Completar a obra da Independência do Brasil
No transcurso do Bicentenário da Independência, o PCdoB, que tem um século de lutas em defesa do Brasil, celebra a longa jornada do povo brasileiro, da Nação e da classe trabalhadora, para construir e conquistar, em perspectiva, a Independência plena do país. O imperialismo e os setores das classes dominantes a ele subjugados, traidores da pátria, hoje atuam tal como fizeram ao longo da história: golpeiam e tentam travar os processos de avanço da soberania nacional. Mas as lições do Bicentenário indicam que o movimento para fortalecer a Nação é irrefreável: uma vez barrado, assim com um rio caudaloso e jovem, rompe as amarras e segue avante. Apesar das adversidades do presente, o PCdoB, como afirma seu Programa, está convicto de que o Brasil poderá se tornar, nas próximas décadas, não sem muita luta, um país dos mais prósperos do conjunto das nações: soberano, democrático, socialista e defensor de um mundo de paz e solidariedade.
I – A independência incompleta
Desde o século XVI, quando chegaram os portugueses, houve luta contra os brutais arbítrios da colonização. A resistência às forças externas levou à organização de populações originárias, localizadas no que hoje é o litoral do Sudeste brasileiro, numa conglomeração militar de diversas tribos que passou para a história como Confederação dos Tamoios (1554-1567). Em seguida, pode-se incluir a luta, de várias formas, de negras e negros africanos/as contra a escravidão, das quais o Quilombo de Palmares foi o grande símbolo. No século seguinte, quando a Holanda tentou conquistar parte do território de domínio português, houve, entre 1648 e 1649, a Batalha dos Guararapes, que reuniu brancos, negros e índios, com um plano militar comum para expulsar os holandeses.
Já no século XVIII, com a crise do sistema colonial, ocorreram mudanças substanciais. Portugal teve sua soberania atacada com o Tratado de Methuen que atrelava sua economia à da Inglaterra, e consequentemente suas colônias – entre elas o Brasil – passaram à órbita de influência do Império Britânico. E, então, por consequência direta da pressão inglesa sobre Portugal, foi editado o decreto de 1785, expedido pela rainha Dona Maria I, ordenando o fechamento das fábricas na colônia. Nesse período, houve a crise do ciclo do ouro, o metal precioso que havia promovido a integração econômico-territorial da colônia, ao estabelecer relações comerciais entre a região mineira e todas as demais partes do território.
Já sob influência das ideias avançadas do iluminismo, a Inconfidência Mineira (1789) surgiu como reação ao fechamento das fábricas e se fortaleceu com a crise da derrama. Fez parte da luta pela emancipação o programa de cinco pontos formulado pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, para construir a Nação brasileira: independência, república, abolição, industrialização e instrução pública; ele também foi a principal liderança do movimento.
Mesmo após o enforcamento de Tiradentes e o acirramento repressivo da metrópole, surgiram revoltas ainda mais radicalizadas em diversos pontos do território. E, dentre os levantes de caráter emancipador, destacam-se a Revolução dos Alfaiates (1798) na Bahia – que continha uma plataforma republicana – e a Conspiração dos Suassunas (1801) em Pernambuco.
Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil, em 1808, fugindo da ameaça das tropas napoleônicas de invadir Portugal, a luta pela independência estava avançada. Em resposta à pressão pela Independência, o príncipe regente dom João instalou uma infraestrutura burocrático-militar que dava sustentação ao governo do Império Português sediado no Brasil, mas, ao mesmo tempo, contraditoriamente reforçava as tendências independentistas que cresciam na colônia, como, por exemplo: abriu os portos para o comércio internacional, fundou o Banco do Brasil, criou a Biblioteca Nacional, a Escola de Engenharia, entre outras medidas estruturantes. Em 1815, dom João elevou o Brasil à categoria de reino (integrado ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve) e revogou o decreto que proibia as fábricas. Quando retornou a Portugal, em 1821, dom João VI, já rei, nomeou seu filho dom Pedro como príncipe regente do Brasil.
Chegavam ao país, para engrossar o caldo de libertação que banhava o território, notícias sobre a Revolução Americana (1776) e a crise do absolutismo francês, que culminou na Revolução Francesa; eventos que inspiraram a luta pela independência. Concomitantemente, na América Espanhola também ocorriam longos processos de ruptura com as metrópoles europeias que se efetivaram nas duas primeiras décadas do século XIX.
Foi nesta situação que a Corte portuguesa exigiu o retorno de dom Pedro a Portugal, como já fizera com seu pai. Dom Pedro decidiu permanecer no Brasil e, a 7 de setembro de 1822, por meio do grito do Ipiranga, declarou a independência do país, mas as forças portuguesas não aceitaram a ruptura e empreenderam diversas batalhas pelo país com o intuito de restauração da velha ordem. A resistência teve caráter armado e popular com destaque para a Batalha do Pirajá (1822, BA); a Batalha do Jenipapo (1823, PI); a Batalha de Itaparica (1823, BA); a Batalha do 4 de maio (1823, BA); e finalmente a expulsão de maior significância, o Dois de Julho baiano, que coroou a independência. Dessas lutas participaram diversas camadas do povo, e em especial algumas mulheres de imensa coragem e patriotismo, como as baianas Maria Quitéria e Joana Angélica, bem como a negra lendária Maria Felipa que contribuiu substantivamente para a expulsão de portugueses.
Em alguma medida, a ruptura política foi produto da articulação das classes dominantes, mas a empreitada não teria sido concluída sem a luta do povo pela expulsão das tropas portuguesas e a consolidação da Independência. O elemento de atraso, que manteve o país em rota de retrocesso e que se expandiu após a independência, foi a escravidão.
Do ponto de vista da unidade política interna, a Independência uniu praticamente todos os setores nacionais, cabendo papel decisivo às camadas médias urbanas. E teve como líder maior e grande estrategista o pensador, engenheiro e político José Bonifácio de Andrada e Silva, principal conselheiro e ministro de dom Pedro.
A Independência, mesmo que tenha sido uma ruptura parcial com o pacto colonial – devido a dominação portuguesa ter sido substituída em grande medida pelo domínio britânico –, marcou a primeira viragem na construção do país e na formação do povo brasileiro.
A construção do Estado Nacional
A vitória militar sobre as tropas portuguesas não seria suficiente para garantir a independência permanentemente, então, dom Pedro, já entronado imperador, instalou – ainda durante as jornadas armadas, em maio de 1823 – a primeira Assembleia Nacional Constituinte; momento da inauguração do poder legislativo do país. Mas, em virtude de os deputados constituintes terem aprovado um texto que contemplava a redução dos poderes do Imperador, dom Pedro fechou o parlamento e outorgou a Carta Magna em 1824. A primeira Constituição brasileira mantinha a estrutura social vigente (escravocrata, baseada no latifúndio monocultor) e impedia a grande maioria do povo de participar da vida política, seja pelo voto, seja por livre organização em partidos, seja por outros tipos de agrupamento.
Mas a jovem nação estava ameaçada de ser pulverizada, como tinha acontecido com a América de língua espanhola. E, de 1817 a 1848, ocorreram rebeliões no Brasil inteiro. Chocaram-se violentamente as contradições entre a tendência à centralização promovida pelo governo central e a demanda de maior participação política dos interesses regionais. Nesse sentido, ainda antes da Independência, ocorreu a Revolução Pernambucana (1817) e, logo depois da outorga da Constituição, a Confederação do Equador (PE, 1824), com a pauta da instalação da República, e seu principal líder, Frei Caneca, foi preso e executado. E também se realizaram outras lutas por todo o território: a Revolução Farroupilha (RS, 1835-1845); a Balaiada (MA, 1838-1841); a Cabanagem (PA, 1835-1840); e a Revolução Praieira (PE, 1848). Terminadas essas guerras, o governo central garantiu a integridade territorial do país e o processo da independência seguiu seu curso. Foi alterada a hegemonia de classe, quando a oligarquia escravocrata agroexportadora instalou-se no poder, substituindo a classe dominante portuguesa, mas a independência política não se reverteu em independência econômica, ao inserir-se de forma subordinada na divisão internacional do trabalho, fortalecendo, assim, os interesses anti-industriais pró-Inglaterra. A resistência se impôs com o incentivo da indústria brasileira e o equilíbrio da balança comercial, a Tarifa Alves Branco (1844).
A edificação da Nação prosseguiu sob forte luta social de caráter popular e construção da base material do país. Um dos principais vetores dessa edificação foi a longa e tenaz luta dos/as negros e negras escravizados/as que, retomando a luta de Zumbi dos Palmares, prosseguiram sob a direção da Confederação Abolicionista, liderada por José do Patrocínio. Essa longa resistência veio a sagrar-se vitoriosa em 1888 com a Abolição da escravidão. Essa resistência é comemorada até os dias de hoje em todo o território nacional, inspirando as jornadas contemporâneas dos/as negros e negras pela igualdade de direitos, contra o racismo e outras heranças nefastas de mais de trezentos anos de escravidão.
A seguir, com a crise do regime monárquico, acirrada pelo debilitamento de suas bases sociais (a oligarquia escravocrata) que resultou da Abolição, foi conquistada a República. A luta pela República já vinha desde antes, particularmente desde a década de 1870, quando se criou o Clube Republicano no Rio de Janeiro, que deu origem ao Partido Republicano, protagonizado pelas camadas médias urbanas, e o Partido Republicano Paulista, fundado pela oligarquia cafeeira.
Esta nova oligarquia cafeeira que passa a recorrer ao trabalho assalariado em grande escala, na segunda metade do século XIX, formou-se no processo de deslocamento do eixo econômico para o Sudeste do país, a região do café. A crescente demanda de café no mercado mundial incentivava uma forte expansão da produção, com uma intensa demanda de força de trabalho. Mas teve a sua oferta limitada pela suspensão do tráfico de escravos e o esgotamento da transferência de escravos do Nordeste para a região cafeeira. Os cafeicultores recorreram à imigração europeia, fortalecendo a tendência ao desenvolvimento do capitalismo no país. E essa produção de praticamente um único produto para exportação reforçou os laços de dependência com a Inglaterra. Mas, apesar disso, a economia cafeeira experimentou um forte crescimento na segunda metade do século XIX; no entanto, a persistência do intercâmbio desigual e a deterioração de seus termos, típicas de uma economia primário-exportadora, foram acumulando déficits e dívida externa crescentes.
O enfrentamento à subordinação ao imperialismo
O marechal Deodoro da Fonseca e o marechal Floriano Peixoto presidiram, entre 1889 e 1894, o primeiro governo da República. Os ministros da Fazenda, o jurista Ruy Barbosa e o general Serzedelo Correa adotaram uma política de desenvolvimento da industrialização.
Mas esse programa industrializante foi paralisado quando Prudente de Moraes, representante da burguesia agrária paulista, assumiu a presidência em 1894. Campos Sales, que tinha como ministro da Fazenda o ultraliberal e subserviente aos interesses ingleses, Joaquim Murtinho, agravou mais ainda essa situação. Seu mandato e o dos próximos estiveram a serviço da consagração da economia agroexportadora. Ao mesmo tempo, na medida em que o país exportava café e importava produtos manufaturados da Inglaterra, onde também contraía empréstimos para financiar a produção e comercialização do café, reforçava a subordinação ao imperialismo inglês.
O Império era o regime da oligarquia escravista. Na República, com a ascensão de Prudente de Moraes, a burguesia agrária paulista assumiu o comando do Estado e criou condições para um mais aprofundado desenvolvimento capitalista, desde que se concentrasse no campo. Foi um dos momentos em que predominou a economia agroexportadora que repelia qualquer crescimento da indústria brasileira.
Com a produção cada vez maior de café – a ponto de a produção exceder a demanda do mercado mundial –, a burguesia agrária paulista aprovou o Acordo de Taubaté (1906), mediante o qual os governos estaduais tinham autorização para tomar empréstimos e, assim, podiam comprar excedente de café e valorizá-lo no mercado internacional. Dessa forma, para manter os privilégios da burguesia cafeeira, o país se endividava cada vez mais.
A Primeira Guerra Mundial deu um novo estímulo para a indústria brasileira que se viu fortalecida pelas dificuldades de importação. Foi o momento de criação de algumas políticas que incentivavam a indústria local e deram fôlego para um projeto industrializante.
As contradições da economia agroexportadora e dependente vieram a se manifestar claramente na década de 1920 nos elevados níveis de desemprego urbano decorrente da urbanização sem indústria; na pressão inflacionária produzida, sobretudo pela escassez de oferta de produtos agrícolas para o meio urbano; no retrocesso da indústria engendrado pelo livre comércio e pela adversidade do governo; e no estrangulamento das contas externas provocado pelo aumento da importação de produtos industriais e do endividamento externo.
As importantes lutas travadas na década de 1920 são expressão do esgotamento da República Velha. Nesse momento a jovem classe operária entrou em cena na importante e vitoriosa greve geral de 1917 e nas greves de 1919 no Rio e em Recife. No ano simbólico de 1922, também como efeito desse esgotamento, ocorreram a revolta do Forte de Copacabana e a criação do Partido Comunista do Brasil, deflagrando-se um novo ciclo revolucionário no país.
A revolução de 1924 estourou em São Paulo com certa participação popular e tomou a cidade durante duas semanas. A retirada dos rebeldes se deu após o bombardeio covarde e indiscriminado promovido pelo governo federal nos bairros operários. O encontro, na cidade de Foz do Iguaçu, da coluna proveniente de São Paulo com a que havia saído do Rio Grande do Sul, deu origem à Coluna Prestes-Miguel Costa. Unidas e em marcha pelo país, apresentaram uma plataforma programática de conteúdo democrático que continha, além da deposição do presidente Artur Bernardes, a universalização do ensino público, justiça gratuita e voto secreto. Luiz Carlos Prestes, principal liderança do movimento político-militar, consolidou a luta pelo fim do regime, mas foi Getúlio Dornelles Vargas quem liderou a Revolução de 1930 – o marco de início do segundo ciclo civilizacional do país. Simpático a algumas bandeiras dos tenentes, esposando as ideias mais avançadas do castilhismo gaúcho e vislumbrando a necessidade de uma política industrial, Getúlio colocou fim à República Velha, instaurou o Governo Provisório e inaugurou um profundo processo de transformação no país, que transitou de uma economia agroexportadora para uma urbano-industrial baseada no mercado interno.
A Grande Depressão, iniciada nos EUA em 1929, impactou fortemente a economia brasileira que, profundamente atrelada ao mercado internacional, sofreu violenta queda em suas exportações e entrou em forte recessão. Além disso, ocorreu o estrangulamento externo, provocado pela forte queda do preço do café e pelo crescimento dos serviços da dívida externa que, para financiar a compra dos excedentes, expandia-se rapidamente.
Nessa conjuntura, o Governo Provisório passou a implementar um programa inicial de desatrelamento do mercado externo em favor da industrialização, da proteção social e do desenvolvimento do país. Destacam-se, nesse programa, a moratória da dívida externa, o congelamento das remessas de lucro para o exterior, o aumento ou criação de tarifas de importação a fim de conter o estrangulamento das contas externas e proteger a indústria nascente, a adoção de um mecanismo para financiar a industrialização, convocação da Assembleia Nacional Constituinte, anistia, voto universal e secreto, criação da justiça eleitoral, voto feminino, reconhecimento do direito à sindicalização, bem como algumas leis de seguridade social.
O Estado Novo (1937-1945) impôs um regime ditatorial, com forte repressão às forças políticas progressistas, em especial ao Partido Comunista do Brasil e aos movimentos a ele vinculados. Simultaneamente, colocou-se contra os interesses das oligarquias – particularmente a burguesia agrária de São Paulo – e empreendeu grande desenvolvimento de bases da estrutura nacional, como, por exemplo, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, da Fábrica Nacional de Motores, da Companhia Nacional de Álcalis, da Companhia Vale do Rio Doce, da Hidrelétrica de Paulo Afonso. E nesse período completou-se a legislação trabalhista mediante a instituição, em 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O governo de Getúlio, de perfil trabalhista e nacionalista, com a agudização da Segunda Guerra Mundial, excluiu de sua composição lideranças pró-fascistas. Em 1943, sob forte mobilização popular, Getúlio criou as Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) que se engajaram na luta contra o nazi-fascismo, o maior perigo para a soberania das nações. Ao mesmo tempo que o Brasil entrou para a Guerra, o governo captou recursos para a indústria nacional, colocando-se como força geopolítica daquele conflito. Terminada a guerra, as forças influenciadas pelo capital internacional, sob um roto manto democrático, puseram fim ao Estado Novo e depuseram Getúlio.
Nas eleições de 1945, foram eleitos uma nova Assembleia Nacional Constituinte e o presidente Eurico Gaspar Dutra, antigo direitista e depois pró-imperialismo estadunidense. O rumo do país girou para o atrelamento político aos Estados Unidos, o fim das relações diplomáticas com a União Soviética e o enquadramento à guerra fria, a nova ordem mundial.
Em 1950, o voto popular elegeu Getúlio Vargas como novo presidente da República. E, então, abriu-se um novo momento que consolidou a indústria pesada, com destaque para a criação da Petrobras. Getúlio enviou para o Congresso o projeto de lei para implementar a Eletrobras, mas não conseguiu transformá-la em lei, então criou a taxa para o fundo de eletrificação. Perseguindo o fortalecimento nacional, criou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, que mais tarde se tornou Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (transformada depois na CAPES), para fomentar a ciência e a tecnologia, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) para financiar o investimento industrial. Com essas medidas e mais o envio ao Congresso de um projeto de lei para limitar a remessa de lucros, definiu claramente a ideologia que o movia: o nacionalismo.
Dentre diversos pronunciamentos de exaltação da soberania e revelação do esbulho estrangeiro, em janeiro de 1954, pelo rádio, Getúlio denunciou que o país estava sendo espoliado pelas forças que tentavam derrubá-lo. De crise em crise, o líder nacional deu um tiro no próprio peito, jogando a crise nas mãos dos seus inimigos. A massa popular enfurecida, gritando “Mataram Getúlio!”, apedrejou não só os jornais opositores ao presidente morto, mas também a embaixada americana e grandes empresas como Standart Oil e Light & Power.
A legislação trabalhista, uma das mais avançadas do mundo, e a industrialização sob controle nacional foram a expressão máxima do período getulista. Vargas foi a síntese política do setor da burguesia brasileira que buscava um projeto nacional para aprofundar o capitalismo – com desenvolvimento e soberania. E, para isso, elevou, com mediações, algumas das bandeiras históricas dos trabalhadores ao patamar de política de Estado.
A crise aberta com a morte de Getúlio colocou em risco as conquistas que fortaleciam a soberania e o projeto desenvolvimentista. Após diversas investidas do imperialismo – que usava o fantoche Carlos Lacerda, a UDN e seus asseclas –, a crise política arrefeceu e Juscelino Kubitscheck, que fora lançado candidato por Getúlio Vargas, tendo João Goulart como vice, foi eleito e tomou posse em janeiro de 1956.
Juscelino manteve boa parte do programa getulista: indústria pesada sob controle do Estado, setor de bens de consumo popular sob controle da burguesia nacional, legislação trabalhista, protecionismo, empresas estatais, o maior salário-mínimo da história. Criou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), apoiou a criação da Frente Parlamentar Nacionalista e rompeu com o Fundo Monetário Internacional. Mas começou a implantar, sob controle estrangeiro, o setor de bens de consumo capitalista (sobretudo automóveis e eletrodomésticos).
João Goulart, signatário do projeto desenvolvimentista, ex-ministro de Getúlio e ex-vice de Juscelino, candidatou-se novamente a vice na chapa do marechal Lott, mas elegeu-se com Jânio Quadros em 1960. Sete meses depois da posse, Jânio renunciou, causando uma grave crise para a sucessão. Mas o povo reagiu por meio de grandes mobilizações e garantiu a posse de Jango.
A luta pela soberania soma-se à luta pela democracia
A ditadura militar implantada com o golpe que depôs João Goulart teve retaguarda armada e diplomática dos Estados Unidos, como ficou comprovado recentemente. O novo governo dos generais aderiu inconteste ao bloco americano na disputa entre EUA e URSS. De início potencializou as ações da Aliança para o Progresso e assinou convênios com a United States Agency for International Development (USAID), sobretudo na área de educação. O servilismo dos generais manchou inclusive a reputação do país perante a comunidade das nações quando enviou para a República Dominicana um efetivo de mais de trezentos soldados para intervir na guerra civil, ao lado do imperialismo e contra a esquerda democrática que disputava o poder no país.
Os desmandos autoritários da ditadura enfraqueciam o país como nação e ampliavam as dificuldades do povo. Além da invalidação da Constituição, do fim dos partidos políticos, das eleições regulares, os generais promoveram a crescente participação de empresas estrangeiras e, para tanto, revogaram a lei que limitava a remessa de lucros e intensificava a superexploração da força de trabalho: apenas nos primeiros quatro anos da ditadura, de 1964 a 1968, o poder de compra do salário-mínimo caiu 35%.
O governo de Emílio Garrastazu Médici implementou um plano econômico, que ficou para a história como o “Milagre” Brasileiro, que injetava grandes quantidades de capital advindas de empréstimos volumosos; e logo multiplicaria a crise inflacionária. Enquanto a economia brasileira se atrelava ainda mais ao capital internacional, Médici militarizava os festejos do Sesquicentenário da Independência (1972). Destacaram‑se, nesse período, variados movimentos de oposição à ditadura instalada, incluindo a resistência armada de diversas organizações revolucionárias e patrióticas.
Com a crise de longa duração deflagrada nos EUA no começo dos anos 1970 e seu impacto na economia dependente brasileira, vieram à tona as contradições dessa economia, ao acirrar a transferência de valor para o centro imperialista, o que implicou a redução do ritmo de expansão econômica. Em reação, o governo Geisel adotou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que implantou ou desenvolveu a indústria de máquinas e equipamentos sob controle nacional, bem como a de bens intermediários, a naval e a aeronáutica. Adotou para isso, dentre outras medidas, o investimento e o financiamento públicos, protecionismo e compras governamentais.
A crise foi adiada pela ação do II PND, mas deflagrou-se em 1981, depois de aceleradas, entre o final dos anos 1970 e começo dos 1980, a remessa de juros e lucros e a queda dos termos de intercâmbio. Nesse quadro, o governo seguinte tomou a decisão de implementar, sob o comando de Delfim Neto, o receituário antinacional e antipopular do FMI.
Essa crise de modelo colocou fim ao segundo ciclo civilizacional do país, que havia sido iniciado com a Revolução de 1930. O Brasil nesse período de meio século foi o país que mais teve crescimento no mundo. Alegoricamente tinha uma aparência de grande fazenda rural e se tornou um dos principais polos industriais do mundo.
O regime ditatorial não deu conta de enfrentar a crise econômica e mergulhou em profunda crise política. A grande efervescência popular expôs os estertores do regime – com as greves de 1978 e sobretudo com a greve geral de 1983, e a massificação dos movimentos sociais. Em torno da campanha das Diretas Já e da chapa que tinha à frente Tancredo Neves, a luta política pelo fim da ditadura ganhou novos contornos com uma ampliação ainda maior da larga aliança política e social que acumulava vitórias desde a conquista da anistia ampla, geral e irrestrita. O democrata mineiro lembrou por diversas vezes, em sua campanha, o legado de Tiradentes. A lembrança levou à pauta por soberania para a luta contra a ditadura. E a campanha que ganhou as ruas de todo o país venceu no Colégio Eleitoral.
Lamentavelmente, Tancredo adoeceu e não tomou posse, vindo depois a falecer. Assumiu o seu vice José Sarney que, por um lado, implementou um programa democrático, em que se destaca a convocação da Assembleia Nacional Constituinte e executou o Plano Cruzado quando congelou os preços, aumentou o salário real e o gasto público e diminuiu a taxa de juros, com isso fortalecendo a demanda. Por outro lado, foi incapaz de adotar medidas indispensáveis, entre elas, a moratória da dívida externa, para realizar os investimentos necessários ao aumento da capacidade produtiva.
Em consequência, logo esgotou-se a capacidade ociosa, a inflação retornou e a equipe econômica foi dissolvida. Após uma moratória tardia, o governo recompôs a equipe econômica com economistas conservadores, que recuaram para a política econômica receitada na cartilha do FMI, que, ao conter a demanda e encarecer o crédito, desestimulava a atividade produtiva.
Esse contexto de investida do imperialismo realizou-se, em especial, na arena das discussões da nova Constituição. Entre 1986 e 1988, o país debateu as soluções de seus principais problemas e a Constituinte foi palco de elaboração privilegiada da soberania, com destaque para a definição de “empresa brasileira de capital nacional” que os serviçais do imperialismo tentaram generalizar para prejudicar a indústria nacional; e as limitações às empresas de capital estrangeiro para a exploração de jazidas minerais no território nacional. Diante das outras Constituições (1934 e 1946), a de 1988, denominada Constituição Cidadã, foi a mais avançada, democrática e a que mais delineou a soberania do país.
A soberania nacional exige a derrota do neoliberalismo
A década de 1980 terminou conhecida como “década perdida”. Já em 1989, anunciava-se o fim da União Soviética, após a queda do Muro de Berlim. O imperialismo foi à ofensiva e as forças neoliberais se juntaram para criar uma plataforma político-econômica, o famigerado Consenso de Washington. O objetivo, no plano internacional, era se apropriar das riquezas dos países subdesenvolvidos, sobretudo os da América Latina.
No Brasil, a primeira eleição presidencial, depois de quase trinta anos, levou ao segundo turno o líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva e o neoliberal Fernando Collor. E venceram as forças antinacionais, lideradas pelos partidários do Consenso de Washington. O retrocesso antinacional se deu com o receituário do neoliberalismo, da globalização a todo custo, a tentativa de implementação de um pensamento único em escala planetária e a rotulação do pensamento de esquerda como algo do passado.
Sob ataque da gana imperialista, o governo brasileiro capitulou e escancarou o país para as empresas multinacionais, destruindo históricas cadeias industriais desde a do sapato até a montadora de carros, passando pela indústria cinematográfica até a de informática nacional e outras. Os verbos da moda dos yuppies brasileiros americanizados variavam entre desnacionalizar, desestatizar e desregulamentar, preferivelmente em inglês. Mas o projeto neoliberal teve uma desaceleração momentânea com o impeachment de Fernando Collor.
O sucessor Itamar Franco, com inclinações nacionalistas, tirou a sanha globalizante do centro das preocupações e colocou o crescimento econômico como prioridade. Seu principal quadro político, o senador Fernando Henrique Cardoso, foi alçado candidato a sucessor com o equilíbrio monetário como principal item de seu currículo, o Plano Real. Eleito, com a pretensão de “Findar a Era Vargas!”, FHC promoveu um amplo processo de privatização e de desnacionalização da economia nacional.
O capital estrangeiro tomou o controle, de diversos modos, de vários setores importantes para a soberania do país, dentre os quais telecomunicações, bancos, energia elétrica, petroquímica, siderurgia, fertilizantes, transportes, mineração, autopeças, informática, supermercados e outros. Os mitos em torno da globalização – diminuição radical dos gastos públicos, privatização generalizada, desproteção das indústrias nacionais etc. – não eram os receituários seguidos pelos países da OCDE. Em todo o país, a resistência à política neoliberal contou com uma ampla soma de forças que contavam com os partidos políticos de esquerda e centro-esquerda, das entidades do movimento social e de personalidades da melhor tradição patriótica. Em 2000, foi o Manifesto em Defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho que denunciou as políticas neoliberais, e exigiu o seu fim e a valorização da soberania nacional.
Mas a reação conservadora patrocinou uma emenda constitucional que permitia igualar a empresa estrangeira à empresa nacional e, além disso, promovia a redução das tarifas de importação e a valorização da moeda, provocada pela âncora cambial do Real e posteriormente pelo tripé macroeconômico.
O tripé foi um dos principais responsáveis pela desindustrialização no Brasil. A prática de juros altos atraiu capitais especulativos externos, valorizando o Real e barateando os produtos importados. Desse modo, combateu a inflação, mas acarretou ao mesmo tempo o fechamento em massa de fábricas instaladas no país. E essa desindustrialização foi acompanhada pela desnacionalização da economia, promovendo a drenagem de valor para o exterior.
Um novo capítulo da luta pela soberania
Como resultado da falência do projeto neoliberal tucano e do acúmulo de forças do campo democrático, popular e patriótico, Luiz Inácio Lula da Silva, representando uma ampla coalizão que contava com forças populares e setores da burguesia, foi eleito Presidente da República em 2002 e reeleito em 2006. De forma inédita, elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff, em 2010, também reeleita em 2014. Este ciclo de governos progressistas, mesmo com limitações e contradições, abriu uma nova fase da luta pela soberania nacional.
E internamente foram fortalecidos o Itamaraty e os bancos públicos: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e as empresas estatais estratégicas.
Em âmbito global, o Brasil passou a defender uma nova correlação de forças no sistema internacional, a proliferação da paz e o desenvolvimento soberano dos países. E se projetou como país de grandes potencialidades, no grande jogo geopolítico, tornando-se um ator importante entre outras grandes nações. Ampliou seu leque comercial, valorizando as relações Sul-Sul, com os países árabes e, prioritariamente, com os vizinhos latino-americanos. Entrou no circuito de grandes eventos mundiais e sanou sua dívida com o FMI.
Foi protagonista na construção do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), organização que fez o polo de poder pender como forma alternativa à tentativa de construção unipolar do imperialismo estadunidense.
Dialeticamente a busca por implementar um projeto de nação soberano foi potencializada, somando-se ao aprofundamento democrático e à distribuição de renda e à valorização do trabalho. E se o povo eleva sua qualidade de vida com trabalho e renda, acesso à educação e à cultura, simultaneamente, a nação se fortalece.
Porém, no elenco da insuficiência e dos erros desse ciclo, foi mantida a essência do padrão de reprodução do capital dependente, além de ter sido preservado o tripé macroeconômico a serviço da lógica da grande finança, do capital especulativo. E as instituições do Estado nacional não foram modernizadas e nem democratizadas para dar sustentação a um novo ciclo de desenvolvimento nacional.
A oposição neoliberal, as forças reacionárias associadas ao imperialismo, desde 2013, lançaram uma escalada reacionária que culminou no golpe de agosto de 2016, pondo fim a esse ciclo progressista. É um golpe contra a democracia e a serviço dos interesses das grandes potências capitalistas. Na esteira dessa ruptura com a institucionalidade democrática, em 2018, a extrema-direita, de feição neofascista, venceu as eleições.
Desde então, o Brasil, enquanto nação soberana e democrática, passa por grave processo de regressão e destruição. Está em curso o desmonte do Estado e das bases econômicas, sociais, civis, políticas, culturais e ambientais. Tal desastre impõe a necessidade de reconstrução nacional, a começar pelo desmonte do tripé macroeconômico, a reindustrialização e a implementação de um amplo programa de obras de infraestrutura. Compete ao Estado alavancar o desenvolvimento, tendo como centro o trabalho, cuja valorização deve ser o principal instrumento de fortalecimento do mercado interno. Lutamos para que, nestas eleições, o país se veja livre deste que é um dos piores governos de nossa história e seja retomado o caminho da luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
II – O legado do PCdoB à luta pela soberania nacional
A soberania nacional é um dos pilares do Programa do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para um projeto de desenvolvimento que afirme, fortaleça e consolide a independência do país. É um alto compromisso que vem do nascedouro da legenda comunista, em 1922, e do acervo de lutas e da elaboração teórica da corrente marxista, revolucionária mundial da qual o PCdoB é integrante.
Lênin, com o início da Primeira Guerra, travou importante debate sobre a autodeterminação dos povos e desvendou esse mecanismo político e econômico em seu livro, de 1916, Imperialismo, fase superior do capitalismo. Com a crescente exploração das potências imperialistas contra as demais nações, em 1920, a Internacional Comunista, no Congresso de Baku, levantou a palavra de ordem Proletários e povos oprimidos de todo o mundo, uni-vos!, inserindo os povos das nações oprimidas como sujeitos revolucionários no novo momento da jornada libertadora.
No Brasil, em 1905, o socialista, médico e sociólogo Manoel Bomfim já havia identificado nações “parasitas” que impediam o Brasil de solucionar seus problemas produzidos desde o período colonial. E, em 1922, os comunistas surgiram de forma organizada no leito da luta dos trabalhadores no contexto da afirmação do Brasil como nação. Recém-saído do escravismo, o país foi marcado pela trajetória de lutas pela Independência, a Abolição e a República. Inspirado na Revolução Socialista de Outubro de 1917 na Rússia, importante aliada mundial das forças progressistas e patrióticas, os comunistas foram buscar nesse ideal a referência para a sua ação programática, o descortínio de uma nova perspectiva para a vitória da causa da independência nacional, num momento em que o mundo entrava na atmosfera do obscurantismo, que levaria à barbárie nazifascista mais adiante.
Afirmava-se, no país, também sua identidade nacional, através de eventos políticos, culturais e militares que marcaram a década de 1920. No campo cultural, fulgurava a Semana de Arte Moderna. O início dos levantes tenentistas, em 1922, preâmbulo da Coluna Prestes e da Revolução de 1930, sinalizou igualmente a aceleração da transformação do cenário político. Logo depois da fundação do Partido Comunista do Brasil, Astrojildo Pereira, comentando as homenagens ao centenário daquele feito político de 1822, afirmou que a independência se daria no século XXI, quando se tornaria realidade a emancipação dos trabalhadores. Com a combinação de eventos iniciados após o fim do pacto colonial – a Abolição, a República e a luta dos trabalhadores, inicialmente sob a hegemonia anarquista –, o Brasil chegou ao final da década de 1920 carregado de elementos que se confrontaram para dar origem a uma compreensão mais elevada do conceito de nação.
O Partido Comunista do Brasil viu naquele momento a necessidade de uma transformação social mais profunda, libertando o país da dominação do imperialismo inglês, e dos Estados Unidos. O país estava dominado por oligarquias rurais e pelo capital estrangeiro. A ideia da revolução agrária e anti-imperialista, formulada na obra Agrarismo e industrialismo – ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classe no Brasil, redigido pelo intelectual comunista Octávio Brandão em 1924, e publicado em 1926, foi adotada em seu II Congresso, de maio de 1925, e reafirmada no III Congresso em dezembro de 1928.
Os comunistas se manifestaram com patriotismo, ao participarem da criação e do enraizamento no seio do povo da Aliança Nacional Libertadora (ANL), protagonista de grandes campanhas contra o imperialismo, pela libertação nacional e contra o avanço do nazifascismo no país.
A Conferência que reconstruiu o Partido Comunista do Brasil, em 1943, teve a Segunda Guerra como pano de fundo e destacou o “trabalho patriótico” como uma de suas prioridades. Segundo o Informe Político, aquela guerra provocada pela ofensiva imperialista de Hitler tinha, da parte dos países agredidos, o caráter de libertação nacional e também visava a preservar a liberdade dos povos contra a ameaça global de dominação fascista. A palavra de ordem passou a ser União Nacional, em torno do governo Vargas, para derrotar o nazifascismo.
O Partido foi a força política que mais alto levantou a bandeira da Força Expedicionária Brasileira (FEB) com o intuito de combater o nazifascismo na Europa. Com o fim da guerra, Getúlio legalizou o PC do Brasil e, logo depois, as forças do capital estrangeiro o depuseram. Para que o país voltasse aos trilhos da soberania, os comunistas aprofundaram a exigência por uma Assembleia Nacional Constituinte.
Parlamentares de diversas matrizes políticas, tendo os comunistas como aguerrida vanguarda, travaram na ANC importantes batalhas em defesa da independência nacional. Mesmo em pleno Estado Novo, os comunistas apoiaram Getúlio Vargas “na grande campanha pela siderurgia nacional”, fato reconhecido pessoalmente pelo coronel Raulino de Oliveira, então diretor da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
A bancada comunista na Assembleia Nacional Constituinte de 1946 se opôs à permanência das bases militares dos Estados Unidos que haviam sido usadas durante a Segunda Guerra. Não havia mais motivos, com o fim da Guerra, para a permanência de bocados do território nacional em mãos estrangeiras. O senador Luiz Carlos Prestes subiu à tribuna diversas vezes para denunciar as existentes e a aprovação de novas bases militares que se programava sorrateiramente dentro do governo Dutra – que logo cassou o registro e os mandatos dos comunistas, integrando o país à nova configuração geopolítica voltada para a dominação imperialista dos Estados Unidos. Ganhou corpo, a partir da campanha dos comunistas, a denúncia contra o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, assinado em março de 1952, que colocava o país como títere das manobras do imperialismo estadunidense contra a União Soviética.
Com o fim da Guerra, em âmbito internacional, o PC do Brasil apoiou as iniciativas de construção de entidades globais que tinham como papel principal mobilizar mulheres, trabalhadores e jovens em torno das bandeiras de defesa da paz e contra o imperialismo: a Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), a Federação Sindical Mundial (FSM) e a Federação Mundial de Juventudes Democráticas (FMJD).
Através de campanhas mais gerais que aglutinavam as principais personalidades das artes, das ciências e da política, o Conselho Mundial da Paz (CMP), órgão de luta contra o imperialismo que já soma setenta e sete anos, fez uma importante campanha na luta contra a proliferação de armas nucleares durante a década de 1950, que teve milhões de assinaturas coletadas pelos comunistas brasileiros. Tanto o CMP quanto a FDIM foram presididos por lideranças do PCdoB, Socorro Gomes e Márcia Campos, respectivamente, esta última oriunda do Partido Pátria Livre (PPL).
Debaixo de feroz perseguição do governo Dutra, os comunistas construíram uma Frente Democrática de Libertação Nacional que mobilizou o povo contra as tentativas de desnacionalização dos recursos do subsolo e pela defesa do monopólio estatal do petróleo. A campanha O petróleo é nosso colocou os comunistas ao lado de segmentos de elevada consciência nacional, como o general Horta Barbosa, patrono do movimento.
Além da defesa de outros recursos naturais, como a areia monazítica, que estavam na mira do imperialismo, os comunistas também levantaram a bandeira de defesa da Amazônia e da luta pela paz; ações que revelaram o combate à espoliação por potências estrangeiras, sobretudo os Estados Unidos. A mobilização popular surgida logo após o suicídio de Vargas, em agosto de 1954, revelara a real força do povo brasileiro, disposto a defender a liberdade e a independência da pátria, vertebrada pelos comunistas e trabalhistas, uma união contra os entreguistas.
Seguindo a política de luta por soberania, internacionalismo proletário e autodeterminação dos povos, o Partido acompanhou com entusiasmo as diversas guerras de libertação que buscavam independência política nos países da África e da Ásia. Defendeu desde os primeiros momentos as revoluções cubana e chinesa, bem como a heroica vitória do povo vietnamita contra o jugo francês e depois estadunidense.
O movimento democrático e anti-imperialista tomou grande impulso, contido pelo golpe de 1964, instrumento dos interesses dos Estados Unidos, apoiados por forças internas antinacionais para perseguir os patriotas e democratas. O PCdoB avaliou, no documento O golpe de 1964 e seus ensinamentos, que o ocorrido era resultado dos avanços de um projeto estratégico dos setores mais reacionários internos a serviço do imperialismo norte-americano. Anos mais tarde, foi confirmada, através de documentos, a participação do governo estadunidense, através de apoio diplomático, logístico e bélico, no golpe de 1964.
Em sua VI Conferência, realizada em julho de 1966, aprovou o documento União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista. “Perigo sem precedente paira sobre o Brasil, sujeito a viver longo tempo sob o regime ditatorial, a ter seu desenvolvimento interrompido e a perder suas características de nação independente”, diz o documento. “Em tal circunstância, nenhum problema pode sobrepor-se ao objetivo de salvar o país desse perigo”. A Guerrilha do Araguaia, o ponto alto da resistência comunista àquele regime, espalhava comunicados à população da região, nos quais tinha como uma de suas palavras de ordem Por um Brasil livre e independente! Outras organizações revolucionárias também empreenderam a resistência armada contra a ditadura, entre elas o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8) que, em conjunto com Ação Libertadora Nacional (ALN), sequestraram o embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, em 1969, que resultou na libertação de quinze presos políticos.
A consciência do povo brasileiro manifestou-se também por outras formas de combate à ditadura, e pela soberania, como as greves operárias e as marchas estudantis, e despontou com força na segunda metade da década de 1970 com a campanha pela Anistia. A retomada das lutas dos trabalhadores também impulsionou a campanha pelo fim daquele regime entreguista – as Diretas Já! –, reivindicando a redemocratização do país e uma nova Constituição. Durante todo o estertor do regime autoritário, foram rechaçados pelos comunistas os acordos antinacionais feitos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que visavam à drenagem de recurso e de esforços de solução de problemas sociais, colocando o país como eterno devedor de uma dívida impagável.
Com a volta à legalidade, em 1985, o PCdoB pôde mostrar, com feição própria, a bandeira da soberania, bem visível na Constituinte de 1987-1988. Uma das principais batalhas foi a conceituação de empresa nacional. As forças entreguistas tentaram diluir as diferenças entre as empresas estrangeiras e as empresas nacionais, o que seria uma derrota para a indústria de base do país. Em defesa da soberania, estiveram à sua frente diversos parlamentares, e principalmente a bancada comunista, orientada pelo dirigente e ex-constituinte João Amazonas – construtor e ideólogo do PCdoB.
A nova Constituição inaugurou uma nova etapa da luta pela questão nacional, que compareceu com destaque na Frente Brasil Popular (PT-PSB-PCdoB), em 1989, com a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. O PCdoB defendeu a unidade das forças democráticas e patrióticas, tendo em vista a nova ameaça neocolonialista que pairava sobre o país, o neoliberalismo. Com a vitória do candidato da direita, Fernando Collor de Melo, os comunistas defenderam o combate ao projeto neoliberal como centralidade estratégica.
Após atacar a soberania nacional, favorecendo as empresas estrangeiras e prejudicando a indústria nacional, Collor sofreu impeachment. Seu vice, Itamar Franco, um patriota, não teve força suficiente para barrar a avalanche entreguista e o projeto neoliberal voltou com força nos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC). Novamente os comunistas assumiram a linha de frente da defesa da soberania nacional, enfrentando as investidas do imperialismo, desfigurando a Constituição para fazer do Estado um comitê de administração dos interesses imperialistas, sobretudo do capital financeiro.
No combate às privatizações criminosas, que atingiram setores estratégicos, como a mineração e as telecomunicações, a militância comunista, em diferentes frentes – do parlamento ao movimento sindical –, mobilizou o povo e ergueu uma barreira ao entreguismo. Da mesma forma, combateu as tentativas de privatização de outras empresas (Banco do Brasil, Correios, Chesf, Eletrobras, Petrobras etc.) e os acordos com o FMI, altamente lesivos aos interesses nacionais, assim como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), uma nova tentativa do imperialismo de colonizar o Brasil e os demais países da região, derrotada pela mobilização popular.
O PCdoB teve participação decisiva também na elaboração do Manifesto em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho, no início de 2000, um passo inicial para o programa das forças progressistas, que começavam a se organizar para a disputa presidencial de 2002. A vitória de Lula trouxe novos desafios aos comunistas, que assumiram postos importantes para a defesa da soberania nacional no governo, com destaque para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a Financiadora de Projetos e Pesquisas (Finep) e a Agência Nacional do Cinema (ANCINE).
A partir de 2013 no Brasil, como parte de uma contraofensiva do imperialismo para liquidar o ciclo dos governos patrióticos e democráticos na América Latina, irrompeu-se uma escalada reacionária e golpista. A denominada Operação Lava Jato foi um dos instrumentos dessa marcha golpista. Empresas privadas e estatais, como Petrobras e Eletrobras, estratégicas ao desenvolvimento soberano, passaram a ser alvos de ações truculentas, de afronta ao Estado Democrático de Direito. Os comunistas, mais uma vez, foram para a linha de frente da defesa da democracia e da soberania nacional, enfrentando os golpistas, que consumaram seu intento em 2016, num golpe que pavimentou o caminho à vitória da extrema-direita, em 2018, resultando no desastroso e entreguista governo de Jair Bolsonaro.
Ao longo de sua trajetória, com lutas, produção teórica e cultural, com documentos partidários e obras autorais, os comunistas têm disseminado entre o povo e a classe trabalhadora a consciência patriótica em contraposição à consciência subjugada, colonizada da maioria das classes dominantes.
O documento Brasil: 500 anos de luta na construção de um povo, uma cultura e uma nação, publicado em 2000, representou, na elaboração dos comunistas, um grande avanço na interpretação da formação do Brasil e de seus desafios na contemporaneidade. Segue atualíssimo, ao concluir que “O povo é o herói e o autor da nacionalidade, o empreendedor dos avanços ocorridos no país”. E, também, ao denunciar que, “Ao longo destes 500 anos, em geral as classes dominantes do país se submeteram às metrópoles em troca da associação minoritária na pilhagem colonial e imperialista. Hoje face à ofensiva mundial do neoliberalismo capitaneado pelos Estados Unidos, esta elite antinacional verga outra vez a espinha e aplica com zelo o receituário imposto pelas autoridades e agências do imperialismo, vendendo a pátria e extorquindo o povo na nova Derrama que leva as riquezas brasileiras para os cofres da agiotagem internacional”.
O Programa Socialista, de 2009, é um salto no pensamento programático e estratégico dos comunistas. Aponta que o Brasil, Nação jovem, atravessou dois ciclos civilizacionais. O primeiro: a formação e os primórdios da Nação. A Independência. A Abolição. A República. O segundo: com a Revolução de 1930, o Brasil se modernizou, industrializou-se. Na atualidade, impõe-se superar os obstáculos, as deformações e desigualdades acumuladas ao longo da história, tendo em vista empreender um terceiro ciclo civilizacional. Entre os obstáculos a serem removidos, destaca-se a “condição de nação subjugada” pelas amarras e exploração impostas pelo imperialismo que, hoje, impõe uma agenda de espoliação neocolonial.
Para o PCdoB, portanto, o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento é o caminho da afirmação nacional. A questão nacional assume centralidade porque, na etapa do imperialismo e do neocolonialismo, impõe-se, antes de tudo, aos países da chamada periferia do sistema, situados de maneira dependente na divisão internacional do trabalho, a promoção e a salvaguarda da sua soberania. O Programa, também refletindo a práxis histórica do Partido, relaciona a questão nacional com a bandeira da democracia e do progresso social: “É verdadeiramente nacional o que é popular, e uma profunda democracia incorpora o povo e lhe dá poder real. A verdadeira independência e afirmação do país, e o pleno avanço democrático e social, só serão possíveis com a abertura da via para o socialismo”.
Os comunistas elaboraram um acervo de contribuições programáticas tendo em vista a encruzilhada na qual o país se encontra e, entre elas, destaca-se a Plataforma Emergencial de Reconstrução Nacional, focada em diretrizes, políticas e medidas essenciais para desencadear um processo reconstrução nacional.
III – A perspectiva do desenvolvimento soberano
Transição na ordem mundial e a possibilidade de projetos nacionais autônomos
Os sucessivos ciclos civilizacionais vividos pelo Brasil após a independência se entrelaçaram com mudanças, também sucessivas, na ordem mundial. O primeiro ciclo civilizacional – marcado pela própria conquista da independência, a preservação da unidade territorial do país, a abolição da escravidão e a proclamação da República – coincidiu com o período de afirmação, consolidação e crise da hegemonia britânica na ordem mundial. O segundo ciclo civilizacional, deflagrado a partir da Revolução de 1930, coincidiu com a afirmação e consolidação da hegemonia dos Estados Unidos no mundo capitalista, a formação do campo socialista mundial após a derrota do nazifascismo e os processos de descolonização que deram origem ao Movimento dos Países Não-Alinhados.
Ao ingressarmos no terceiro século da existência do Brasil como nação independente, o desenvolvimento mundial é marcado pelo declínio relativo da superpotência estadunidense e a emergência de novos polos de poder econômico, político, diplomático e militar, oriundos sobretudo das antigas semiperiferia e periferia do sistema internacional, como constatou o 15º do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
A ascensão da China socialista como potência e a recuperação do poder nacional da Rússia contrastam com o declínio dos Estados Unidos. O quadro internacional é de agravamento e expansão das disputas, tensões e confrontações, agravado com o fracasso da tentativa estadunidense de estruturar uma “nova ordem mundial” unipolar ao final da Guerra Fria.
Diversos Estados estruturam projetos nacionais de desenvolvimento, buscando resguardar sua soberania e ampliar a margem de autonomia no novo contexto geopolítico mundial, marcado por emergente e crescente multipolaridade.
Essa mudança na correlação de forças internacional cria um contexto mais favorável para a realização de projetos nacionais contra-hegemônicos, embora ainda persista o quadro de defensiva estratégica gerado pelo colapso do antigo campo socialista no final do século XX.
Os desafios da retomada do desenvolvimento soberano
Como apontado no Programa do PCdoB, completar a independência do Brasil exige superar os obstáculos, as deformações e desigualdades acumuladas ao longo da história, para viabilizar um terceiro ciclo civilizacional no país. E isto implica superar a condição de nação subjugada a um novo estatuto de dominação neocolonial.
A estruturação deste novo ciclo exige confrontar as limitações e contradições geradas pelas persistentes relações de dependência que marcam e tolhem o desenvolvimento soberano do Brasil. Como indicado, isso implica superar:
a. A condição de nação subjugada, “periférica”, do Brasil no mundo. Afirmar e defender a nação contra as investidas e imposições imperialistas. Conformar a união da luta patriótica com as demandas democráticas e sociais no seio do povo. O verdadeiro fortalecimento da Nação exige sustentação popular baseada no avanço democrático;
b. a condição de Estado subordinado ao controle dos círculos financeiros. Em defesa do Estado democrático, laico, inovador, que garanta ampla liberdade para o povo e sua participação política na gestão do Estado;
c. a condição de economia dependente e de desenvolvimento médio, na divisão internacional do trabalho imposta pelas grandes potências. Libertar-se da dependência econômica, científica e tecnológica; suplantar a estrutura de produção centrada em produtos primários; e a elevada concentração da renda e do patrimônio;
d. a propriedade latifundiária improdutiva ou de baixa produtividade, obstáculo ao aumento da produção e da democratização da terra;
e. a defasagem da renda do trabalho em relação à renda do capital, que ocorre em proporção elevada. Não se constrói uma economia moderna e avançada, com um regime de trabalho desvalorizado e a redução de direitos trabalhistas; adotar um caminho para uma política salarial que, simultaneamente, valorize o trabalho, melhore as condições de vida do povo e seja alavanca do mercado interno.
f. as desigualdades sociais e as tensões no seio povo. Ter o desenvolvimento como fator de distribuição de renda e progresso social. Estabelecer reformas que universalizem os direitos sociais; combater o racismo, a LGTBQIA+fobia; combater a intolerância religiosa;
g. as desigualdades regionais que concentraram o progresso e a riqueza nas regiões Sudeste e Sul, impondo um pesado ônus às demais regiões;
h. as barreiras e os limites à emancipação das mulheres, alimentados pela lógica da acumulação e pelos preconceitos de gênero. Apesar das conquistas alcançadas, as mulheres continuam discriminadas no trabalho e na vida, vítimas de violência, cerceadas ao exercício de postos nas instâncias de decisão e poder. A Nação perde força e deixa de contar com todo o potencial de mais da metade de sua população;
i. a degradação ambiental, resultante de concepções e práticas predatórias, responsável pela devastação ambiental e destruição de parte das florestas, dos recursos hídricos, da fauna.
j. as vulnerabilidades da cultura e da consciência nacional, decorrentes da ideologia de autonegação nacional prevalente nas classes dominantes brasileiras e alimentada pelo predomínio de grupos monopolistas estrangeiros na indústria cultural do país; e
l. a subordinação política, econômica e ideológica aos EUA e à Europa. Retomar e aprofundar as iniciativas de integração sul-americana e latino-americana, além de parcerias estratégicas com outros países em desenvolvimento e diversificação das relações externas do Brasil.
Para tanto, é necessário recompor a capacidade do Estado de estruturar o desenvolvimento do país. Cabe ao poder público atuar como planejador, coordenador e impulsionador estratégico do processo de desenvolvimento e usar o investimento público como alavanca para elevar a taxa de investimento produtivo na economia nacional como um todo.
Para o desenvolvimento integrado e sustentado da economia nacional, é fundamental promover a reindustrialização do país em bases tecnológicas avançadas. O poder público deve priorizar a criação ou a expansão de empresas genuinamente nacionais – tanto públicas quanto privadas –, nos financiamentos e encomendas do Estado, protegendo a economia nacional da concorrência predatória estrangeira. Dessa forma, o desenvolvimento poderá ser alavancado por projetos mobilizadores estruturantes em áreas estratégicas, como a dos complexos industrial-tecnológicos da Saúde, da Defesa e de Energia, Petróleo e Gás, além do complexo agroindustrial. O desenvolvimento desses complexos industrial-tecnológicos é crítico para promover e salvaguardar a soberania territorial, tecnológica, sanitária, energética e alimentar do Brasil.
No contexto da Sociedade do Conhecimento, o fomento da capacidade científica, tecnológica e inovadora se transforma em vetor central do desenvolvimento nacional. É fundamental promover a engenharia nacional e os setores de tecnologia de ponta vitais para o desenvolvimento na atualidade – tecnologias da informação e da comunicação (TICs), biotecnologia, novos materiais, condutores, semicondutores, sistema 5G e Inteligência Artificial, entre outros. Para se situar na fronteira do desenvolvimento científico e tecnológico global – e baseado na experiência de outros países que tem conseguido superar barreiras estruturais ao seu desenvolvimento nas últimas décadas –, é fundamental alavancar o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) a um patamar equivalente a 2% do PIB nacional, cabendo ao investimento público papel alavancador desse patamar de investimento.
A recomposição da capacidade do Estado brasileiro de financiar e alavancar o desenvolvimento nacional exige a montagem de um complexo de estímulos econômicos adequado e consistente. É necessário alinhar a política macroeconômica nacional a esse objetivo. A manutenção prolongada e artificial de taxas de juros elevadas na economia nacional opera em sentido contrário: estimula a atração de capitais especulativos externos, provocando a valorização da moeda nacional e o consequente barateamento das mercadorias importadas. E, como resultado, ocorre uma inundação, no mercado interno, de produtos estrangeiros, provocando a quebradeira da indústria instalada no país, particularmente a nacional. Igualmente, forçar a geração de superávits primários elevados, para cobrir os encargos financeiros da dívida pública, compromete a capacidade de realizar investimento público, além de derrubar o investimento privado, ao encarecer o custo do crédito. Para desarmar essa armadilha, é necessário adotar taxas básicas de juros próximas às dos padrões internacionais e, ao mesmo tempo, substituir o câmbio flutuante por uma política cambial que possibilite o controle das contas externas e favoreça o investimento produtivo, a reindustrialização e a competitividade das empresas nacionais.
Implementar uma mudança nos rumos do país de tal magnitude e profundidade exige a alteração da composição das forças sociais e econômicas na direção do Estado nacional. As classes dominantes brasileiras – produto do longo e contraditório processo histórico que conformou a sociedade nacional sob a égide da dependência – já revelaram sua incapacidade política de completar a obra da independência. Cabe às forças populares e democráticas completá-la, pois elas é que sustentam e viabilizam a agenda da emancipação social nas condições históricas concretas, nacionais e internacionais, do século XXI.
Isso implica realizar reformas políticas mais profundas, de democratização das estruturas do poder do Estado, de ampliação dos canais de participação popular e de redirecionamento da inserção internacional do Brasil. Exige, igualmente, alavancar a capacidade da defesa nacional para sustentar esse ciclo de desenvolvimento nacional, em todas as suas dimensões, diante de eventuais ameaças e retaliações externas.
Trata-se da construção de uma nação democrática, próspera e solidária, de um Estado democrático e inovador de suas instituições; um país de alta tecnologia, avançado na indústria do conhecimento e grande produtor de alimentos e energia; vida digna para o povo. Iguais oportunidades e universalização dos direitos básicos; desenvolvimento contínuo e ambientalmente sustentável; afirmação e florescimento da cultura brasileira e da consciência nacional; aprofundamento e consolidação da integração da América do Sul e das parcerias estratégicas em âmbito mundial.
Como em todo processo político de alcance histórico, a questão do poder é essencial. Por isso, as eleições presidenciais de outubro, que se realizam no transcurso do Bicentenário da Independência, representam um momento decisivo na luta dos/as brasileiros e brasileiras pela soberania do seu país. Ou o Brasil se reencontra com a democracia, retoma os caminhos do desenvolvimento soberano e do progresso social, ou seguirá em processo de destruição de sua base econômica, de aviltamento de sua soberania e de regressão civilizacional que torna a vida do povo uma verdadeira tragédia.
Trata-se, uma vez mais, de um confronto decisivo aos destinos da Nação. O PCdoB está empenhado pela vitória da chapa Lula presidente, Alckmin vice, apoiada por amplas forças políticas e sociais. E esta, uma vez vitoriosa, deverá realizar um governo que represente uma frente democrática, patriótica e popular capaz de reconstruir o Brasil e encaminhá-lo a um novo ciclo de luta pelo desenvolvimento soberano que avance na luta pela plena Independência do país.
Brasília, 1º de setembro de 2022
Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil-PCdoB