República correntes políticas democráticas, patrióticas, revolucionárias e representantes de organizações sociais populares que nunca tinham alcançado tal intento.

O novo patamar de crescimento capitalista alcançado – acentuadamente no período de vigência do regime militar – trouxe como conseqüência a ampliação e a renovação da classe operária permitindo-lhe assumir, assim, maior protagonismo na luta econômica e política, ensejando um processo de lutas caracterizado pelas grandes greves de 1978-1979-1980 contra a ditadura militar. Esse protagonismo atingiu seu ápice no processo de redemocratização nos anos 1980, com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), a legalidade do PCdoB e de outros partidos de esquerda, a afirmação da liderança de Lula e de novos sindicalistas, o fortalecimento de movimentos sociais e a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Esse revolver de novas e avançadas forças políticas atingiu seu clímax mobilizador nas eleições presidenciais de 1989; porém, sem alcançar êxito, prevalecendo a saída neoliberal a partir do começo dos anos 1990. Delineou-se desde então a resistência às políticas ultraliberalizantes e desnacionalizantes, desembocando, assim, na vitória de Lula na eleição presidencial de 2002. Essa vitória foi gestada objetivamente pelo agravamento dos impasses brasileiros – dependência e vulnerabilidade externas, disparidades e profundas desigualdades internas – provocados pela vigência da orientação neoliberal. Eleito no segundo turno pela maioria dos sufrágios válidos Lula reuniu votos das camadas empenhadas em mudanças mais profundas, de parcelas que queriam mudança sem rupturas e até de setores interessados apenas em mudanças cosméticas. Sem contar efetivamente com o impulso de grande movimento de massas em 2002 pesaram as circunstâncias para que, através de chantagem, os setores dominantes do capital financeiro exercessem seu real poder de veto, estruturado principalmente nos anos 1990, diante da possibilidade de vitória oposicionista. Isso levou o candidato e a direção do PT a assumirem mudanças programáticas na "Carta ao Povo Brasileiro", comprometendo-se com acordos anteriores estabelecidos com os círculos financeiros predominantes. Além disso, a vitória presidencial não foi acompanhada de uma maioria política de apoio ao novo governo no Congresso Nacional e ficou restrita a uma minoria de governadores eleitos.

Esse quadro de conjunto moldou um governo democrático – contando com a participação desde as forças sociais populares até setores dominantes -, apoiado numa base de correntes políticas heterogêneas; comprometido entre acordos de continuidade e uma plataforma de mudança, fornecendo-lhe uma feição dual como já assinalava a Resolução da 9ª Conferência Nacional. Mesmo em tais condições, apesar das contradições expressas pelo governo entre cedência e resistência, criou-se melhor possibilidade de avançar na difícil luta contra a concepção e o sistema neoliberal implantado no Brasil. Há um novo patamar na luta para alcançar a alternativa ao neoliberalismo porque o novo governo, por sua origem, compromissos e composição está em meio à disjuntiva entre "ortodoxia" e "desenvolvimentismo", Estado e mercado, soberania nacional e inserção internacional subordinada, ou seja, o desafio assumido de construir um novo projeto de desenvolvimento com distribuição de renda, projeto este distinto do que foi implementado no governo de Fernando Henrique Cardoso – principal condutor do neoliberalismo brasileiro e representante da confiança do núcleo de poder financeiro.

2 – Trajetória de muitas lutas e sacrifícios para chegar ao Brasil de nossos dias

Longo, sinuoso e árduo tem sido o caminho para fazer do Brasil uma nação progressista – luta que teve um marco importante na Proclamação da República e na Abolição da Escravatura ainda no apagar das luzes do século XIX, ganhando um impulso extraordinário com a Revolução de 1930, que se renovou a partir da redemocratização em meados dos anos 1980 e que adquiriu uma nova perspectiva com a vitória de Lula em 2002. Não foram poucos nem pequenos os obstáculos enfrentados para a consecução do desenvolvimento nas condições de domínio do sistema imperialista, aos quais se soma uma série de dificuldades internas. O processo econômico do desenvolvimento capitalista brasileiro foi marcado por ser tardio, desigual e associado entre capitais nacionais e forâneos. O processo político se deu através de uma série de rupturas parciais seguidas de recomposições entre forças heterogêneas, avançadas e atrasadas. Da década de 1940 até meados dos anos 1980 as Forças Armadas intervieram intensamente na cena política – a partir do alinhamento brasileiro com os EUA num mundo então bipolar -, a maioria das vezes truncando a democracia. Em pelo menos duas ocasiões, na deposição de Vargas em 1954 e na preparação do golpe militar de 1964, houve clara ingerência dos EUA na vida política brasileira. Mais recentemente o país passou a sofrer grave ameaça de recolonização a partir da proposta norte-americana da Alca. Do ponto de vista social, amplos movimentos de massas, de âmbito nacional e caráter patriótico e democrático, foram em momentos marcantes a base de impulso para as maiores transformações. A estrutura de classes da sociedade brasileira passou por importantes mudanças. A situação de vida e as condições de trabalho dos trabalhadores e do povo brasileiro foram marcadas por crescentes disparidades com concentração de renda e de riqueza no pólo das tradicionais elites brasileiras.

Durante os três primeiros quartos do século XX o Brasil teve as mais altas taxas médias decenais de crescimento capitalista do mundo. Emergiu desse processo um país de capitalismo dependente medianamente desenvolvido, com projeção entre os países em desenvolvimento, o que pode ser expresso na avaliação de que no mundo o Brasil ocupava o patamar do 8º PIB. O Estado burguês brasileiro foi o principal instrumento da obra levada a cabo durante a maior parte do século passado, quer na planificação e na regulação econômicas quer como protagonista da construção de empresas produtivas estratégicas, do sistema financeiro público – nacional e regional – e da infra-estrutura, sobretudo energética e de comunicações. Além disso, foram construídos ao longo desses anos, centros públicos de produção de ciência, tecnologia e ensino, um aparato (agências e órgãos) e um corpo técnico-burocrático estatal capazes de conduzir os assuntos brasileiros na perspectiva do interesse nacional.

Após o fim do regime militar foram dados passos significativos na construção de um arcabouço institucional, jurídico e político mais democrático e estável, com a promulgação da nova Constituição em 1988, que incorporou também importantes conquistas sociais. Exatamente esse Estado passou a ser o alvo central da alternativa neoliberal. Obviamente, suas formas de financiamento pela via inflacionária ou pela via do pesado endividamento externo davam claras mostras de esgotamento. A predominância dos interesses de fundo e das concepções antidemocráticas e reacionárias da maior parte das elites condicionou o processo de desenvolvimento com características constrangedoras: o crescente agravamento da situação social, onde se deve considerar, sobretudo, um dos índices mais altos de concentração de renda e riqueza do mundo. A luta do povo pela transformação social sempre esbarrou na intolerância conservadora e reacionária das classes dominantes que nunca vacilaram em recorrer ao autoritarismo para impedir as mudanças e preservar seus interesses.

Porém, o caminho adotado entre 1989 e 2002 levou a um alto grau de desnacionalização do aparato econômico brasileiro, numa situação de quase paralisia do crescimento intercalado por crises, com destaque para a de meados de 2002 às vésperas do pleito presidencial. À época, o país encontrava-se sob maior dependência e vulnerabilidade externas pela forma com que foi dirigida a sua inserção no novo contexto de globalização neoliberal imperialista e pelos novos padrões de financiamento adotados. Este modelo provocou maior endividamento público e dificuldades ainda maiores para os trabalhadores, com desemprego, precarização do trabalho e marginalização de setores crescentes da população. Além disso, o Estado teve suas funções gravemente alteradas tendo sido colocado a serviço da oligarquia financeira. O sistema de defesa nacional foi fragilizado, assim como foram feitas investidas no sentido de limitar o grau de democracia alcançado. Com a vigência do neoliberalismo o Brasil perdeu espaço relativo na cena internacional, tanto econômica quanto politicamente.

As duas últimas décadas do século XX legaram uma série de impasses à construção de um Brasil desenvolvido, soberano, democrático e de bem-estar para seu povo – que passam a se constituir nos grandes desafios a serem enfrentados neste início de século. Nos anos 1980 se condensaram os problemas do período do nacional-desenvolvimentismo e evidenciou-se a incapacidade da elite burguesa de promover transformações que pudessem superá-los. Na década de 1990, o neoliberalismo, em nome da modernização, ao tentar superar aqueles impasses pela via da desregulamentação, abertura, privatizações e flexibilizações trabalhistas indiscriminadas, levou o país a uma forte regressão.

Porém, o Brasil é um país de grande extensão territorial, com recursos naturais abundantes e variados, com fronteira com quase todos os países sul-americanos e uma costa marítima de 8.698 km. No século passado, sob inspiração do nacional-desenvolvimentismo, cujo marco inicial está na revolução de 1930, ele passou por grandes transformações, entre as quais duas se destacam. A primeira foi a industrialização brasileira que adquiriu dimensões importantes na comparação internacional ao efetivar a construção de um parque relativamente completo e diversificado. A segunda, a grande produção agropecuária mecanizada que passou a jogar um papel econômico maior e, além disso, os serviços se desenvolveram e se industrializaram, resultando na passagem de uma economia agrário-exportadora baseada na monocultura do café para um país industrial-agrário. Destaca-se, ainda, a interiorização, iniciada com a marcha para o Oeste que contribuiu com a formulação do conceito de unidade nacional, ampliando as fronteiras agrícolas, possibilitando a urbanização do Centro-Oeste, que inclui a construção de Brasília. Esta conjugação de fatores resultou no atual estágio de desenvolvimento da região.

No Brasil de hoje vivem cerca de 185 milhões de pessoas – a maior parte delas em grandes conglomerados urbanos com enormes e carentes periferias. Um povo único, miscigenado e original, constituído em sua maioria por proletários, semiproletários, trabalhadores urbanos, aos quais se somam os assalariados rurais, camponeses e trabalhadores rurais que desejam terra para nela trabalhar. A denominada classe média, constituída sobretudo por empresários de pequeno porte em atividades industriais, comerciais e agrícolas, bem como por assalariados não operários e melhor remunerados, também adquiriu porte e influência política. A intelectualidade brasileira ganhou destaque pela sua produção acadêmica em diversos ramos da ciência, inclusive nas ciências sociais, por sua fecunda produção artística e cultural e também pela sua predominante postura política progressista. Estas classes e setores de classe formam a base social das transformações e a força de trabalho capacitada, elemento essencial para a retomada da construção do país. O estrato financeiro-rentista da grande burguesia brasileira, maior beneficiário da aplicação do projeto neoliberal, substituiu a burguesia industrial na hegemonia de classes, condição que havia adquirido ao cabo da revolução burguesa. Sobrepôs-se igualmente à burguesia agrária e à dos serviços, que se desenvolveram mais recentemente, e se constitui em grave entrave ao desenvolvimento. Toda essa transformação econômica e social teve inequivocamente suas repercussões no terreno político. O proletariado passou a ter uma presença política destacada na vida nacional e se constitui na força mais interessada na consecução de um projeto de desenvolvimento soberano, democrático e com valorização do trabalho. No curso das lutas por esse novo projeto nacional pode assumir o seu papel histórico na luta pela superação do capitalismo.

Dessa forma e partindo dessa base, foram configurados historicamente a necessidade e o desafio da construção de um novo projeto de nação que possa representar a superação tanto do esgotamento dos problemas do período nacional-desenvolvimentista (da década de 1930 à década de 1980) quanto dos impasses originados do modelo neoliberal. Um projeto dirigido por forças políticas e sociais mais avançadas que tenha o potencial de satisfazer os interesses nacionais, democráticos e sociais dos trabalhadores e do povo brasileiro. Um projeto que venha representar um caminho próprio para a superação do neoliberalismo que, por seus objetivos, projetar-se-ia em dimensão estratégica, que na visão dos comunistas tenha o significado de uma passagem para uma sociedade mais avançada, de transição do capitalismo ao socialismo.

3 – Elementos essenciais de um novo projeto nacional de desenvolvimento, soberano, democrático, com distribuição de riqueza e valorização do trabalho

A consecução de um novo projeto nacional de desenvolvimento que possa superar o neoliberalismo e abrir um novo rumo para o Brasil insere-se no contexto de uma luta política e ideológica de grande envergadura, cujo prazo não se pode determinar, mas que pode demandar todo um período histórico constituído naturalmente por uma série de transições e rupturas. Uma alternativa ao hegemonismo neoliberal que os EUA exercem sobre o país passa pela busca de uma ampla e soberana integração econômica e geopolítica do Brasil no mundo. Mais focadamente pela formação de um bloco regional sul-americano contra-hegemônico. Uma saída à semiestagnação e ao rentismo implica a adoção de uma política desenvolvimentista brasileira de fortalecimento e modernização do sistema produtivo, cuja fonte de financiamento básico esteja nos recursos internos. O vértice principal desse sistema deve estar voltado para o mercado interno. O seu planejamento e a sua execução requerem participação e regulação do Estado nacional. Demanda, ademais, a pactuação de um largo espectro de forças políticas, cujo núcleo central de esquerda esteja coeso e convicto em torno das linhas-mestra do projeto, assim como uma ampla mobilização da sociedade – destacadamente dos trabalhadores – a fim de concretizar a vontade nacional para o desenvolvimento ao tempo em que desloca dos centros do poder os representantes e executores da política do capital financeiro, o que se pode tornar realidade com a ampliação da liberdade política e o fortalecimento do Partido Comunista e demais forças revolucionárias. Por fim, uma resposta às dificuldades crescentes a que o neoliberalismo submeteu os trabalhadores passa por uma decidida política de promoção efetiva de direitos sociais, pela geração de empregos e distribuição de renda, ou, sinteticamente, pela constante valorização do trabalho. A alternativa ao neoliberalismo adquire assim dimensão histórica e caráter estratégico. A aproximação do objetivo estratégico – a transição do capitalismo ao socialismo – reside, sobretudo, na direção do processo por novas forças, influentes, com efetivo poder político e comprometidas com esta transição, particularmente o Partido Comunista.

A forma de dominação a que o Brasil foi submetido nas condições de financeirização neoliberal e as graves ameaças imperialistas sobre os países que buscam um caminho próprio colocam em novas dimensões o problema nacional – como asseverou João Amazonas já em 1992 no informe que prestou ao 8º Congresso do Partido. Traçar uma política econômica de forma autônoma, estabelecer relações soberanas com os organismos financeiros internacionais, com os Estados das grandes potências capitalistas – sobretudo os EUA – e com o capital privado internacional, aproximar-se e emparceirar-se com os vizinhos e países assemelhados na forma de um bloco regional contra-hegemônico e estimulador da multipolaridade, diminuir o montante e as obrigações do passivo externo brasileiro, garantir a integridade territorial do país e a posse brasileira sobre a Amazônia; tudo isso ocupa a cena central do jogo de forças, expressa a luta entre um novo projeto ou a reedição do projeto neoliberal, implica em decisões de caráter estratégico em nível de Estado. Este é o maior desafio.

A recuperação do Estado nacional é também fundamental no seu papel econômico, na compreensão de que em países como o Brasil não se pode prescindir disso, pois se trata de como estruturar os meios para financiar o desenvolvimento – combinando investimentos públicos e privados, brasileiros e estrangeiros – em consonância com os interesses do país e de seu povo, em contraponto tanto às limitações próprias do mercado quanto às restrições da moldura internacional calcada em assimetrias, incertezas e instabilidades, ondas especulativas e todo tipo de ações tendo por objetivo o reforço da hegemonia norte-americana. Por um lado, sem a ação do Estado não há como defender a moeda nacional, fortalecer o sistema financeiro público, criar condições efetivas de crédito de longo prazo, promover parcerias entre diversos tipos de capitais, defender o país da especulação, executar uma política macroeconômica voltada para o desenvolvimento econômico e social, planejar a atividade geral e dos setores prioritários e assim por diante. Por outro, o domínio de toda uma tecnologia de ponta, suporte necessário a um novo ciclo de desenvolvimento industrial e agropecuário avançado, só pode se efetivar com um grande esforço de pesquisa científico-tecnológica e de inovação patrocinado e dirigido pelo Estado brasileiro. Em resumo, o Estado nacional sob a direção de forças progressistas poderá ter um papel destacado na retomada do desenvolvimento nacional.

Também a experiência brasileira indica que, diante da extensão da crise social, em constante agravamento, o Estado é insubstituível no trato da questão social quando se parte da idéia de que o objetivo do projeto de desenvolvimento é a elevação do padrão de vida do povo. Quando se trata tanto de fixar a política de remuneração da força de trabalho, de adotar medidas emergenciais ou profundas com a finalidade de combater o desemprego, quanto de elaborar e aplicar as políticas públicas de universalização de direitos no terreno da saúde, da educação, da moradia, do saneamento, do transporte. Quanto à reforma agrária, ela é uma bandeira estratégica de luta dos trabalhadores brasileiros, do campo e da cidade e faz parte do novo projeto nacional de desenvolvimento. É também questão política, inserida no debate sobre os rumos da nação brasileira, sendo condição para a luta contra a pobreza, através da democratização da propriedade da terra. É também condição para a consolidação da democracia ao indicar a superação do latifúndio tradicional e as bases sociais do poder das oligarquias retrógradas. Deve, por isso, fazer parte de uma agenda produtiva no campo que contemple num pólo a agricultura familiar e os assentamentos e, noutro, a moderna agroindústria, com reflexos positivos no aumento da oferta de empregos e da seguridade social.

A busca da mais ampla liberdade política é parte integrante substancial de um novo projeto nacional avançado. O recente movimento pela redemocratização, aspiração da grande maioria da nação brasileira, alcançou marco vitorioso com o fim do regime militar, em 1985. Esta vitória propiciou a retomada das eleições em diversos níveis. Antes, em 1979, havia sido conquistada a anistia para os perseguidos políticos. Com a democratização, alcançou-se maior liberdade partidária e sindical – inclusive com a legalização do PCdoB -, a convocação da Assembléia Constituinte em 1986 e a promulgação de uma nova Constituição em 1988, com a conquista da liberdade de imprensa, do direito de greve e de manifestação popular. Problemática parecida com a que havia se colocado no Brasil em meados da década de 1940 por ocasião do fim da 2ª Guerra Mundial e a derrota do nazi-fascismo. Naquela feita foram criados partidos políticos e o Partido Comunista, legalizado, experimentou um grande crescimento e alcançou expressivas vitórias na luta parlamentar. Mas a onda democratizante de então foi vencida em curto prazo pela ofensiva obscurantista e anticomunista promovida pelo governo do general Dutra.

Ainda que se considere todo o peso dos mecanismos legais de restrição à representação partidária parlamentar introduzidos no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e que já estão em vigor, o país vive ainda hoje sob o influxo das conquistas democráticas da década de 1980, mais estáveis e duradouras. Com a eleição de Lula, em 2002, e a mudança de postura política das Forças Armadas após o fim da bipolaridade em nível internacional, criaram-se melhores condições para o aperfeiçoamento democrático; cujo centro está em garantir, de um lado, a existência de ampla representação política que se configura – na especificidade brasileira – em diversificado espectro de partidos políticos, grandes, médios e pequenos e, de outro, a possibilidade de esses partidos se aliançarem livremente no processo eleitoral e depois dele, no sentido de construírem maiorias e bases para a governabilidade. Estes são os verdadeiros fundamentos de uma reforma política que tenha por objetivo o fortalecimento dos partidos e da democracia.

Sob esse mesmo prisma é que se coloca a ampliação da liberdade para as organizações populares e para o movimento sindical dos trabalhadores; a necessidade de uma relação mais equilibrada entre os Poderes com o estabelecimento de limites à edição de Medidas Provisórias originadas no Executivo; a reforma democrática do Judiciário; a democratização da gestão de instituições e órgãos do sistema financeiro estatal etc. Estas são lições fundamentais a se considerar quando se leva em conta que nos longos períodos autoritários e antidemocráticos pelos quais o país passou durante o século XX procurou-se extinguir ou restringir os partidos políticos, as organizações e movimentos populares, especialmente dos trabalhadores na contramão das aspirações da maioria da nação e da realidade específica do Brasil. Os desdobramentos da luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento poderão colocar mais adiante a necessidade de mecanismos de reforma mais abrangentes e profundos que se configurariam em uma nova Assembléia Nacional Constituinte.

Diante do tamanho do país e considerando-se a forma desigual com que se deu seu desenvolvimento, um novo projeto deve contemplar a necessidade da superação progressiva das desigualdades regionais, sobretudo no Nordeste e na Amazônia. Para tanto, deve-se partir das experiências vividas com esse sentido, como a ação de agências como Sudam e Sudene; dos bancos voltados para o fomento do desenvolvimento regional como o Banco do Nordeste (BNB) e Banco da Amazônia (Basa); de experiências mais localizadas como na Zona Franca de Manaus ou ainda no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Nos tempos de vigência do neoliberalismo, passou-se a considerar negativa toda essa trajetória. Sudene e Sudam foram fechadas e só mais recentemente, por decisão do governo Lula, estão sendo reativadas. A particularidade dos problemas sociais do Nordeste, agravados pela seca, e a questão geopolítica na Amazônia indicam a necessidade de um tratamento diferenciado em diversas frentes. Iniciativas como a criação de Zonas Econômicas Especiais voltadas para a exportação, com legislação tributária específica, poderiam ser consideradas na busca da superação do atraso do desenvolvimento, bem como a consolidação de pólos de biotecnologia e bio-indústria.

A questão da preservação ambiental, do desenvolvimento sustentável, é também parte destacada de um projeto nacional avançado.Tornou-se evidente que se o staqus quo econômico for mantido há o risco de uma catástrofe ecológica. Trata-se de buscar uma nova relação entre desenvolvimento e meio ambiente reduzindo ao máximo os impactos ambientais provenientes do necessário desenvolvimento da infra-estrutura do país. Atenção especial justifica-se à Amazônia onde os projetos e programas devem garantir o desenvolvimento aliado à valorização do homem e à preservação dos recursos naturais. Ao lado disso, tendo em vista o futuro da humanidade, é importante que se possa também efetivamente reduzir a emissão de gases poluentes, preservar e recuperar as matas ciliares e manguezais; evitar o assoreamento dos rios e a redução do volume de água doce, preservar as áreas de mananciais e nascentes; dar tratamento correto ao problema do lixo urbano; coibir o uso indiscriminado de agrotóxicos, os desmatamentos ilegais etc. Tudo isso implica aperfeiçoar e aplicar a legislação ambiental e efetivo esforço para, através de educação específica, desenvolver a consciência ecológica com base num pensamento crítico sobre a luta ambientalista.

A luta pela afirmação de um novo projeto nacional de desenvolvimento enfrenta poderosa artilharia ideológica, cuja disjunção básica é simplificadamente desenvolvimentismo ou neoliberalismo, ou a quem cabe a maior responsabilidade no processo de desenvolvimento, ao mercado ou ao Estado nacional. A formação de um pensamento estratégico brasileiro sobre o desenvolvimento do país vem do período da 2ª Guerra Mundial, na década de 1940. Desenvolveu-se e orientou o segundo governo Vargas, o governo Juscelino Kubitschek, através do Plano de Metas, e o governo de João Goulart, através do Plano Trienal. Tiveram um papel destacado nessa trajetória as equipes da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), do então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) na década de 1950. Mais tarde o pensamento sobre os caminhos próprios do desenvolvimento nacional ganhou maior desenvoltura na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assim como no Itamaraty. Essa corrente de pensamento que abarca amplas forças políticas e sociais forma o campo desenvolvimentista. A ela se opôs, e se opõe, o campo conservador municiado mais recentemente pelos postulados neoliberais ortodoxos, originados sobretudo no pensamento acadêmico e governamental dos EUA e no FMI que no Brasil adquiriu sua expressão política no PSDB e foram acolhidos por intelectuais ligados à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e ao sistema financeiro e cujo programa imediato contém pontos, como: liberalização do fluxo de capitais, autonomia para o Banco Central (BC), vinculação permanente com o FMI, viabilização da Alca, descaracterização do papel do BNDES, plena conversibilidade do real frente ao dólar, aumento do superávit fiscal – tudo isso com o objetivo fundamental de sustentar o pagamento da dívida pública e ganhar a confiança dos chamados agentes do mercado financeiro. O PCdoB integra o bloco desenvolvimentista e não reivindica para si o monopólio das idéias avançadas. Ao contrário, procura formular seus próprios pontos de vista em unidade e crítica dentro do campo progressista e em luta oposta ao campo conservador.

No atual estágio de desenvolvimento da sociedade o PCdoB ressalta a importância estratégica dos meios de comunicação de massa na formação da opinião pública. Já há quem considere a grande mídia como o quarto poder, tal o grau de sua influência na atuação dos outros três poderes. Assim, a viabilidade de um novo projeto passa necessariamente pela democratização dos meios de comunicação o que implica o fortalecimento do sistema público de comunicação de TV e rádio com programação voltada para os interesses nacionais e populares, o fortalecimento das rádios comunitárias e universitárias, a democratização das concessões etc.

Todas essas questões, estruturadoras do processo político, econômico e social, mas também relacionadas ao campo da produção simbólica e ideológica, põem em relevo a necessidade de se encarar a cultura como campo de disputa e um dos eixos fundamentais do desenvolvimento nacional. A cultura constitui espaço de troca e fusão de símbolos e valores, tem dimensão econômica e cidadã, incide sobre todas as outras formas de ação humana. Propostas para o seu desenvolvimento e preservação devem figurar como parte essencial de um projeto de nação, soberana, democrática e socialmente justa.

4 – Obstáculos para superação do modelo
neoliberal, alcance de vitórias parciais

A existência do governo Lula abriu um novo cenário da luta política, compreendendo nesses mais de dois anos obstáculos e limites à transição de novo projeto de desenvolvimento econômico e social e também impulsos, políticas, medidas e pressões, no sentido de uma alternativa ao curso anteriormente dominante. Alguns autores, estudiosos da história política e econômica brasileira, chegam a afirmar que as exigências atuais são de uma mesma envergadura dos desafios de 1930. Tal é o caso de Celso Furtado, renomado pensador progressista, segundo o qual, o Brasil no atual período histórico está diante de um entroncamento: caminhar por um processo novo, de "reconstrução", ou entrar num processo de "desagregação". Aliás, a encruzilhada brasileira já era mencionada por João Amazonas quando da realização do 7º Congresso do PCdoB, em 1988.

A luta pelo novo projeto de desenvolvimento nacional sob o governo Lula está condicionada por um conjunto combinado de fatores objetivos e subjetivos determinados: pelas implicações das transformações na estrutura mundial do capitalismo nos últimos 20 anos; pelo caráter mais agressivo e belicista do imperialismo norte-americano; pela herança da estrutura econômica e institucional neoliberal estabelecida na última década no Brasil; e pela adversa correlação de poder real, produto da existência de um Estado antidemocrático, historicamente forjado à imagem e a serviço das classes dominantes. Essa situação transcorre em um contexto geral onde ainda prevalece o revés da alternativa revolucionária do socialismo empreendida no século XX, ensejando de certo modo no Brasil, após a redemocratização, o vicejar de uma organização partidária operária de caráter "terceirista" – de base teórica eclética e política ambígua, organizada na forma de múltiplas tendências – que assumiu o papel central na direção do processo político progressista a partir do final dos anos 1980 e da condução do governo Lula.

Em tais condições do mundo e do Brasil e diante do esquema de forças que compõem o novo governo, a luta pela predominância de novo projeto econômico e social que ultrapasse os limites neoliberais e descortine a transição para um sistema de justiça social encontra-se diante de uma barreira sistêmica sustentada por forças capitalistas, com forte domínio do poder político em nosso país, contrárias à mudança de rumo. A Resolução Política da 9ª Conferência Nacional do PCdoB já afirmava: "Em decorrência da correlação de poder existente, o governo Lula ainda não reúne as condições necessárias para a ruptura imediata com o rumo dominante precedente". Desde o início dos anos 1990, o Brasil se tornou mais entrelaçado com o sistema mundial de poder político e econômico, com fautores do modelo e da dinâmica liberalizante. O sistema capitalista tem uma lógica e uma estrutura composta de sinergia global, o capital sempre tendeu à globalização, expandindo-se e provocando crises.

Ao cabo de mais de dois anos de governo, fica mais nítida a envergadura da luta pela construção do novo projeto com linhas claras de desenvolvimento, distribuição de renda e riqueza e inserção internacional soberana. No âmbito externo as potências capitalistas, sobretudo o hegemonismo estadunidense, visam a desregulamentar as atividades financeiras e econômicas na periferia (linha de atuação destas potências na Alca, OMC e União Européia) com a finalidade de impedir que os grandes Estados periféricos executem políticas independentes e ativas de desenvolvimento. E internamente, o "mercado" financeiro (grandes credores dos títulos do governo, financistas e rentistas) com a proteção do FMI, não admite uma queda acentuada dos juros, nem diminuição do superávit fiscal tampouco o aumento das despesas governamentais. Essas imposições têm por objetivo garantir suas altas rendas, condicionando um desenvolvimento sempre contido. Essa rede poderosa de fora e de dentro impõe um aprisionamento do governo aos seus ditames financeiros e econômicos, que somente conseguiu até agora, por meio de grande esforço, impor-se no plano externo através de uma política exterior inovadora de inserção internacional soberana, aproveitando as contradições da ordem mundial imperialista. Essa ação da política externa é relevante para a diversificação comercial do Brasil, para a realização de parcerias estratégicas e integração regional, diminuindo a dependência brasileira do mercado norte-americano e abrindo brechas na estrutura de poder mundial, para uma geopolítica brasileira mais independente.

Transcorrido esse tempo após a posse, nas condições presentes, o nó político principal reside nas limitações e dificuldades que o governo Lula tem tido em se comprometer explicitamente com diretrizes nítidas de desenvolvimento, sem as amarras dos parâmetros ortodoxo-liberalizantes, sendo esta uma escolha política, concebendo pelo menos as linhas centrais do desenvolvimento nacional com distribuição de renda. Ao mesmo tempo, há forte incompreensão e resistência no sentido de o governo representar efetivamente uma ampla aliança de forças políticas e sociais, na qual caberia ao PT o papel de partido central, arquitetando-se, assim, um governo de verdadeira coalizão de maioria política. No centro desta, do ponto de vista dos comunistas, deveriam estar as forças de esquerda, centro-esquerda e outras forças democráticas, com a característica frentista, nas condições atuais, no governo Lula. Ademais, hoje, a bandeira da retomada do desenvolvimento e da soberania nacional não é uma plataforma apenas da esquerda. Mesmo porque, a realidade econômica e social do país atual demonstra que a aliança com o chamado capital "produtivo", para fazer frente ao capital especulativo, é uma forma de unir maiores forças para a opção política de redirecionamento da política macroeconômica vigente.

O PT foi chamado a jogar o importante papel de partido principal na condução do governo nacional com a vitória de Lula. Por um lado, muitas das suas limitações se desnudaram diante da difícil e complexa tarefa de governar o Brasil, nas condições dos grandes impasses atuais, imprimindo à sua trajetória um rastro marcado pela contradição entre conciliação e resistência, resultando numa feição de partido possibilista, de linha política tendente ao centro. É o que se verifica quando se tenta harmonizar ortodoxia com desenvolvimentismo, exclusivismo com amplitude, unipartidarismo com coalizão. Por outro, o PT não conseguiu superar sua concepção hegemonista e particularista na condução política, alimentando uma contratendência ao seu papel dirigente pelo conjunto dos partidos frentistas e dificultando a conjunção de amplas forças na participação ativa do empreendimento governamental.

No plano político, fato significativo é que a vitória de Lula e a existência do seu governo vêm produzindo a divisão da hegemonia política com a elite econômica dominante mais poderosa do país, baseada em São Paulo e representada essencialmente pelo PSDB. Este partido, nas condições dadas, representa os interesses da nova direita no país. Suas lideranças maiores passaram a ser o elo político, os defensores, os porta-vozes da "inserção subordinada" do Brasil à "globalização norte-americana", aplicadores do desnacionalizante processo de privatização e desmantelamento do Estado nacional. É falso e faz parte do diversionismo político dizer que a luta entre o PT e o PSDB faz parte de uma contenda dentro do mesmo campo ideológico. Ao contrário, essa contenda é manifestação do embate político entre uma formação política e orgânica avançada (PT, CUT), que surgiu como expressão de novas camadas trabalhadoras e operárias, resultantes da renovação da estrutura social brasileira no final da década de 1970, e uma representação política (PSDB) de setores dominantes capitalistas "modernos" do país, produtos da globalização neoliberal.

Tendo em vista esse contexto político, iniciado pelo novo governo, torna-se necessária uma justa compreensão do papel do PMDB no seio de uma coalizão de maioria política representada pelo governo Lula. Na sua origem, como MDB, esse partido foi a frente política que reuniu toda a oposição contra a ditadura militar, pela redemocratização; ao longo dos anos manteve-se como um partido grande, com elevado número de senadores (maior partido do Senado atualmente), deputados e governadores e a maior quantidade de prefeitos e vereadores do país. Hoje é ainda um partido de caráter frentista, composto por um conjunto díspar de importantes lideranças regionais tendendo a uma posição de centro no espectro político nacional. Seu apoio aos governos de Fernando Henrique Cardoso se deu com uma divisão em duas partes, o mesmo acontecendo no governo Lula. Muitas das suas importantes lideranças estão comprometidas com um projeto de desenvolvimento nacional. Nas condições atuais, a formação de uma coalizão de maioria política passa necessariamente por uma aliança com o PMDB, daí a importância do seu lugar numa formação frentista que vise a um novo projeto nacional. Portanto, deve-se encarar o papel deste partido, apesar de sua heterogeneidade, como necessário à viabilização de uma plataforma que congregue a maioria da nação na busca de uma nova alternativa.

O nó econômico principal está em que o Estado brasileiro encontra-se sujeito a uma dívida pública gigantesca, cuja maior parte se encontra nas mãos de grandes credores com livre acesso de entrada e de saída de capitais do país. No começo do governo Lula, uma ruptura unilateral com os credores poderia instalar uma situação que levaria o país à insolvência. Mesmo porque o novo governo não reunia forças expressivas e convicção para tanto. Poder-se-ia então ter adotado o caminho da negociação da dívida pública interna e externa com a meta de reduzi-la e de estabelecer melhores prazos e condições e a certo controle da conta de capitais. Mas, uma situação objetiva adversa e os limites de convicção da força política condutora impediram o alcance para adoção dessa via. Os responsáveis principais que compunham a aliança em torno de Lula foram impelidos, então, a seguir a via de pesado ajuste fiscal em longo prazo, de reconhecer os contratos estabelecidos, com o objetivo de "tranqüilizar" o mercado para não levar o país ao "naufrágio".

A crise que vinha sendo gestada no país não produziu deslocamentos para expressivas manifestações populares, nem o movimento social em geral encontrava-se em momento de ascenso. O governo já nasce preso à estrutura neoliberalizante dominante e não a um forte clamor popular – submetido por um duplo e distintos compromissos, tendo na sua formação espaços ocupados por forças pró-neoliberais e outras na busca da mudança -, implicando uma disputa de linhas contrastantes, às vezes arbitradas pelo presidente. Resulta desse curso contraditório forte enclave estruturante – Ministério da Fazenda e Banco Central -, que conduz a política econômica seguindo a lógica essencial de ganhar e sustentar a confiança do "mercado financeiro", procurando moldar o conjunto das políticas de governo, ao lado da existência de vários ministérios importantes e de grandes estatais empresariais e bancárias com lógicas e procedimentos contrários, ditos "estatizantes".

Em suma, a prevalência do sistema sinérgico de forças que sustenta a hegemonia neoliberal, a situação de minoria política no Congresso Nacional das forças de esquerda, os limites e diversidade de perspectiva do partido político que está no centro do governo, a ausência de grandes mobilizações políticas de massas, por um lado, são fatores objetivos e subjetivos que freiam ou dificultam a explicitação e aplicação pelo governo de um novo projeto econômico e social de desenvolvimento nacional que ultrapasse os marcos estruturantes da formação neoliberal. Por outro, o anseio de mudança que se acumula e se expressa na resistência de partidos, organizações, setores e lideranças, dentro e fora do governo, fomenta uma contratendência que tem permitido ações do governo que representam vitórias parciais contra a dominância liberalizante.

5 – A luta pela derrota da concepção estruturante neoliberal tem sentido antiimperialista e anticapitalista

A luta pela superação plena do neoliberalismo – sendo este a expressão da doutrina capitalista e na prática o padrão de dominação imperialista e acumulação do capitalismo "moderno", sob a égide das maiores potências capitalistas atuais – assume uma dimensão anticapitalista e antiimperialista de transição do capitalismo ao socialismo. Portanto é uma luta de caráter revolucionário. É a solução de fundo para a encruzilhada histórica em que se encontra o país, conforme propõe o Programa do Partido Comunista do Brasil.

A luta contra a hegemonia neoliberal significa mais precisamente travar um embate contra o sistema do capital financeiro – que tem o poder de arbitragem e senhoriagem na periferia do sistema -, tendo à frente seus detentores mais poderosos e todo o seu aparato político, jurídico, econômico, ideológico e cultural. Esse é o tamanho da batalha. No Brasil, na evolução liberalizante e desnacionalizante da década de 1990, o capital financeiro – concentrado em poucas mãos e acoplado aos fortes círculos financeiros internacionais – conseguiu forte influência sobre o financiamento da economia e do Estado, maior liberdade de movimentação de capitais e poder de arbitragem, permitindo a estes setores da classe capitalista evidente poder político.

Em face dessa realidade que espelha o poder real, o êxito da construção de novo projeto de desenvolvimento nacional que ultrapasse as barreiras neoliberais passa pelo enfrentamento com esse centro econômico hegemônico, ou seja, seu forte poder de ação política sobre vários governos, incluindo o atual e sobre o Estado brasileiro. Sucede ainda que o fio condutor da política econômica, que tem seu papel estruturante, não se dirige para derrotar ou mesmo resistir a essa hegemonia, mas a ela se amoldou. Acontece que diante dos condicionantes históricos e dos próprios limites de força e de convicção do governo Lula, as condições não estão dadas para liquidar a hegemonia neoliberal e substituir sua estrutura montada por nova edificação econômica e social. Para isso, seria necessária uma extensa composição unitária de forças políticas interessadas nesse rumo, capazes de enfrentar os setores dominantes mais poderosos, dirigidas por influente força revolucionária baseada em extenso movimento social com forte ação política.

A compreensão do PCdoB, já externada desde sua 9ª Conferência Nacional, em função do caráter radical da luta antineoliberal, não nutre ilusão quanto ao novo governo poder empreender novo projeto que suplante a formação neoliberal. Mas avalia, ao mesmo tempo, que nas condições alcançadas com a instalação do governo Lula pode-se afirmar ser possível moldar e sustentar as linhas centrais de novo projeto democrático de desenvolvimento nacional, voltado para a soberania e o progresso social, que resista de várias formas ao hegemonismo neoliberal, mesmo não alcançando a sua derrota, ou a "ruptura" assim caracterizada. Esse é o nível da batalha política em desenvolvimento: o xis da questão está ainda em como reunir forças políticas e sociais e convicção, dentro e fora do governo atual, para fazer frente à predominância dos postulados liberalizantes, sem concessão ou justificativa a estes. Pode-se assim alcançar vitórias parciais, aproveitando as brechas estruturais do modelo dominante para montar o novo projeto alternativo, como indica a experiência bem sucedida do governo na construção em curso da nova política externa.

Na perspectiva do Partido, em mais largo prazo a coalizão de amplas correntes para resistir ao neoliberalismo – com o alcance de vitórias mesmo que parciais, nos marcos do governo Lula -, faz parte de um processo único de transição e aproximação da realização de um projeto que substitua o sistema neoliberal e derrote suas forças hegemônicas. Para isso, necessita-se de uma união mais avançada de forças políticas e sociais interessadas nessa concretização. Esse é o caminho que pode abrir trânsito a uma nova sociedade – o socialismo.

Torna-se cada vez mais nítido para o Partido que para trilhar esse caminho no Brasil e alcançar o objetivo maior exige-se o impulso de um processo operacional de acumulação e construção de forças avançadas, compondo desde já um campo de correntes democráticas, patrióticas e populares dentro e fora do governo. Esse processo cumulativo compreende a capacidade do PCdoB – juntamente com outras organizações de base popular, apoiados no pensamento social mais avançado de nossa época, inaugurado por Marx e Engels, desenvolvido por Lênin e outros eminentes revolucionários, no curso do pensamento científico moderno – de extrair as lições da rica experiência revolucionária de vitórias e revezes do século XX. Além disso, compreender as peculiaridades do processo histórico brasileiro e dos ensinamentos de seus líderes democráticos e patrióticos, num esforço persistente de contribuir para atualizar a teoria revolucionária e retomar a construção do projeto de uma nova sociedade, superior ao capitalismo.

6 – Transição contraditória e limitada

Em conseqüência dessa realidade exposta, a política macroeconômica que predomina vem se tornando o entrave principal à construção do projeto substitutivo ao projeto neoliberal. A política econômica neoliberal inaugurada e aplicada nos governos de Fernando Henrique Cardoso teve a marca dada pela privatização, desmonte do Estado nacional, desnacionalização e elevados déficits do balanço de pagamentos. Esses déficits, segundo seus "teóricos", representavam "poupança externa" para o país crescer porque a "poupança interna" era insuficiente. O resultado foi o acúmulo de um déficit escandaloso de US$ 190 bilhões nas contas correntes de 1995 a 2002 que nem mesmo somados aos US$ 100 bilhões auferidos das privatizações, conseguiram elevar a taxa de investimento interno!

A política econômica atual não tem essa característica, por isso não é uma simples continuidade. Entretanto, a orientação macroeconômica que vem sendo adotada tem os mesmos fundamentos da aplicada na última fase do governo anterior, com variação própria, numa conjuntura econômica internacional mais favorável. Obteve êxitos conjunturais, como a retomada do desenvolvimento em 2004, numa escala de elevação de 4,9% do PIB anual, o aumento do índice de emprego, que alcançou o mais alto patamar dos últimos 10 anos, e a manutenção continuada de inédita elevação do superávit comercial, revertendo o quadro dos acentuados déficits em contas correntes.

Mas, a marca da linha macroeconômica presente é o cuidado para não contrariar os interesses dos agentes dominantes do mercado financeiro internacional e brasileiro a fim de ganhar e manter a confiança desses setores a um custo muito elevado para maioria da nação. Decorre disso a adoção de uma política de aperto fiscal (superávit primário) em torno de 5% do PIB, cuja manutenção está prometida por mais de uma década, para ressarcimento da dívida pública e com uma justificativa "teórica" de que o crescimento sustentado do PIB no Brasil não pode ultrapassar a taxa média de 3,5% ao ano. Os juros básicos reais não devem ser inferiores a 9% anuais, e o câmbio deve ser flutuante, livre, sem nenhuma intervenção, situação inexistente em qualquer país do planeta. Esse cardápio redundou nas taxas de juros mais altas do mundo, em câmbio apreciado, que começa a dificultar maior expansão comercial externa, em cortes pesados dos investimentos e dos gastos públicos e transferência anual de R$ 140 bilhões de recursos públicos para os bancos, maiores credores de títulos do governo que, dessa forma, mantêm seus ativos e patrimônios valorizados, obtêm fabulosos lucros, protegidos por uma indexação a taxas elevadas. Em contrapartida, a maioria não tem acesso a esse mecanismo econômico, fortalecendo o regime de concentração de renda. Assim, é inviável a tentativa de conciliar uma política econômica ortodoxa – de contenção do investimento e geradora de polarização de renda – com a adoção de um projeto de linhas claras de desenvolvimento, ou alcançar uma alternativa que supere o predomínio neoliberal.

Nesse contexto, na contratendência é preciso distinguir resultados positivos parciais, mas significativos da ação governamental na contenção da investida neoliberal, como o fim das privatizações de estatais estratégicas, o empenho até aqui exitoso de se contrapor ao plano estratégico do imperialismo norte-americano, a Alca; a adoção de novas políticas contrastantes com esse ideário dominante como a aplicação de nova política externa, afirmativa e defensora dos interesses nacionais, forjando uma ativa relação de independência do Brasil na sua ampla inserção internacional.

No plano interno, há maior valorização do Estado nacional por meio do fortalecimento e tentativa de redefinição voltada para o desenvolvimento das grandes empresas e bancos estatais, re-adequação da autonomia das agências nacionais, novo modelo energético de protagonismo estatal, definição e aplicação de uma política industrial e tecnológica após anos de imposição liberal, sustentação do projeto nacional de produção de energia nuclear, domínio completo do ciclo de enriquecimento do urânio no programa nuclear, revitalização do programa espacial visando à construção de um veículo lançador de satélites, de tecnologias carimbadas como "sensíveis" e, por isso, sujeitas à forte pressão das potências imperialistas.

No curso dessa luta contraditória, tem sido possível paralisar até agora o plano dileto das altas finanças e do FMI de institucionalização da independência do BC. No começo deste ano o governo tomou a decisão positiva de não renovar o acordo com o FMI, que se desenrolava desde 1998, representando uma indicação favorável à defesa da soberania do país. Ainda é preciso destacar os avanços do governo no sentido democrático com a formação de conselho consultivo com estatura de ministério, e de múltiplas conferências temáticas fundamentais que tem mobilizado largas camadas da sociedade. Postura democrática de diálogo permanente com o movimento social e respeito à sua autonomia. Além dos programas sociais emergenciais que já beneficiam camadas significativas da população marginalizada.

Esse conjunto de políticas e medidas não-condizentes com a linha neoliberal demonstra a particularidade de uma transição contraditória e limitada – passos mudancistas importantes, contidos ainda pelo compromisso do governo com forças hegemônicas que impedem mudanças de fundo na economia -, sendo essa situação ainda insuficiente para alcançar a nitidez e a aplicação de novo projeto econômico e social alternativo.

7 – A relação frentista do PCdoB com o governo Lula

Na prática, a realidade atual indica que a acumulação de forças e a construção ascendente da luta transformadora no Brasil, no presente período histórico, transcorrem até agora fundamentalmente em três frentes inter-relacionadas e que exigem ações e métodos diferenciados: apoio e participação no governo Lula, ao lado do esforço para buscar uma nova alternativa de desenvolvimento nacional, contribuindo para forjar ampla coalizão política com esse objetivo; inserção junto ao pensamento crítico mais avançado na luta de idéias tendo em vista o convencimento e a viabilização de um novo projeto substitutivo do neoliberalismo; e, sobretudo, intervenção persistente na organização e mobilização do movimento social, principalmente das camadas trabalhadoras a fim de que este ocupe o seu lugar de força-motriz fundamental para a concretização das mudanças de fundo.

No horizonte político imediato, considerando-se essas três frentes pelas quais se dá o processo cumulativo de forças, não se forjou uma nova via política e orgânica, distinta da expressa no governo Lula, viável e conseqüente, capaz de tornar realidade um projeto de mudança mais profunda e levar agora o Partido a uma reorientação da sua tática política ou à definição de novo caminho e meio de aproximação de seu objetivo estratégico. Quanto à composição das alianças e à participação ou não em um possível futuro governo Lula dependerão da particularidade da evolução do curso político. Por isso, continua válida e atual a orientação da 9ª Conferência Nacional do PCdoB de que o centro da tática "é atuar pelo êxito do governo Lula na condução das mudanças que consistem no aprofundamento da democracia e na adoção de um projeto nacional de desenvolvimento, voltado para defesa da soberania do país e o progresso social". Dessa diretriz se depreende na ação prática a estreita combinação entre a participação no governo e a busca de uma crescente inserção no movimento social visando à mobilização política das massas populares.

As razões do apoio e da participação do PCdoB no governo Lula estão expostas acima. A continuidade dessa relação não está de antemão determinada, mas está em função da marcha das condições políticas, em última instância, do rumo predominante que assuma o governo e das possíveis vias alternativas que venham a se impor. Na quadra atual o PCdoB, como assinala a Resolução Política da sua 9ª Conferência, assumiu o compromisso com uma frente, dirigida pelo PT, para governar o país. O apoio e sustentação do governo, por um lado, é expressão da unidade que deve prevalecer em qualquer inter-relação frentista, sobretudo considerando-se uma coligação com a responsabilidade de governar. Por outro, a unidade prevalecente não está desligada da crítica, de proposições diferenciadas e até de demarcação de posição em determinadas situações. Porque entre o programa do PCdoB e o programa de governo, naturalmente, existem diferenças importantes e mesmo divergências de fundo. Cada partido no âmbito de uma frente deve ser uma peça própria que se junta em determinado momento com outras peças para compor um mecanismo único de realização política com fundamentos pré-estabelecidos. A justa condução política, a eficaz luta ideológica e a interação crescente com o movimento social é que permitem não desviar o Partido para um lado ou outro. Nesse período de mais de dois anos de governo, o esforço do Partido tem sido ocupar o seu lugar nas frentes governamental e parlamentar, social e da luta de idéias, sem cair no seguidismo ou no voluntarismo. É preciso reconhecer que pelo ineditismo dessa tarefa erros pontuais ou temporários podem ser cometidos, mas não se pode persistir em erro. A situação tem uma complexidade maior pela feição contraditória do governo real, que vive uma disjuntiva entre resistência e cedência, porquanto exige do PCdoB uma atitude de puxar e estimular na primeira situação e criticar e se contrapor na segunda.

Nessas novas condições, em primeiro lugar, nas resoluções da direção partidária, na imprensa partidária e nos programas de TV e rádio têm-se oferecido apoio e críticas, participando do debate de idéias, com o intuito de buscar saída para a mudança. Tem-se persistido igualmente na linha de procurar a construção de nova política econômica, como peça fundamental para o novo projeto, assim como na importância de uma coalizão governamental e mobilização social para tornar realidade as mudanças. Em segundo, através das lideranças partidárias o Partido tem se empenhado na defesa do governo e, também, exposto divergências quando necessário. Nesse sentido encontram-se, principalmente, dificuldades que precisam ser superadas no âmbito da bancada comunista na Câmara dos Deputados e dos que assumiram postos no governo. No caso da bancada é preciso tornar mais nítido não haver lugar na concepção do Partido para o exercício de soberania pessoal do mandato, e no caso dos que têm representação de governo – apesar desta função -, as idéias e posições partidárias não são descartáveis, mas imperativas. Em terceiro, neste ano de 2005 o PCdoB vem assumindo uma postura mais afirmativa de se contrapor, marcando posição distinta do governo através do voto no parlamento ou em manifestações, a qualquer medida que implique perda de direito social ou trabalhista como, por exemplo, nos casos da Lei de Falência, MP 242 e sobretudo na luta pela rejeição à PEC 369 nos moldes propostos pelo Ministério do Trabalho. Por fim, o Partido tem estimulado a autonomia do movimento social, procurado elevar sua intervenção principalmente entre os trabalhadores, desenvolvendo uma relação de apoio, diálogo e mobilização na relação com o governo.

8 – A plataforma política atual e nossas tarefas

Ao adotar uma plataforma política imediata, o PCdoB visa a reafirmar e a avançar na perspectiva mudancista e na aglutinação de amplas forças para superar os obstáculos que a isto se interpõem. Parte da situação política concreta e leva em conta as características centrais do governo Lula, um governo democrático e que busca afirmar positivamente a soberania nacional através de uma política externa independente e um acentuado desenvolvimento com distribuição de renda, mas não consegue efetivá-lo porque isto está condicionado pela política macroeconômica ortodoxo-liberal adotada e que, ademais, tem tido sensibilidade para enfrentar problemas sociais emergenciais.

A maioria que comanda o PT progressivamente vem procurando justificar a convivência da atual política macroeconômica posta em prática pelo governo – sem tocar no arcabouço dos interesses dos grandes agentes financeiros – com o progresso social e o avanço democrático. O Partido Comunista do Brasil tem um ponto de vista distinto. Sem pelo menos resistir a esses poderosos interesses estruturados dificilmente poder-se-iam construir a soberania nacional, o fortalecimento e a democratização do Estado nacional, elevando o financiamento público e privado da economia e o investimento, sobretudo público, em infra-estrutura econômica e social. O Partido não defende de imediato a aplicação de um projeto anticapitalista, mas de um projeto de recomposição do Estado nacional com uma política macroeconômica voltada para destravar o investimento público e privado, com a garantia de direitos universais, liberdade política e com integração regional contrária ao hegemonismo do imperialismo, sobretudo o norte-americano.

O PCdoB não subestima o poder real das forças liberal-conservadoras, que compreende os círculos capitalistas dominantes, hoje os maiores receptores de volumosa transferência de renda, os partidos de oposição conservadora e a grande mídia que segue uma linha editorial de defesa dos preceitos liberais e de constante tentativa de desmoralizar as forças progressistas. Esse grande aparato liberal-conservador, preparando a revanche, retoma a cínica cantilena, bradando de forma orquestrada que há uma irresponsável "gastança" do Estado, uma derrama nos dias atuais, procurando criar verdadeiramente um ambiente favorável para a volta das privatizações e do chamado Estado mínimo. Elogia a política macroeconômica, mas, para esse grande aparato, o ajuste necessário é apertar mais ainda, cortando fundo os gastos públicos, elevando muito mais o superávit fiscal, como única via para redução da dívida nominal.

No último semestre de 2005, o PT passou a ser alvo de grande ofensiva da elite dominante conservadora, que vem fomentando pesada campanha de linchamento desse partido, com o propósito de imobilizá-lo e desacreditá-lo perante o povo. Essas forças poderosas detratoras aparecem agora como embandeiradas da ética, travestidas de defensoras dos bens públicos contra a corrupção e depositárias da eficiência e da racionalidade administrativa. Na história política brasileira elas sempre procuraram se esconder atrás do biombo da moralidade, com o propósito de não revelar seus verdadeiros intentos, em momentos de acirrada disputa política, de deslocar forças progressistas do centro do poder. Tentam produzir nova onda conservadora, com aparência de modernidade, antecipam a campanha eleitoral de 2006 e veiculam a idéia de que o governo Lula está no fim, preparando, assim, febrilmente a volta de um presidente da inteira confiança delas. Para elas, expressão da sua arraigada concepção reacionária, já houve "demonstração de democracia" suficiente com a eleição de Lula, "agora basta". Para elas, esse tipo de experimentação não pode ir longe. É preciso retomar o eixo da trajetória conservadora.

No decorrer do embate político entre o governo, sua base de sustentação e a oposição liberal-conservadora, as dificuldades e crises aumentaram a partir do caso Waldomiro em fevereiro de 2003 – que atingiu negativamente o então chefe da Casa Civil da presidência, José Dirceu. Ganharam maior vulto após o resultado das eleições municipais de 2004, provocando uma situação desfavorável na sustentação do governo no Congresso Nacional e atingiram seu auge com a perda pelo PT da presidência da Câmara dos Deputados e, ainda mais, com a onda de acusações de corrupção, deflagrada por Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB, inflada pela grande imprensa contra o PT, seus partidos aliados e o governo. Essa evolução chegou a uma crise política de longa duração em meados do terceiro ano do governo Lula.

O estopim da crise que se estendeu foram as denúncias assacadas contra o PT, que se ampliaram ao governo e ao presidente Lula, mas seu móvel foi a intensificação da luta das forças conservadoras para a volta ao centro do poder. Os partidos da oposição conservadora e forças auxiliares de "esquerda", a grande mídia, elites econômicas poderosas se aproveitaram da situação para montar aparatosa campanha inquisitória circunscrita ao PT, governo e aliados. Esse conjunto de forças revanchistas assumiu a iniciativa política e, no afã de imobilizar o PT e encurralar o governo, impôs CPIs superpostas com foco real dirigido a esse partido e ao presidente da República. Em pouco tempo o núcleo político principal do governo foi substituído, o mesmo sucedendo com o núcleo central dirigente do PT. A crise política, por um lado, expôs as debilidades e limites do governo em construir uma coalizão política, baseada em nítida plataforma mudancista, para sua sustentação, assim também revelou a pouca capacidade do PT, como partido dirigente principal, para condução política da transição. Por outro, revelou a prática de um sistema poderoso, articulado, de forças conservadoras que, utilizando seus instrumentos atuais, tentaram uma espécie de "golpe branco", pacífico, contra o presidente da República. Não obtendo êxito, buscam condicionar uma correlação de forças na qual se impõe a rendição ao presidente Lula, por meio da permanente ameaça da apresentação do seu impedimento.

O PCdoB procurou se orientar diante dos graves acontecimentos distinguindo que a crise em marcha é uma exacerbação da luta pelo poder: a preparação da volta das forças conservadoras tradicionais e "modernas", que nunca aceitaram o novo governo, versus a luta deste, para ir até o fim e abrir caminho para continuar. O Partido, no plano da ação imediata, tendo em vista enfrentar a investida conservadora e paralisar a instabilidade gerada pela crise, procurou se empenhar em formar uma "linha de resistência", que consiste em reunir forças para defesa do mandato do presidente da República; exigir justa apuração e tratamento exemplar no caso dos ilícitos cometidos, desmascarando a pantomima moralista da direita; defender uma agenda positiva, que responda às exigências populares imediatas econômicas, sociais e políticas mais sentidas; buscar a recomposição do campo da esquerda e da base de apoio do governo; impulsionar o movimento social, elevando a sua mobilização em torno da cobrança dos compromissos de mudança e ao mesmo tempo na defesa do mandato de Lula. No plano da perspectiva, trabalhar pela repactuação do projeto de mudança, que consiste em dar ênfase à resistência ao modelo neoliberal, reforçando a alternativa desenvolvimentista democrática, reorganizando a via da aliança política de centro-esquerda, centrada na esquerda. O candidato à Presidência da República dever ser, então, uma resultante desse esforço de recomposição e da particularidade do curso político em evolução, como já mencionado anteriormente nesta Resolução Política.

No curso da luta política em desenvolvimento, a orientação imediata do Partido de se contrapor à investida conservadora e recompor nossas forças alcançou êxitos com a mobilização do movimento social do "fica Lula", barrando a direita, o livre caminho para o impedimento do presidente, com a reunião progressiva dos três partidos de esquerda – PT, PCdoB, PSB – e, sobretudo, com a vitória do deputado do PCdoB, Aldo Rebelo, para a presidência da Câmara dos Deputados. Este acontecimento inusitado na história política do país derrotou a tentativa de assalto das forças conservadoras, no seu momento de grande investida, a uma posição-chave do poder da República. Na escalada da derrubada de Severino Cavalcanti, prepararam vasta operação com esse objetivo, porque se alcançado consolidaria sua condução do processo político, deixaria o presidente da República à mercê dos seus intentos – poderia dar curso quando quisessem ao processo de impeachment. Ao contrário, a vitória de Aldo Rebelo representou a conquista de um grande êxito para o governo Lula, num momento delicado. Contribuiu para a aglutinação das forças de apoio ao governo, aproximou as forças de esquerda e abriu caminho para a inversão do sentido conservador e reacionário da crise em marcha, favorecendo a perspectiva de esquerda e progressista para 2006. Expressou também uma importante vitória da orientação do PCdoB, colocando-o no centro da grande movimentação política perante a nação e melhor credenciando-o para contribuir por uma solução avançada para o grande embate eleitoral de 2006.

Para o PCdoB, no debate de atualização e elaboração de uma plataforma desenvolvimentista, voltada para a defesa nacional, a ampliação democrática e o progresso social, é fundamental redirecionar a política macroeconômica no sentido de desimpedir o financiamento e destravar o investimento, a ampliação dos direitos universais e da liberdade política e a valorização do trabalho. Dessa maneira, o debate em torno do problema dos juros altos – que barram maior desenvolvimento, provocam a "esterilização" do crédito interno e elevam a dívida pública – ao qual se soma a questão da taxa de câmbio apreciada que pode reduzir o superávit comercial, traz à tona o tema do esgotamento da política macroeconômica adotada e reforça a luta pela ampliação e representatividade do Conselho Monetário Nacional. Além disso, a jornada contra a perda de direitos vem alcançando êxitos na batalha contra a PEC 369 da proposta de Reforma Sindical e contra a MP 242 sobre a previdência social, além dos avanços da luta pela elevação constante do valor real do salário-mínimo e o fortalecimento da exigência pelo cumprimento das metas de assentamento do plano de reforma agrária definidas pelo governo.

Do ponto de vista do Partido, o impulso da transição para a afirmação do projeto nacional de desenvolvimento alternativo depende em grande medida da elevação da organização e da mobilização ampla e unitária do movimento social, que possa assim resistir aos entraves ao progresso social e aos limites para a soberania. Esse é o ator que precisa jogar seu papel de força-motriz principal no processo transformador atual. Por isso, o Partido deve elevar seu nível de intervenção no movimento social, principalmente entre as camadas dos trabalhadores, reforçar seu trabalho entre a juventude e desenvolver sua atividade entre as mulheres, a intelectualidade e todos os contingentes populares. O Partido deve insistir na afirmação da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que reúne os movimentos nacionais mais representativos, sendo essa uma nova forma, ainda carecendo de aperfeiçoamento, nas novas condições políticas, de organização unitária do movimento social.

O Partido deve empenhar-se em estreitar laços com legendas, principalmente de esquerda, com organizações, movimentos, grupos e lideranças, dentro e fora do governo, realmente interessados na defesa e construção do novo projeto de desenvolvimento, alternativo à agenda neoliberal. Assim, o PCdoB propõe os seguintes elementos de uma plataforma mínima imediata:

1– Inserção soberana e ampla do Brasil no mundo

• Fortalecimento da integração regional econômica e geopolítica via Mercosul e Comunidade Sul-Americana de Nações.
• Alianças política, econômica e comercial com países assemelhados, China, Rússia, Índia, África do Sul e países árabes.
• Soberania sobre a Amazônia brasileira incrementando políticas de desenvolvimento ambientalmente sustentáveis.
• Apoio à política externa do governo Lula.

2 – Ampliação da liberdade política

• Fortalecimento do caráter democrático do governo Lula e efetiva construção de uma coalizão democrática.
• Liberdade política para os movimentos sociais com uma reforma sindical democrática, de reforço à representação das entidades sindicais e de aprimoramento da unicidade sindical.
• Reforma política democrática, garantindo a ampla liberdade de coligação partidária e a diminuição da cláusula de barreira para representação parlamentar e a adoção do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais.
• Democratização dos meios de comunicação e fortalecimento do sistema público de comunicação.
• Democratização da gestão dos órgãos econômico-financeiros.
• Ampliação do controle público sobre o Banco Central do Brasil.

3 – Valorização do trabalho e promoção dos direitos sociais

• Elevação constante do salário-mínimo real.
• Diminuição da jornada de trabalho, sem redução dos salários.
• Ampliação dos investimentos públicos nas áreas sociais, no estabelecimento de políticas públicas universais.
• Reforma urbana para garantir o acesso universal à moradia de qualidade, ao saneamento básico e ao transporte coletivo.
• Reforma agrária com a efetiva ampliação de assentamentos e valorização da agricultura familiar.
• Garantia da seguridade social como sistema público de proteção social.
• Medidas efetivas de combate ao desemprego e defesa dos direitos trabalhistas.
• Valorização do funcionalismo público.
• Reforma educacional e universitária progressista, com fortalecimento da educação e da universidade pública, e controle social do ensino privado.
• Desenvolvimento de política cultural, com base em investimentos públicos, que reflita a identidade e a diversidade dos valores brasileiros.
• Fortalecimento da luta contra todas as formas de discriminação de gênero, de raça/etnia e de orientação sexual.

4 – Política macroeconômica traçada com autonomia voltada para o crescimento duradouro, sustentável, a altas taxas, com estabilidade.

• Diminuição das taxas de juros reais e dos spreads bancários.
• Diminuição da dívida pública – interna e externa – através de renegociação, com a finalidade de aumentar a capacidade de investimento do Estado.
• Câmbio administrado de forma a favorecer o desenvolvimento nacional.
• Aumento das reservas internacionais a fim de diminuir a vulnerabilidade externa.
• Controle da inflação por outros meios de modo a não restringir o desenvolvimento, incluindo a troca de indexadores mais compatíveis para reajustar as tarifas públicas.
• Controle da conta de capitais com o propósito de evitar especificamente os fluxos de capital de curto prazo, fluxos especulativos e fugas indiscriminadas.
• Redução das metas elevadas do superávit primário.
• Ampliação da composição do Conselho Monetário Nacional (CMN) com representantes dos empresários da produção, trabalhadores e intelectuais representativos da área econômica.

5 – Política econômica desenvolvimentista

• Investimentos em infra-estrutura e nas indústrias de bens de capital.
• Fortalecimento e concretização da política industrial.
• Política de preservação do meio ambiente.
• Reforço aos instrumentos-chave para o desenvolvimento, como BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Central, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Agências de Fomento, Agências Reguladoras.
• Promoção da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico, ampliando a capacidade nacional de geração de conhecimento e inovação, tanto do setor público quanto do setor privado.

Partido Comunista Renovado

É nesse quadro contraditório e de grande complexidade que o Partido Comunista do Brasil desenvolve um esforço especial de construção e afirmação de sua opção revolucionária. O Partido, como força ativa do movimento que assegurou a importante viragem histórica que foi a vitória de Lula em 2002, é beneficiário das condições criadas para a construção de um novo projeto nacional. Assumiu maior protagonismo político e social, adquiriu projeção com sua participação em funções da administração federal, aumentou seus laços com o povo, ampliou suas fileiras, interiorizando-se e reforçando sua estrutura nacional. Passou a viver uma nova fase e a enfrentar novos desafios para a sua construção.

O período histórico atual de defensiva – no qual predominam, para as forças revolucionárias do Brasil, as formas pacíficas de luta de classes – impõe a busca de novos fatores de acumulação para a aproximação dos objetivos estratégicos do Partido. Essa busca se orienta pelas lições da prática passada e é assentada na realidade do capitalismo contemporâneo. O Partido Comunista é um partido para a viragem, para as rupturas transformadoras, para a revolução, não um partido apenas para as reformas. Por isso, seu coletivo necessita compreender as condições em que atua e como construir um caminho particular para a luta de resistência ao neoliberalismo, visando a abrir caminho ao socialismo. Durante esses anos, parte das energias do movimento revolucionário foi investida no esforço de entender as causas da derrota e na busca de definir o melhor caminho para a acumulação de forças, através de novas formas de atuação.

No centro desse esforço colocou-se a necessidade do fortalecimento dos partidos revolucionários, da reafirmação do seu papel histórico, condição primordial para a continuidade da luta pela nova sociedade. Reafirmar a indispensabilidade do partido revolucionário, bem como a necessidade de sua adequação aos novos tempos, passou a ser um importante desafio. Colocou-se como premente difundir a compreensão da centralidade do partido como instrumento articulador das exigências da luta anticapitalista, um partido de vanguarda do proletariado, centro estratégico definidor da luta pelo poder político de Estado, indispensável ao processo transformador.

O Partido deve procurar ser a consciência avançada do nosso tempo, Partido da vocação política transformadora que não recusa os embates do cotidiano, mas os canaliza para um projeto político global; Partido que dá prioridade à ação política de massas, como forma principal de luta; Partido que busca apresentar-se à sociedade de forma contemporânea defendendo um socialismo renovado, marcado por seu caráter de classe, patriótico e antiimperialista e por ampla democracia popular; Partido que não quer repetir as experiências tradicionais e tem, no compromisso militante de seus membros, seu mais precioso patrimônio; Partido da amizade entre os irmãos proletários do mundo, concretizando intensa solidariedade internacionalista.

O esforço por reafirmar a indispensabilidade de um partido revolucionário passa pela compreensão de que, nas condições particulares em que se atua no Brasil, é necessário saber articular a ação de construção de amplas frentes políticas atuando na esfera institucional, governos e parlamentos, com a luta social e intensa luta de idéias em prol da perspectiva transformadora. Nesse sentido, impõe-se reforçar a compreensão do papel dos novos setores sociais na luta social e da centralidade do movimento dos trabalhadores na luta contra o neoliberalismo e pelo socialismo. A orientação política do Partido confere papel essencial à mobilização popular. Uma das lições tiradas dos processos revolucionários dos povos indica que as massas não apreendem uma orientação política automaticamente. Elas têm de confrontá-la com sua própria experiência. É necessário, no entanto, combater a fragmentação e a "despolitização" na ação dos movimentos específicos, deixar claros os limites de tendências "movimentistas" que se manifestam entre forças revolucionárias no mundo. Ao mesmo tempo, um partido que compreende, também, as novas características dos conflitos sociais da atualidade de onde se plasmam os sujeitos históricos da transformação e novas formas de consciência e luta. Um partido que acompanha o movimento espontâneo das massas, sobretudo a luta dos trabalhadores contra a exploração, em cujo leito deve se construir a consciência por um novo projeto político antineoliberal como aproximação para a construção da alternativa socialista futura.

O novo patamar de maior protagonismo do PCdoB colocou a necessidade da construção de um partido revolucionário grande, de ampla militância, apoiado em quadros dirigentes avançados. Um partido que compreende a exigência da ruptura para um novo poder político, o que traz a exigência de se assumir como direção estratégica da luta, e com unidade na ação política, com base nos fundamentos ideológicos do marxismo e do centralismo democrático como princípio orientador de sua organização e de sua vida interna.

O processo de realização do 11o Congresso do PCdoB buscou fincar a consciência militante sobre os objetivos estratégicos de reconstrução da alternativa socialista e sobre a fase atual da luta revolucionária no mundo e no Brasil, de resistência ao neoliberalismo. Resultante desse esforço e das exigências postas pelo novo momento vivido no país, o Partido avança na formulação de seu pensamento político, desenvolve sua tática e sua ação política nas condições de legalidade que perduram já por vinte anos. Deve reforçar sua opção de partido revolucionário, renovado, partido extenso em militância para responder às necessidades da luta pela hegemonia, voltado para o pensamento avançado, para os trabalhadores, para a luta política e social em curso e para a construção de uma alternativa socialista futura. Tal é a versão atual das defasagens da construção partidária.

1 – Partido para as novas condições da luta política

O novo ciclo político, iniciado com a eleição do presidente Lula, teve impacto positivo na construção da corrente comunista em nosso país. Ao mesmo tempo, impôs novas exigências no terreno da política que deve ter uma característica de amplitude; no terreno ideológico, exigindo maiores convicções dos objetivos estratégicos; e no terreno organizativo, forjando-se um partido mais estruturado, mais enraizado, mais representativo. Essas exigências entram em contradição com a situação atual de um partido que, embora tenha se expandido, é de militância ainda pequena, pouco estruturada e com forte marca de espontaneísmo na ação política e social.

Responder a essa nova situação, por um lado, impõe a compreensão das condições do momento brasileiro e de suas características particulares. Hoje, há um nível razoável de liberdade política, em comparação com outros períodos da história do Brasil. Há um número grande de partidos, com forte fragmentação entre aqueles que se apresentam no campo da esquerda. A disputa pela diferenciação junto à sociedade assume um patamar superior. Os anos de neoliberalismo, que limitaram o debate em torno de alternativas para o país, não permitiram que avançasse a elaboração de um projeto unificador das diversas forças políticas e sociais interessadas na mudança. E o processo de construção desse novo projeto enfrenta a existência de variados centros de pensamento, ainda não tendo surgido um pólo aglutinador desse esforço.

Por outro, nas condições do Brasil, a luta pela construção e fortalecimento de um partido revolucionário impõe uma vigilância permanente contra as manobras das elites políticas conservadoras que querem limitar o espaço de representação das forças populares. Um país, que tem a diversidade social e a riqueza cultural da população brasileira, necessita muito mais ampliar e aperfeiçoar a presença desses diferentes segmentos nas instituições democráticas. Ao longo desses últimos anos, o que se vê é uma ofensiva antidemocrática que usa o enganoso discurso de aperfeiçoamento das instituições para propor sucessivas "reformas políticas" de conteúdo restritivo. Conseguiu aprovar a cláusula de barreira de 5% para o funcionamento parlamentar, impedindo os partidos que não alcançarem esse percentual de votos de ter acesso aos horários de rádio e TV, entre outras restrições. Várias iniciativas para impedir o instituto da coligação e para implantar o voto distrital se encontram no Congresso Nacional. São manobras que buscam reduzir a representação parlamentar a 4 ou 5 grandes partidos, excluindo, do debate maior, aqueles que têm maiores vínculos com o povo.

O PCdoB tem hoje o desafio de buscar ser o fator de unidade das forças progressistas e o fator de mobilização de amplas massas sequiosas de transformação. Ao mesmo tempo tem de assegurar sua diferenciação na atuação política e social para que suas idéias alcancem um nível mais amplo de influência na disputa pela hegemonia da sociedade. Por isso, necessita conquistar maior protagonismo político e social. Sua orientação deve ter caráter propositivo e crítico, capaz de influenciar os rumos do governo e do Estado. Em decorrência dessa compreensão, as exigências atuais da construção partidária colocam a centralidade da contribuição dos comunistas na formulação de uma plataforma que possa unificar as forças interessadas num novo modelo de desenvolvimento com valorização do trabalho. Este não é um objetivo simples de ser alcançado. O esforço em torno da elaboração de um novo projeto nacional confronta-se com tendências que vão da inevitabilidade do caminho atual até a ilusão de que as transformações necessárias se farão independentemente da correlação de forças existente no país. Há os que, diante das dificuldades do quadro mundial, marcado pela intervenção do imperialismo em todos os países, tentam limitar seus objetivos a avanços pontuais do atual modelo. Ao mesmo tempo, algumas correntes ou personalidades, numa visão sectária que desconhece a correlação de forças e a necessidade de formulação clara de um novo caminho, assumem uma atitude de desencanto, partindo para o criticismo mais exacerbado. Uns e outros tendem a desertar das fileiras da luta transformadora. Há, também, aqueles que assumem uma posição principista só vendo saída para a situação numa atividade artificialmente radicalizada, auto-proclamada revolucionária.

Superar a defasagem entre a intervenção política e a edificação do PCdoB e elevar sua estruturação entre os trabalhadores e trabalhadoras é hoje um dos maiores desafios da construção partidária. A retomada de maior participação do proletariado no processo histórico brasileiro é marca dos recentes avanços de natureza progressista. A eleição de um operário para a Presidência da República é parte desse movimento. A hegemonia do sistema neoliberal, marca da época atual, vem provocando a exacerbação da exploração capitalista com a depreciação do trabalho e dos valores a ele associados, o retrocesso de direitos, o avanço do desemprego estrutural. Esses fatores objetivos têm impactado negativamente na resistência e na organização do movimento operário e sindical. Ao mesmo tempo, têm ampliado as fileiras daqueles que, com a precarização de suas condições de vida, vêm percebendo que seus interesses entram em contradição com os interesses daqueles que exploram o seu trabalho. Nesse processo, seus movimentos de resistência criam condições para que possam ampliar sua contribuição na luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ao realizar o seu 2º Encontro sobre Questões de Partido, tendo como centro sua construção junto ao proletariado, o Partido expressa sua compreensão de que este é o setor estratégico para a acumulação de forças na perspectiva socialista.

Elevar a incorporação dos comunistas no debate político é uma tarefa indissociável de ampliar sua participação na luta de idéias. O Partido precisa ser a consciência avançada do tempo presente. Tem de colocar a luta de idéias num patamar superior de preocupações e ações. Essas novas exigências de natureza ideológica impõem maior aproximação com a intelectualidade e a parcela avançada da classe operária fabril. Isto significa intensificar a relação com os intelectuais do meio acadêmico, científico, cultural e artístico; atuar nos centros de formação profissional de onde saem inúmeros quadros operários; criar novas formas de aproximação com esses dois setores, incluindo aí instâncias especiais de discussão nas organizações de base e formas de funcionamento que estejam em consonância com as características das atividades desses setores.

O PCdoB compreende que o movimento espontâneo contra a exploração do capital, nas suas mais variadas formas, é fonte indispensável para impulsionar a luta pelas mudanças estruturais de que tanto o Brasil precisa. E sua incorporação à luta por um projeto político nacional soberano e democrático, com valorização do trabalho, é a possibilidade de sua viabilização concreta. Por isso, acentua-se a exigência de que a militância partidária intensifique a ligação com o movimento real em curso no país, contribuindo para a elevação de sua unidade e de sua consciência política. A necessidade de unificação e ampliação da ação política dos movimentos sociais enfrenta, hoje, uma profunda fragmentação, certo grau de institucionalização e a diminuição do papel do PT das atuais movimentações, força esta que anteriormente tinha importante atuação junto a eles. Este é um obstáculo a mais para o avanço da luta política no país.

O fortalecimento da Corrente Sindical Classista (CSC), que atua no interior da CUT, deve se tornar instrumento destacado para introduzir o debate em torno do projeto político no seio dos trabalhadores, tanto do campo como da cidade. A União da Juventude Socialista (UJS), que vem jogando papel decisivo na elevação do debate político nas organizações estudantis e nos movimentos juvenis, inclusive de jovens trabalhadores, deve ser compreendida, pelas direções partidárias nas suas particularidades. Os jovens têm se destacado na luta antiimperialista e nas mobilizações de nosso povo. A organização juvenil vem se mostrando uma poderosa ferramenta para ampliar a influência e para construir o Partido. A UJS está em nova fase, superado o relançamento, e parte para a sua consolidação e construção massiva.

A Coordenação dos Movimentos Sociais, uma proposta justa e oportuna, deve ser reforçada como pólo aglutinador dos movimentos populares, inclusive do movimento comunitário, dos movimentos de luta contra o racismo, pela paz e pelos direitos dos indígenas, entre vários outros. Atenção especial merece a retomada do trabalho dos comunistas para estruturar a corrente emancipacionista no seio do movimento de mulheres. Necessita, ainda, de melhor tratamento a luta contra o racismo, que entra também em nova fase, sob o governo Lula.

A legalidade e, em especial, a conquista de espaços governamentais, por parte das forças democráticas e de esquerda, levaram o Partido a aumentar sua atuação em órgãos executivos e nos parlamentos. Ele, além de eleger 11 prefeitos e 29 vices, passou a participar de governos em mais de uma dezena de estados e capitais, além de centenas de municípios de regiões metropolitanas e do interior. A ação política, nessa área, representa importante instrumento de acumulação de forças. Ao ocupar posições em administrações municipais, estaduais e em órgãos federais o Partido toma conhecimento, a partir de um novo ponto de vista, da precariedade em que passaram a viver as populações, sobretudo as urbanas, após a ofensiva neoliberal do último período. Tem oportunidade de discutir, diretamente com o povo, alternativas de políticas públicas que minimizem suas dificuldades. E busca desenvolver, junto com as outras forças que integram os governos, uma articulação permanente para levar às organizações da sociedade civil o debate e a mobilização em defesa de um novo projeto para o país.

Apesar da realização recente de seminários nacionais e locais sobre o tema, as instâncias de direção não têm dado atenção à sistematização da experiência. Trata-se de formular projetos políticos bem definidos para nortear essa participação em cada situação concreta, compreendendo o exercício do poder como serviço aos trabalhadores, ao povo, ao país, aos objetivos estratégicos do Partido e sob seu controle político. Nesse desenvolvimento apreende-se a necessidade de inovar na definição do trabalho de direção, constituindo secretaria própria para essa atividade. Entre outras atribuições, esta secretaria deve atuar para que se concretize o objetivo de elaborar e implementar políticas públicas que identifiquem claramente junto ao povo a intervenção do Partido. Essas políticas devem ser construídas necessariamente pelos órgãos de direção correlatos, com envolvimento dos quadros que atuam diretamente nesta frente.

2 – Forjar um partido revolucionário renovado, de ampla militância, apoiado em quadros avançados

Decorrente da nova situação criada no mundo e no país, e de avanços no amadurecimento político e ideológico da corrente comunista, intensificou-se o esforço por desenvolver o pensamento de Partido. O 10º Congresso, a 9ª Conferência, os 1º e 2º Encontros sobre a Questão de Partido, mais os Encontros sobre o Partido e os movimentos sociais, e o Partido e a frente institucional são momentos especiais desse esforço. Representaram a continuidade do movimento que vinha se realizando e agregando novas formulações, particularmente durante a preparação do 11º Congresso. Esta foi uma fase em que se buscou fixar a consigna "Cuidar mais e melhor do Partido", tratando de forma mais realista e dialética a relação entre construção e estruturação nos planos político, ideológico e organizativo, sempre tendo a política no comando do processo de fortalecimento do Partido. A chave para os futuros desafios do Partido é, agora, formar larga estrutura de quadros, de nível superior, intermediário e mesmo de base, assentada numa profunda compreensão da exigência de unidade de ação de todo o Partido.

O esforço por forjar um partido com essas características enfrenta alguns obstáculos que tanto dificultam o desenvolvimento da luta progressista e transformadora quanto provocam certa desorientação na ação de militantes, partidos e organizações. Ao mesmo tempo em que se ampliaram as possibilidades de atuação política e social da corrente comunista tornaram-se mais evidentes as pressões tendentes a rebaixar o papel estratégico do Partido, em conseqüência da situação objetiva em que ele passou a atuar. Nas condições de relativa defensiva do movimento operário e de intensa institucionalização da atividade política, crescem as tendências ao pragmatismo que pode levar ao oportunismo, tanto pela direita como pela esquerda. Distanciando-se do debate teórico sobre os objetivos estratégicos e das instâncias da vida partidária, o militante começa a construir um projeto próprio, fruto de anseios pessoais, abandonando o projeto coletivo, às vezes aderindo a outros que lhe dão mais vantagens. Manifesta-se, também, a tendência à diminuição dos vínculos com as massas, à baixa organicidade do trabalho militante na base, até mesmo nos comitês, e o descompromisso com a sustentação material do Partido. Combater esses desvios passa por vincar valores ideológicos fundamentais – particularmente o de servir ao povo desinteressadamente e o de respeitar a inviolabilidade dos bens públicos – e reforçar a consciência sobre a identidade revolucionária do PCdoB no seio do coletivo partidário. Nesta perspectiva, a prática da crítica e da autocrítica, elemento constitutivo da concepção leninista de partido, é um instrumento essencial dos comunistas.

O novo quadro político provocou nítido crescimento das fileiras partidárias que precisa ser levado a um patamar superior. O Partido precisa ser massivo em sua força orgânica, com uma militância ampla, numerosa, extensa, estruturada, apoiada em quadros avançados para ser capaz de responder às novas tarefas assumidas. Esse processo em desenvolvimento é marcado por alguns fenômenos que precisam ser superados. O primeiro é o caráter espontâneo da ampliação de suas fileiras. O Partido precisa crescer de forma direcionada, sobretudo entre o proletariado, a juventude e a intelectualidade progressista, realizando suas filiações no curso das lutas. O segundo é a dificuldade de a militância atual compreender a necessidade de uma estrutura de organizações de base diversificada que assuma novas características. Em certa medida, as direções intermediárias e as organizações de base são ainda frágeis em seu funcionamento para planejar, absorver e potencializar a ação dos novos filiados. Em muitas situações, falta a compreensão de que as organizações de base devem ser estruturadas para a luta, superando seu funcionamento burocrático, discutindo questões da vida cotidiana do povo, assegurando maior enraizamento em seu seio. O terceiro é a inexistência de uma política de quadros, garantia de uma direção firme, funcionando como uma espinha dorsal articuladora da ação militante.

Estruturar mais e melhor o Partido, superando as defasagens existentes é a palavra de ordem do atual estágio de desenvolvimento partidário. Ainda está em desenvolvimento o debate sobre a linha de estruturação que possa responder às novas exigências das transformações ocorridas. Importante avanço, no entanto, foi a compreensão do conceito de estruturação, como chave para a construção partidária no plano político, ideológico e organizativo. Por isso, os Planos de Estruturação Partidária continuam sendo a forma consciente e dirigida de implementar a linha de construção já acumulada. Eles têm como objetivo fundamental combater o espontaneísmo e as defasagens na esfera ideológica e organizativa.

Colocam-se como desafios da atual etapa de desenvolvimento partidário: construir um Partido voltado para a ação política, na luta e para a luta; ampliar as fileiras partidárias de modo direcionado; atuar efetivamente pelas bases; assegurar as quatro atitudes básicas na vida militante – militar, estudar, divulgar e contribuir; consolidar comitês do Partido nos grandes municípios; elevar o nível teórico e político; enfrentar a flutuação da participação militante; garantir, em bases políticas, a sustentação material do partido; garantir a informação e ampliar a comunicação do Partido com as mais amplas parcelas do povo.

O fortalecimento orgânico do PCdoB passa pela construção de uma política de quadros dirigentes que se constitui, nas condições atuais, fator fundamental do desenvolvimento da intervenção e da organização partidária. A ação política e social, a estruturação e funcionamento das organizações de base, e a formação ideológica dos novos militantes dependem de uma ampla estrutura de quadros dirigentes, sintonizados com a identidade de um Partido Comunista, de classe, renovado. Estes são os homens e as mulheres que, no enfrentamento cotidiano das lutas em curso, adquirem certo nível teórico de consciência social, percepção mais elevada da tática política para o momento presente, apreensão dos valores morais de um militante comunista e contribuição para o trabalho de construção e direção partidárias.

A formulação de uma política de quadros compreende a necessidade de se desenvolver: a) o conhecimento, a avaliação e o acompanhamento dos quadros existentes; b) diretrizes para a sua formação e desenvolvimento; e c) definição de responsabilidades compatíveis com a situação e a área em que vivem e atuam. Na construção dessa política, alguns problemas precisam ser enfrentados. Há certa tendência à subestimação de quadros com real capacidade de desenvolvimento que não conseguem maior visibilidade nos fóruns mais gerais do Partido. É preciso ousadia na promoção, sobretudo dos quadros operários, forjados no front mais avançado da luta de classe.

Com a ampliação da intervenção partidária em diferentes frentes, criou-se falsa polêmica em torno dos quadros que se tornam funcionários do Partido por exigência das tarefas cotidianas da atividade de construção. Algumas vezes seu aproveitamento se dá com base na disposição pessoal ou disponibilidade de tempo ou na possibilidade de profissionalização em tempo integral. É preciso compreender a importância desse núcleo de militantes que desempenha papel fundamental na dinâmica da atividade partidária e, por não terem maior visibilidade pública, não são valorizados na dimensão da importância de suas funções. Na definição de responsabilidades, é necessário estabelecer qual a tarefa principal de cada quadro: se na direção executiva do Partido, em determinado movimento social ou em função institucional – governo ou parlamento. Ao mesmo tempo, faz-se necessário superar a idéia de que os quadros que têm representação pública não podem assumir funções de direção executiva. A nova dinâmica da luta política e social, no país, compreende métodos diferenciados de direção que implicam maior intervenção direta nos processos em curso.

Há certas características que precisam ser valorizadas no desenvolvimento dos quadros dirigentes, como: capacidade de incorporação ao trabalho coletivo; compromisso do controle da execução e da prestação de contas das tarefas definidas; prática da crítica e autocrítica, da construção da unidade partidária e do respeito consciente à disciplina partidária; capacidade de iniciativa e esforço para o conhecimento da realidade onde atuam. A experiência e as novas condições de defensiva estratégica em que se dá, hoje, a atuação partidária impõem um cuidado maior com as condições materiais e as dificuldades pessoais por que passam os diferentes quadros dirigentes do Partido. É preciso ter uma política que acompanhe, absorva e responda a certas crises que se manifestam no terreno subjetivo dos mesmos, bem como que estabeleça uma normatização nas condições financeiras e materiais dos quadros que se transformam em funcionários do Partido.

As tarefas ressaltadas de formação dos filiados, militantes e quadros e de intensa participação do Partido na luta de idéias apontam para que se persista no fortalecimento do trabalho ideológico, que empreendeu avanços. A concepção que regeu esta frente é de um sistema único que tem instrumentos que realizam ações para fora e para dentro do Partido. No âmbito da comunicação, destaca-se a criação e consolidação do portal Vermelho na Internet, hoje um dos principais referenciais da esquerda no espaço da comunicação eletrônica. Os programas de rádio e TV, instrumentos da comunicação para milhões, buscaram difundir com eficácia e criatividade a política partidária. O jornal A Classe Operária passou a ser quinzenal, teve sua redação reforçada que atua para melhorar sua qualidade. Todavia, precisa superar o gargalo da circulação via assinaturas. No âmbito da Formação e Propaganda, sublinha-se o relançamento da Escola Nacional de Formação que com sua rede realizou muitas iniciativas. Contudo, é uma tarefa ainda inconclusa que impõe ser consolidada. O Instituto Maurício Grabois (IMG) que elegeu nova diretoria, agregou intelectuais e constituiu seções em vários Estados, está chamado, portanto a materializar seus objetivos. A revista teórica Princípios, que passou a ser bimestral, persevera na busca de sua qualidade editorial, mas seu principal problema é a circulação ainda restrita. Quanto à editora impõe-se enfrentar o desafio de fortalecê-la.

3 – Reforçar a unidade e desenvolver a legalidade partidária, renovando os estatutos

A nova realidade em que atuam os comunistas vem impondo um intenso esforço para ampliar a prática democrática na vida interna do Partido. Nesses últimos 10 anos foram realizados dois Congressos (9º e 10º), duas Conferências Nacionais (8ª e 9ª), dois Encontros Nacionais sobre questões de Partido, além do funcionamento regular do Comitê Central, da Comissão Política Nacional, incluindo também as reuniões extraordinárias para decisões emergenciais. Esta dinâmica vem respondendo à necessidade de construir a unidade política e ideológica no seio do coletivo partidário, num clima da mais ampla liberdade de pensamento e de opinião. Esta prática de profunda democracia interna se dá dentro da compreensão de que não há contradição entre a sua realização e a existência de uma única direção geral e um centro único de direção. O desenvolvimento criativo do centralismo democrático tem como base a convicção de que a unidade de ação do partido revolucionário é um instrumento essencial na luta transformadora da sociedade.

A discussão sobre o fortalecimento e a construção da unidade partidária passou a ter maior relevância no desenvolvimento da vida interna do Partido. Intensifica-se a luta política no país com base na ofensiva da oposição conservadora que cria mecanismos desestabilizadores contra o governo federal para acelerar seu retorno ao poder central. A complexidade da situação traz, em si, certo grau de desorientação na militância. Mais do que nunca se faz necessário desenvolver o mais amplo e livre debate dos problemas atuais, no interior do Partido para consolidar a adesão consciente dos militantes às suas orientações táticas e estratégicas. Num momento como este, a justa política do Partido só ganhará força se for realizada de forma unitária. O desafio é, exatamente, fincar a consciência de que o fortalecimento da unidade partidária é uma das principais condições de sua força e um requisito imprescindível para a disputa pela hegemonia na sociedade.

Passou a ser um tema emergente na estrutura partidária a reafirmação da atualidade do centralismo democrático – obrigatório para todos os organismos, organizações e militantes do PCdoB -, da necessidade de sua aplicação em respeito e compromisso com as decisões do Partido. Em primeiro lugar, pela grande renovação ocorrida com a adesão de novos filiados, em decorrência da expansão do último período. Em segundo, pela necessidade de garantir a unidade de ação do Partido, pois este de forma pública enfrentou a situação de quebra do centralismo democrático, com o voto dissidente de parte da bancada federal, por duas vezes. O fato impactou de forma negativa não apenas o coletivo, como a imagem do Partido junto à sociedade que sempre o diferenciou dos demais partidos pela sua ação unitária. A condução dada no período pelos organismos dirigentes levou em conta as novas circunstâncias políticas surgidas e a necessidade de sua apreensão pela militância. Passado o período, a tarefa atual é estabelecer com mais precisão as normas da construção da unidade partidária às quais devem estar submetidos todos os seus filiados, com especial responsabilidade aqueles que têm cargos ou funções de representação pública.

As normas de funcionamento, materializadas nos estatutos e aprovadas nos fóruns democráticos dos congressos, representam a forma pela qual o Partido se organiza para cumprir suas tarefas táticas e estratégicas. A adesão ao Partido tem como pressuposto a concordância consciente de cada militante. Por isso, as normas estabelecidas não se orientam por um mero exercício de práticas burocráticas de organização, mas pela apreensão da concepção de um partido revolucionário estruturado e da experiência da luta de classe acumulada no período de hegemonia neoliberal, levando em conta, também, as novas formas de resistência ao capitalismo contemporâneo.

Decorrente dessa orientação, o 11º Congresso tem na sua pauta a aprovação de um novo Estatuto que organize a atuação de um partido revolucionário grande, que compreenda a exigência da ruptura para um novo poder político, atuando nas condições presentes de acumulação de forças. O novo Estatuto expressa a variada experiência política realizada pelos comunistas no recente processo brasileiro. Por isso, ele apresenta normas inovadoras para a ação política e social dos militantes, incluindo a ação nas organizações de massa e no exercício de cargos públicos, que respondem às profundas modificações ocorridas. Aprimora os mecanismos de construção da unidade partidária realizada através do centralismo democrático, assentada em ampla liberdade de opinião e na defesa obrigatória das decisões partidárias. O Estatuto atualiza a noção de militância como um fator distintivo da prática partidária em relação aos demais partidos e valoriza os quadros dirigentes como elemento fundamental, articulador da ação militante. O novo Estatuto busca ampliar a institucionalidade, preparando o Partido na sua fase atual de expansão para disputar a hegemonia do processo político e revolucionário do Brasil.

Brasília, 22 de outubro de 2005