Requerentes de asilo serão encerrados em embarcações com mais de 200 quartos | Foto: Andrew Matthews/AFP

Com os voos de restituição forçada de imigrantes ilegais para Ruanda bloqueados por decisão judicial desde junho, o governo conservador britânico – que está 19 pontos percentuais atrás dos trabalhistas nas pesquisas – decidiu usar barcaças para alojar os migrantes que continuam chegando, empurrados pela miséria imposta pelo neoliberalismo aos países do Sul Global e pelas guerras açuladas pelo Império na margem africana do Mediterrâneo e no Oriente Médio.

Parece que a inspiração para a medida veio da secular experiência britânica com os tumbeiros (outro nome para os navios negreiros, assim cognominados pelo elevado número de mortes no transporte de escravos).

Seja como for, na segunda-feira (7) 15 refugiados foram confinados na barcaça Bibby Stockolm, atracada na costa de Dorset, que tem capacidade para 500. Da Califórnia, onde se encontra de férias, o primeiro-ministro Rishi Sunak postou um vídeo se gabando de estar acabando com a farra de migrantes ilegais “colocados em hotéis pelo contribuinte”.

Já passam de 50 mil os migrantes indocumentados que aguardam decisão sobre seu pedido de concessão da condição de refugiado. Segundo a ministra do Interior, Sarah Dines, o confinamento em barcaças envia “uma mensagem contundente de que haverá acomodações adequadas, mas não luxuosas”.

Segundo a edição europeia do portal Politico, “a segunda-feira marcou um momento simbólico para a campanha de reeleição de Sunak” e sua estratégia de assustar os eleitores incautos com a “invasão dos imigrantes”. Inclusive o portal diz que isso é parte de uma blitz de relações públicas em agosto apelidada de “Semana dos Barcos Pequenos” por assessores do Gabinete.

Sunak, acrescenta o portal, fez de ‘parar os barcos’ uma de suas principais promessas – uma estratégia de alto risco, já que 3.790 pessoas chegaram em 91 pequenos barcos apenas no primeiro trimestre deste ano, e com números tradicionalmente subindo muito mais durante os meses de verão.

“O perigo é que ele passou os últimos seis meses levantando a importância da questão e ainda não conseguiu impedir as travessias – reforçando ainda mais o sentimento público de que é hora de dar uma chance ao trabalhismo”, disse Luke Tryl, diretor da consultoria More in Common.

Um ex-estrategista conservador foi mais direto. “Se eles não conseguirem obter o controle dos números [em barcos pequenos e inflação teimosamente alta], então acho que o Partido Trabalhista vai ficar bem apenas dizendo: ‘Esses caras não sabem o que diabos estão fazendo. Nós vamos fazer a mesma merda, só vamos fazer direito’”.

A outra perna dessa “política” é utilizar Ruanda como cúmplice na expulsão de imigrantes ilegais, onde eles esperariam pela decisão sobre seus pedidos de asilo. No entanto, até agora, nenhum voo para Ruanda decolou. Os juízes do Tribunal de Apelação decidiram em junho que era ilegal enviar requerentes de asilo a Ruanda. O governo do Reino Unido levará o caso à Suprema Corte para uma decisão final ainda este ano. Na realidade, a “opção Ruanda” é a cópia da política instaurada pelo governo Trump nos EUA, e mantida por Biden, que empurrou para o México os candidatos a asilo.

O grupo de direitos dos migrantes Care4Calais (‘Cuidados com Calais’, cidade do norte da França de onde se tem acesso ao túnel que liga França a Inglaterra) disse em um comunicado na segunda-feira que os requerentes de asilo que estava apoiando tiveram suas “transferências canceladas”. “Os seres humanos devem ser alojados em comunidades, não em barcaças”, disse Steve Smith, executivo-chefe da instituição de solidariedade aos refugiados.

Também o Sindicato dos Bombeiros rechaçou a medida, descrevendo a barcaça de 222 quartos como uma “potencial armadilha mortal”. O secretário-geral adjunto, Ben Selby, disse que “as principais preocupações estão focadas naqueles grandes números tentando passar por portas estreitas, tentando passar por corredores estreitos”.

“Se fosse necessário os bombeiros entrar ali, por aqueles corredores estreitos, quando as pessoas procurassem escapar em caso de incêndio, como eles chegariam ao local do incêndio e poderiam fazer os resgates necessários?,” ele acrescentou.

O grupo de campanha Freedom from Torture alertou que abrigar requerentes de asilo em barcaças pode ser “profundamente traumatizante” para aqueles que sobreviveram à tortura. “As condições apertadas podem ser uma reminiscência dos lugares em que foram torturados, e estar na água será um lembrete constante das jornadas mortais que eles fizeram para alcançar a segurança”, disse o grupo em um comunicado.

NAUFRÁGIO EM LAMPEDUSA: 41 IMIGRANTES MORTOS

Quarenta e um migrantes, incluindo três crianças, morreram em um naufrágio na ilha italiana de Lampedusa, depois que um pequeno barco que partiu de Sfax, na Tunísia, virou e afundou no Estreito da Sicília. Quatro pessoas sobreviveram ao naufrágio, três homens e uma mulher originários da Costa do Marfim e da Guiné.

Eles foram resgatados por um cargueiro maltês e levados para Lampedusa pela Guarda Costeira italiana, segundo a agência de notícias italiana ANSA. Os quatro sobreviventes relataram que após cerca de seis horas de navegação o barco de metal de 7 metros virou devido a uma grande onda e todos os 45 migrantes acabaram no mar. As autoridades ainda não recuperaram os corpos.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), desde o início do ano 2.387 pessoas morreram ou desapareceram no Mediterrâneo enquanto tentavam chegar à costa europeia.

Fonte: Papiro