Nota CPN: Por um acordo de paz na Ucrânia
Por um acordo de paz na Ucrânia
Com relação ao conflito armado na Ucrânia, o PCdoB está mais uma vez ao lado da paz mundial e contra as guerras. Entendemos que a resolução negociada de conflitos deve ser o princípio basilar das relações internacionais. Todos os esforços neste momento devem ser focados em encontrar os caminhos para colocar fim às hostilidades e viabilizar um acordo de paz que atenda às legítimas preocupações de segurança de todas as partes envolvidas, o que exige a manutenção da condição de neutralidade em relação a blocos militares assumida pela Ucrânia desde a proclamação da sua independência.
Ao defender a paz, somos conscientes de que a construção de um ambiente pacífico mundial é incompatível com um mundo dominado pela lógica agressiva e expansionista do imperialismo e que só poderá ser superado com um novo balanço de forças mundial, em que o futuro da humanidade possa ser tratado como um desafio compartilhado por todas as nações.
A Ucrânia se transformou em palco de um conflito armado que intensifica e acelera a profunda transição em curso na ordem mundial. Para além das particularidades do conflito entre Rússia e Ucrânia, que perdura desde 2014 e entra agora na sua fase mais dramática, militar e armada, ocorrem uma série de outros desenvolvimentos que definem os contornos de uma guerra mais ampla. Eles se dão principalmente no plano econômico e midiático, enquanto o plano diplomático e das negociações políticas encontra-se neste momento refém do embate geopolítico mais importante desde o fim da guerra fria.
A origem desse conflito foi o expansionismo dos EUA por meio da OTAN, que vem realizando uma política de cerco progressivo da Rússia há duas décadas, começando pela integração de ex-repúblicas soviéticas a esse tratado militar, o que ameaça diretamente as fronteiras e a segurança nacional da Rússia. O anúncio de que a Ucrânia reativaria seu programa nuclear e o iminente ingresso do país na OTAN, o que possibilitaria os EUA instalar bases militares e armas nucleares na fronteira russa, realizou a mudança de chave de um conflito diplomático para um conflito armado.
O ano de 2014 é marco importante, pois foi em fevereiro deste ano que o presidente ucraniano Viktor Yanukovych foi derrubado em um contexto de pressão para a assinatura de um acordo de adesão à União Europeia, e cuja suspensão gerou a Revolta de Maidan. A revolta foi claramente apoiada pelos EUA, além de ser progressivamente dominada por grupos paramilitares de extrema-direita e neonazistas, que cometeram atrocidades como incêndio de sindicatos, perseguição de parlamentares comunistas e assassinato de civis ligados à esquerda ucraniana.
Tais grupos nazistas se aproveitaram de uma revolta social construída a partir da divisão da população civil sobre as condições do ingresso do país na União Europeia, além de insatisfações com o governo e demandas sociais reprimidas. Nesse ambiente, entrou em jogo a guerra híbrida de múltiplas dimensões e as tensões entre Rússia e OTAN foram parar no centro dos protestos. No desdobramento dessa polarização e tensão, o território da Crimeia foi reincorporado à Rússia, após a realização de um referendo popular que deu amplo apoio à reintegração e o uso de força militar, para impedir o acesso da OTAN ao importante porto de Sebastopol.
Foi nesse contexto das revoltas de 2014 que, no leste ucraniano, majoritariamente composto por russófonos e descendentes russos, as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk foram proclamadas. Naquele momento, a Rússia não reconheceu as repúblicas e foram iniciadas as negociações entre Kiev, Rússia, Alemanha e França em torno dos acordos de Minsk. O não cumprimento desses acordos, divididos em duas partes (Minsk I e II), por sabotagem do ocidente, está na raiz da atual operação militar realizada pela Rússia em território ucraniano. Esse fato veio se somar à política de cerco progressivo da Rússia pelas potências ocidentais nas duas últimas décadas, especialmente com a integração de ex-repúblicas soviéticas à OTAN, minando a área de influência russa e ameaçando diretamente suas fronteiras e segurança nacional.
De 2014 até 2022, o que se viu foi um agravamento da tensão na região do Donbass, com o genocídio de pelo menos 14 mil pessoas por forças armadas ucranianas ou milicias neonazis. Neste período, mesmo com as diferenças e acusações de parte a parte entre eles, tanto o governo do presidente ucraniano Poroshenko (2014-2019), quanto o do presidente Zelensky (2019 – hoje), trilharam um caminho de aproximação com o ocidente, especialmente com os EUA, a OTAN e líderes da União Europeia. Enquanto isso, a Rússia foi duramente sancionada economicamente por ter reintegrado a Crimeia ao seu território, mas ainda assim conseguiu contornar as tentativas de isolamento e desestabilização através de projetos comuns com a Europa, dos quais se destaca o gasoduto Nord Stream 2 com a Alemanha.
Todos esses eventos se deram em um período de aceleradas mudanças na ordem mundial. O acentuado declínio da hegemonia dos EUA tem dado sinais importantes dessa transição em curso, com acentuadas tendências de multipolarização, sustentada em uma revolução de base econômica e material na região asiática, com destaque para a ascensão fulgurante da China socialista. O novo governo democrata, encabeçado por Joe Biden, em seu primeiro ano de mandato, deixou ainda mais evidentes as iniciativas dos EUA de subordinação da Europa e fortalecimento da OTAN, quando já não existe a mínima justificativa para sua existência, bem como a tentativa de neutralização da parceria Rússia e China, para a qual a atual guerra em curso joga importante papel.
Os EUA são inegavelmente parte fundamental da guerra em curso. Ao se consolidarem como agentes determinantes na sabotagem à implementação dos acordos de Minsk; no estímulo e execução de uma evidente expansão da OTAN rumo às fronteiras russas; na instrumentalização de governos ucranianos para cercar a Rússia; nas dificuldades criadas para que outros atores, como líderes europeus, pudessem atuar na mediação do conflito; ao criar o maior bloqueio econômico da história, inclusive com bloqueio de reservas soberanas no exterior, contra a Rússia; estimular a russofobia, já bastante presente na Europa; além de promover a vilanização da Rússia e do governo Putin via mídia. Trata-se de uma tentativa desesperada do imperialismo de manter seu poderio mundial, alimentar sua indústria armamentista, manter o discurso do inimigo externo para coesão interna e neutralizar a emergência inconteste da China como um ator fundamental para a sobrevivência do multilateralismo e o estabelecimento da paz mundial.
O mundo encontra-se mais uma vez diante de um cenário de uma guerra na Europa, o que mobiliza corações e mentes de uma forma impressionante, pois vivemos mediados por uma comunicação social mundial centrada nos EUA e na Europa. A mesma sensibilização está longe de ocorrer em relação a outros mais de 20 conflitos armados em curso no planeta, dos quais se destacam a situação no Iêmen, Somália, Nigéria, Síria, Mianmar e Palestina ocupada. É importante se posicionar pelas saídas diplomáticas e negociadas para todos esses conflitos e o PCdoB reafirma sua defesa da paz, da não intervenção, da autodeterminação dos povos e do princípio da integridade territorial de todos esses Estados.
Brasília, 24 de março de 2022.
Comissão Política Nacional
Partido Comunista do Brasil