O Comitê Central do Partido Comunista do Brasil reuniu-se no último dia 2 de agosto, em São Paulo, para cumprir uma de suas responsabilidades, estabelecida pelo Estatuto do Partido no artigo 29, indicativo de que a ele compete dirigir a bancada federal de parlamentares. Nesse sentido, debateu e decidiu o voto do Partido referente ao relatório da reforma da Previdência, em fase final de deliberação no plenário da Câmara dos Deputados. A decisão tomada — por 47 votos a 3 e 1 abstenção —, foi pelo voto favorável da bancada comunista ao relatório do deputado José Pimentel (PT-CE), explicitando-o como um voto de dimensão política de apoio ao governo Lula, e reiterando as divergências do PCdoB quanto à oportunidade e ao teor dessa reforma. Nesta reunião do Comitê Central (CC) participaram todos os integrantes da bancada que estão no exercício de seus mandatos.

Essa posição do Comitê Central foi encaminhada pelos comunistas na Câmara Federal, tendo sido proclamada pelo líder da bancada em declaração de voto. Contudo, na votação ocorrida no plenário, no dia 6 de agosto passado, ao contrário do que sempre se deu ao longo dos anos, a bancada não votou unida. Quatro parlamentares: Sérgio Miranda, Jandira Feghali — estes dois membros do Comitê Central —, Alice Portugal e Afonso Gil, votaram em oposição a uma decisão democraticamente tomada pelo órgão superior de direção do Partido, o Comitê Central.

O resultado é que o Partido apresentou-se dividido, acontecimento que causou indignação da militância e estranhamento da opinião pública que sempre admirou a coesão do PCdoB. Essa justificada consternação expressa a sadia compreensão de que os mandatos parlamentares do PCdoB, conquistados pelo prestígio de sua legenda e política, bem como do trabalho generoso de sua militância, pertencem ao Partido, não podendo ser utilizados para debilitá-lo.

Confrontando a atitude desses parlamentares com o Estatuto do Partido salta aos olhos que eles infringiram várias normas partidárias, transgrediram o próprio princípio diretor da organização do Partido, o centralismo democrático. O artigo 9º dispõe sobre os deveres dos membros do Partido, entre os quais destaca-se: "salvaguardar, por todos os meios, a unidade do Partido como principal condição de sua força; aplicar as decisões do Partido; observar a disciplina do Partido, igualmente obrigatória para todos os membros, independentemente de seus méritos ou dos cargos que ocupem".

No caso concreto é patente a violação de cada um desses deveres. Se eles são obrigatórios para cada militante, o rigoroso zelo a eles por parte dos dirigentes, sobretudo dos membros do CC e dos que exercem mandatos parlamentares, se faz ainda mais imperativo, uma vez que o desrespeito a essas normas por parte de camaradas que exercem funções e responsabilidades desse porte provoca prejuízos ainda maiores. E foi exatamente o que aconteceu. Ao desconsiderarem uma decisão do CC, esses 4 membros da bancada causaram prejuízos à imagem do Partido, à sua unidade e ao seu processo de direção, trazendo como conseqüência o enfraquecimento político do Partido e de sua atuação no rumo da linha deliberada pela 9ª Conferência.

Já o artigo 10º, ao discorrer sobre os direitos dos membros do Partido, assegura a cada um a participação nas discussões e decisões nas instâncias a que pertencem acerca do conjunto das questões da vida e da ação política do Partido. Neste processo de tomada de decisão as opiniões são apresentadas "de forma livre e responsável". O desfecho deste método de elaboração coletiva é arbitrado pela norma básica de que as decisões da maioria são acatadas, cumprem-se decisões do coletivo mesmo que delas se divirja. Na questão em exame, esses direitos foram largamente garantidos e assegurados. Até porque o PCdoB passa por um período de aperfeiçoamento crescente de sua democracia interna, de que foi prova máxima a realização da 9ª Conferência Nacional. Suas decisões, cada vez mais, são fruto da elaboração coletiva.

Concretamente, a decisão do Comitê Central sobre a reforma da Previdência foi um exemplo desse método. Ela foi antecedida de inúmeras reuniões da bancada comunista, de 4 sessões da Comissão Política Nacional e 2 do próprio Comitê Central. Foi decorrência de uma reflexão amadurecida, esculpida por todos e com base na política traçada pelo coletivo na 9ª Conferência e nas resoluções específicas do CC sobre o tema.

Compreende-se a existência de discrepâncias e opiniões conflitantes no debate sobre uma matéria complexa como esta, mas não é admissível que seja infringida a lei maior da organização do Partido, o centralismo democrático. Como demonstração dessa abertura — de se levar em conta opiniões diferentes —, a resolução do CC, mesmo reafirmando que por princípio a posição do Partido é uma só e que essa posição deveria ser externada pela liderança da bancada, pela primeira vez admitiu que os parlamentares fizessem um tipo de declaração de voto, tornando pública uma opinião pessoal distinta sobre o assunto.

No caso da taxação dos servidores "inativos" chegou-se ao extremo da flexibilização de se liberar o voto da bancada. Tudo para que na votação principal (sobre o relatório do deputado Pimentel) a bancada votasse unida, uma vez que sobre essa matéria havia uma explícita decisão do CC. Mas este e outros gestos do CC e da Presidência do Partido, no âmbito de um esforço múltiplo de o Partido não se apresentar dividido, foram desprezados por esses parlamentares.

Não houve nada que os demovesse da determinação de proclamar o voto dissidente. Optaram por violar a ética comunista de respeito à sabedoria e às decisões do coletivo, ao preceito de que a minoria segue a maioria. O debate de idéias e opiniões necessário para o Partido construir coletivamente seus caminhos, suas orientações políticas, foi conspurcado por essa atitude. A enriquecedora luta de idéias se dá nos marcos das regras e dos princípios partidários. Estes camaradas, uma vez na condição de defensores de uma posição minoritária, resolveram impô-la ao coletivo por via da indisciplina, colocaram a divergência acima do próprio compromisso com as normas do Partido. E a resultante é que os seus posicionamentos pessoais se sobrepuseram a uma decisão legitimamente construída e deliberada pelo Partido.

O desrespeito destes parlamentares ao centralismo democrático sob nenhum argumento se justifica, conflita-se e nega a elevada democracia interna que o coletivo militante está a construir. Contudo, essa construção terá continuidade. As ricas elaborações da 9ª Conferência Nacional são a demonstração da fertilidade dessa democracia. O PCdoB foi o único partido da esquerda brasileira que convocou o conjunto de seus militantes para, coletivamente, elaborar sua política face ao desafio de garantir a vitória do governo Lula na condução das mudanças. Este episódio negativo não fará o PCdoB recuar de seus métodos e propósitos políticos.

A vida partidária continuará sob esse ambiente partidário de ampla democracia interna e debate de idéias, ambiente próprio e apropriado a esta etapa inédita da vida nacional na qual as forças avançadas ainda amadurecem suas elaborações quanto ao melhor caminho para consolidar a vitória alcançada. Este cenário interno marcado por um esforço de elaboração de cada militante contribuirá para o Partido desvendar soluções aos problemas novos que eclodem dessa realidade inédita.

Todavia, a longa história do PCdoB e dos comunistas nos diversos países ensina que a democracia partidária em partidos comunistas não se confunde com anarquia, com ausência de normas e princípios, que só trazem instabilidade e divisão. Ele tem o objetivo de fortalecer o Partido; e fortalecê-lo significa um PCdoB com unidade de ação política, o que exige uma disciplina consciente. Se a disciplina é desrespeitada, o Partido debilita-se e não consegue cumprir suas tarefas históricas. O que se fez ao externar o voto dissidente foi violar essa disciplina que é o cimento da construção partidária.

Face ao apresentado e pelo que ordena o artigo 11 — de que rigorosamente não se deve permitir atividade desagregadora no seio do Partido e que sua unidade política e de ação devem ser defendidas —, e considerando ainda que cabe sobretudo ao Comitê Central e suas instâncias serem os maiores guardiões da unidade do Partido, a Comissão Política Nacional toma as seguintes decisões:

1. Instaurar um processo disciplinar referente ao flagrante desrespeito às normas partidárias praticado pelos parlamentares Sérgio Miranda, Jandira Feghali, Alice Portugal e Afonso Gil. Caberá ao Secretariado do CC a instrução desse processo.

2. Com base nesta instrução e de acordo com o artigo 12 do Estatuto, a Comissão Política Nacional proporá ao CC as medidas disciplinares pertinentes.

3. Conforme também estabelece o Estatuto, os camaradas já nomeados estão notificados, por esta Resolução, das faltas a eles imputadas, sendo-lhes assegurado amplo direito de defesa nos termos estatutários.

4. No prazo máximo de 50 dias, o Comitê Central deliberará sobre o processo disciplinar oriundo desta reunião da Comissão Política Nacional.

A Comissão Política Nacional reitera a conclamação feita pelo presidente do Partido, Renato Rabelo, à militância e ao conjunto das organizações partidárias de salvaguardar a unidade partidária, mantendo-nos coesos em torno da justa política traçada pela 9ª Conferência Nacional. Dessa maneira, o PCdoB continuará em crescimento e expansão, em ascendente conquista de respaldo dos trabalhadores e do povo brasileiro.

A Comissão Política Nacional do PCdoB

São Paulo, 9 de agosto de 2003.