Resolução acerca da crise econômica e financeira do capitalismo
1 – O capitalismo passa por uma das mais graves crises de sua existência. Iniciada nos EUA há pouco mais de um ano, com o chamado estouro da bolha imobiliária, a crise atinge agora o sistema, em amplitude planetária, com epicentro na potência imperialista hegemônica. Abarca os setores produtivo e financeiro dos países de capitalismo desenvolvido, traz grandes prejuízos aos povos e trabalhadores de todo o mundo e também sérios transtornos para os países que pretendem o desenvolvimento soberano. Pela sua profundidade e extensão a crise atual poderá abalar ainda mais a atual ordem econômica, financeira e geopolítica mundial, hegemonizada pelos EUA. Ao mesmo tempo, poderá servir de estímulo à luta dos trabalhadores, dos povos e das nações que procuram resistir às pressões do imperialismo, trazendo mais para perto a necessidade de buscar uma alternativa avançada ao capitalismo, o socialismo. A crise atual não é fenômeno episódico. Faz parte da natureza do sistema capitalista, tem caráter estrutural e não pode ser resolvida nos marcos do sistema. A saída de fundo é o socialismo. Esta é a verdadeira alternativa para promover o progresso social e o desenvolvimento nacional.
2 – A crise do sistema capitalista mundial poderá se agravar em 2009. Suas manifestações mais visíveis são as recessões, já reconhecidas oficialmente, nos EUA, em alguns países da Europa e no Japão; a multiplicação de falências ou de pesados prejuízos de bancos e empresas; a queda generalizada dos preços de ativos reais e financeiros tais como petróleo, metais, imóveis, ações; a contração do consumo interno e do volume do comércio entre países; o estrangulamento do crédito, fundamental para o funcionamento do sistema. Nos países da chamada periferia do sistema volta a se agravar o problema da vulnerabilidade externa e da possibilidade de crises cambiais, com as dificuldades referentes às transações correntes de seus balanços de pagamentos. Com isto, já se faz sentir a desaceleração da atividade econômica em vários destes países. Para a América Latina, cuja economia é fortemente influenciada pela força do setor exportador, estão previstas diminuições significativas nas taxas de crescimento, como conseqüência da retração da demanda mundial. De outra parte, a crise manifesta-se através dos efeitos sociais arrasadores que vai provocando mundo afora. Nada menos que 100 milhões de pessoas foram jogadas na situação de pobreza este ano. As taxas de desemprego nos EUA e na Europa crescem rapidamente, quadro comum a várias outras partes do mundo, pois se prevê que mais 20 milhões de pessoas perderão seus empregos em 2009.
3 – Entra em crise também a idéia de que o mercado pode se auto-regular, organizando, criando e distribuindo riqueza para a sociedade como foi tão amplamente apregoado pelos ideólogos do neoliberalismo. É patente o fracasso do modelo neoliberal que promoveu a desregulamentação financeira, a livre circulação de capitais e de mercadorias, as privatizações de empresas públicas, a especulação institucionalizada, a ''flexibilização'' dos direitos dos trabalhadores. Medidas que outras finalidades não tinham que a liberação das amarras para a financeirização do capitalismo. Agora se aceita como natural a ação coordenada, envolvendo trilhões de dólares, que os Estados capitalistas promovem na tentativa de salvação do grande capital e da oligarquia financeira, sempre com o argumento de que, assim, se poderia evitar uma catástrofe. Na verdade, isto implica em transferência de riqueza pública para os bancos e instituições financeiras tendo como resultado maiores déficits do Estado e endividamento da população contribuinte. Assim, tais medidas constituem-se numa agressão a mais aos trabalhadores e ao desenvolvimento nacional. São anti-sociais porquanto têm por objetivo salvar o sistema da bancarrota. Não resolverão os problemas criados pela crise, pelo contrário, poderão até agravá-los. O capitalismo não pode ser reformado num sentido virtuoso.
5 – O Partido Comunista do Brasil avalia que a crise – como expressão dos limites de sustentabilidade e de equilíbrio do modo de produção capitalista – tem causas objetivas que são intrínsecas ao próprio processo de acumulação do capital. As particularidades destas crises devem ser buscadas tendo-se em conta a aplicação das políticas neoliberais que desatou imensa financeirização, características centrais do capitalismo monopolista dos tempos atuais. Volumes inimagináveis de capital fictício – que se apresenta como títulos sobre direitos futuros e também na forma de crédito – atuam intensamente sobre a economia real. De um lado, por mais que se aumente a exploração dos assalariados, não se pode extrair no sistema produtivo capitalista a massa de mais-valia suficiente para satisfazer as expectativas estratosféricas de lucros embutidas nos papéis do mercado futuro; de outro lado, na forma de crédito, gera um círculo ascendente de dívidas privadas e públicas, para servir à especulação, através da multiplicação de títulos e derivativos. Acontece que, com a correspondência cada vez mais longínqua entre capital produtivo e capital portador de juros, este último, e seus detentores, ficam também extremamente vulneráveis. Ainda mais que a esfera produtiva capitalista é periodicamente afetada pela ação da tendência à queda da taxa média de lucros. Há, em síntese, um quadro de superprodução relativa e de sobreacumulação de capitais, fenômenos fundamentais das crises.
6 – A crise em curso impacta profundamente as relações de poder no sistema internacional. Desenvolve-se num mundo em transição. Irrompe precisamente nos mecanismos e políticas que marcaram o movimento de fortalecimento da hegemonia americana no mundo nos anos ’70 e ’80, com destaque para a liberalização dos mercados monetários e financeiros globais dominados pelo dólar. Na assim chamada periferia do sistema há atualmente uma situação bem diferente, pois ali estão os principais atores – alguns se transformando em potências de influência regional ou mundial, como no caso da China socialista – que podem atuar como contra-tendência à devastação emanada dos países capitalistas centrais. O fato de terem alcançado certo nível de desenvolvimento, de ali se situarem importantes fontes de matérias-primas e de energia, de terem conquistado um patamar de menos vulnerabilidade diante dos ricos, cria a possibilidade de que se construam parcerias estratégicas, desenvolvendo os seus mercados internos e fomentando o intercâmbio comercial entre eles, configurando-se em uma alternativa própria. Desta maneira, a crise poderá agravar e aprofundar as contradições que levam ao declínio e à decadência da hegemonia unipolar dos EUA, acelerando a passagem a uma nova ordem, uma nova época.
7 – Com o desenvolvimento da crise do sistema capitalista, a luta política e ideológica se coloca em outro patamar no mundo de hoje. Pode-se esperar o aumento das tensões e disputas internacionais, com derivas ao autoritarismo e ao neofascismo – das quais não se pode descartar a possibilidade da guerra -, pois a solução típica do imperialismo busca jogar o ônus da crise nas costas dos trabalhadores de todo o mundo, intensificando a exploração, oprimindo ainda mais os povos, pilhando países e promovendo o protecionismo. Simultaneamente a isto, e necessariamente depois da destruição de grande volume de forças produtivas, os Estados capitalistas poderão conduzir a uma maior regulação do sistema financeiro, procurando saídas econômicas que preservem a essência do sistema, como já se pode assistir em várias ocasiões precedentes semelhantes.
8 – Porém, o imperialismo dos EUA, não está agora em condições de impor uma solução unilateral à crise, através da construção de uma nova arquitetura do sistema financeiro, monetário e cambial internacional, que submetesse os povos e países a um modelo em função de seus únicos interesses. A cúpula internacional marcada para meados de novembro em Washington refletirá uma renhida luta política em âmbito mundial. As potências capitalistas buscarão produzir uma solução favorável a elas. Cabe aos países em vias de desenvolvimento unir-se, neste e noutros eventos, para proteger suas economias, reafirmar suas soberanias e defender os interesses de seus povos e a paz mundial. No âmbito de cada país, a luta dos trabalhadores e dos povos amplia a perspectiva por uma solução que negue o capitalismo atual, abrindo caminho para um tempo de transição rumo a uma nova formação econômica e social, o socialismo.
9 – Apesar da crise não ser brasileira na origem o Brasil poderá ser afetado negativamente por ela. A medida em que isto se dará dependerá do grau de empenho do governo em defender o país, assim como do nível de mobilização popular para impedir que os trabalhadores arquem com o ônus de seus efeitos perversos. Durante os últimos cinco anos o Brasil navegou numa situação internacional de relativa estabilidade, conseguindo sob o governo Lula recuperar os estragos feitos pelas crises de 1999 e 2002. Neste quadro foi possível que, mesmo adotando uma política econômica de caráter híbrido – desenvolvimentismo convivendo com conservadorismo na política macroeconômica – o país voltasse a crescer a taxas medianas, gerando com isto milhões de novos empregos. O país tornou-se menos vulnerável e menos infenso às orientações do FMI. Fortaleceu seu potencial energético estratégico com as novas descobertas de petróleo e gás. Conseguiu estabelecer um razoável nível das reservas internacionais, assim como aproveitar melhor o potencial de capitalismo de estado – financeiro e produtivo – que escapou à onda privatizante dos tempos neoliberais. Isto se configurou, sobretudo no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Por outro lado, o país diversificou os destinos de suas vendas e origens de suas compras internacionais tornando-se menos dependente da via comercial dos países ricos. Isto se deu com a participação ativa na construção da integração continental e com assemelhados de outros continentes. Estes avanços devem ser tanto mais valorizados, pois se deram ao meio de acirrada luta política com os conservadores em geral.
10 – A rigor, o Brasil só agora começa a ser atingido mais seriamente pela crise do sistema capitalista. Iniciou-se o processo da fuga de capitais, os índices da Bovespa têm apresentado acentuada tendência à baixa, assim como há indícios de queda na atividade industrial e de contração do crédito privado. Há empresas e bancos brasileiros em dificuldades. A situação, no entanto se agrava e é consensual o prognóstico de diminuição significativa do crescimento para 2009. Para enfrentar esse quadro ameaçador o governo tem tomado medidas no sentido de desobstruir as vias pelas quais circula o crédito para empresas, para exportação, entre os bancos e para consumidores. Algumas destas medidas têm encontrado resistência no próprio sistema bancário que não repassa ao crédito as facilidades referentes aos depósitos compulsórios. O sistema procura solucionar suas dificuldades através de uma ainda maior monopolização do capital bancário privado. De sua parte, o governo tem agido para fortalecer o sistema financeiro público e insistido na criação do fundo soberano do Brasil com o qual poderia agir mais firmemente contra as especulações cambiais. Tem buscado aprovar lei que permita aos bancos públicos estatizarem bancos privados e empresas de construção civil. Tem procurado apressar a integração regional no continente sul-americano, assim como tem intensificado as articulações intercontinentais com países assemelhados. Estas iniciativas positivas merecem apoio do Partido Comunista do Brasil.
11 – Contudo, há vulnerabilidades a superar. As preocupações maiores vêm da elevação do déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos que, se não for contido, poderá produzir uma crise cambial. Da mesma forma, a política macro-econômica, monetária e cambial, sob a responsabilidade do Banco Central do Brasil, é de natureza ortodoxo-liberal, tem dificultado maior crescimento do país, estimulado a especulação e tem feito com que a dívida pública se mantenha em níveis extremamente altos. A elevadíssima taxa de juros adotada não se justifica, sobretudo agora, com a perspectiva de desaceleração da atividade econômica. Por isto, o Partido Comunista do Brasil se empenhará para que:
Se concentre nas medidas políticas, econômicas e sociais que possam alargar e fortalecer a demanda interna, a economia nacional e o Estado nacional;
O sistema financeiro público seja fortalecido, mais integrado e coordenado, como um pólo de crédito imprescindível à elevação da taxa de investimentos, concentrados em infraestrutura, elemento central do desenvolvimento nacional;
Se faça uma clara demarcação com os especuladores e rentistas, que prejudicam o desenvolvimento do país; por isto, é necessária a adoção de medidas efetivas de controle seletivo das entradas e saídas de capitais do país, a adoção de limites às operações cambiais em mercado futuro, tornando-as mais onerosas, assim como a adoção de restrições às operações cambiais no mercado à vista;
Seja adaptada a atual legislação que regula as remessas de lucros e dividendos ao exterior às novas condições criadas no país pelo efeito da crise financeira internacional;
A política monetária e cambial seja revertida, com a adoção gradativa de taxas de juros significativamente mais baixas e com a administração das flutuações da taxa de câmbio;
Seja mantido o acordo feito entre o governo e as centrais sindicais, para que, no reajuste do seja adotado como índice a taxa de crescimento do PIB acrescido da variação do IPCA, para o seu reajuste anual;
Sejam adotadas medidas de defesa do emprego, de preservação dos direitos trabalhistas e previdenciários;
Seja aprovada uma reforma tributária orientada pelo princípio da progressividade e da justiça social.
12 – O Partido Comunista do Brasil avalia que há grandes e conflitantes interesses econômicos e políticos em torno do tratamento das repercussões da crise internacional sobre o Brasil. De forma nenhuma concorda com propostas conservadoras que impliquem em interrupção do Programa de Aceleração do Crescimento/PAC, que se voltem para cortes dos programas sociais, ou que levem a um aumento do desemprego e a reduções salariais dos trabalhadores. O PCdoB se pauta pela defesa e consecução efetiva de um projeto de desenvolvimento nacional soberano, democrático e de valorização da força de trabalho, de ênfase na integração soberana da região. Esse é o caminho para se alcançar o objetivo maior do Partido – a transição ao socialismo.
São Paulo, 9 de novembro de 2008
O Comitê Central do Partido Comunista do Brasil