Punição à Volks faz aumentar lista de empresas que perseguiam operários na ditadura
Com indenização milionária da montadora, foi possível investigar indícios de abusos e violações em outras 13 grandes empresas cúmplices dos militares
1971_General Emilio Garrastazu Médici visita a fábrica da CSN. Acervo CEDOC/CSN – Fotografias – Centro de Memória do Sul Fluminense/UFF
Com os recursos de uma indenização de R$ 36 milhões da Volkswagen, está sendo possível investigar outras treze grandes empresas brasileiras por abusos e violações de direitos humanos de seus operários, durante a ditadura militar brasileira, que vigorou de 1964 a 1985. Dez dessas empresas já estão com inquéritos em andamento. Todas foram beneficiadas pela ditadura e cresceram muito, sem contratar mais funcionários, submetendo os que tinha a trabalho extenuante e condições insalubre, e ainda com salários arrochados, apesar da inflação.
As descobertas sobre envolvimento de estatais como a Petrobras são aterradoras. A empresa gigantesca se tornou praticamente aparelho de tortura e desaparecimento de trabalhadores, não só no Brasil, mas também no Chile da ditadura Pinochet. Várias das empresas investigadas praticaram extermínio de populações indígenas, quilombolas e camponesas, assim como escravização de trabalhadores, para apropriação de suas terras, com a conivência dos governos.
Durante a ditadura, houve repressão política e perseguição de opositores do regime e qualquer forma de resistência ou organização que pudesse ameaçar a estabilidade do governo autoritário. Os trabalhadores operários foram um dos grupos que sofreram com essa repressão, especialmente quando buscavam exercer seus direitos trabalhistas e participar de movimentos sindicais para reivindicar melhores condições de trabalho e salários justos.
O caso Volks
Uma das empresas que ganhou notoriedade e se tornou emblemático pelas suas colaborações durante esse período foi a Volkswagen. A montadora alemã é acusada de colaborar com o regime ao denunciar funcionários que eram considerados subversivos, ou seja, aqueles que eram associados a movimentos políticos de oposição ao governo militar. Essas denúncias resultaram em prisões, torturas e até mesmo desaparecimentos desses trabalhadores. A empresa teria utilizado sua estrutura para auxiliar os órgãos de repressão a identificar e perseguir seus próprios funcionários, assim como inventou mentiras para as famílias. Há casos de torturas no próprio local de trabalho.
Essas revelações desencadearam uma onda de investigações nos âmbitos acadêmico e judicial, com o objetivo de lançar luz sobre a cumplicidade entre as empresas e o regime militar em relação aos abusos de direitos humanos e trabalhistas. Historiadores, pesquisadores e ativistas buscaram documentos e testemunhos para entender o papel das empresas durante esse período sombrio da história do Brasil.
O caso levantado com relatos de tortura e documentos movimentou até a matriz da montadora VW na Alemanha, que contratou um pesquisador que confirmou as violações e a cumplicidade da matriz. Para não enfrentar uma ação na Justiça, a Volks acabou fechando um acordo na Justiça em 2020 para pagar uma indenização milionária. Foi a partir desta verba que foram contratados 55 especialistas para analisar uma vasta documentação surgida durante o processo da Comissão Nacional da Verdade, encerrada em 2012, e que não havia tido tempo e recursos para investigar.
Unidos oprimiremos
A pesquisa coordenada pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aponta que outras empresas também colaboraram com a ditadura militar. Além da Volkswagen, a Companhia Siderúrgica Nacional (RJ) e a Fiat (MG) são citadas como exemplos de empresas que teriam alguma forma de envolvimento com o regime, embora essas informações ainda estejam sendo investigadas e aprofundadas. Os levantamentos iniciais demonstram uma relação orgânica com o aparato estatal de repressão.
Foram abertos inquéritos contra dez empresas em quatro Estados, entre elas, grandes companhias das indústrias siderúrgica, petrolífera, automotiva, aeroviária, além de uma concessionária de serviços públicos e uma empresa de mídia.
A Fiat chegou a empregar um ex-guerrilheiro infiltrado na luta contra a ditadura, que ajudou o regime militar a perseguir opositores. Outras citadas no estudo são a Aracruz (ES), a Cobrasma (SP), a Docas de Santos (SP), a Folha de S. Paulo (SP), a Itaipu (PR), a Josapar (PA) e a Paranapanema (Amazônia). Há ainda evidências sendo investigadas sobre a Belgo Mineira (MG), Embraer (SP) e Mannesmann (MG).
Entretanto, ao contrário do que ocorreu com a Volkswagen, essas empresas não se pronunciaram publicamente sobre o assunto e parecem evitar abordar sua atuação durante o período ditatorial. A ausência de esclarecimentos por parte dessas companhias pode ser vista como um obstáculo para a compreensão completa do papel do setor empresarial durante a ditadura e para a busca por justiça e responsabilização.
A Cobrasma foi parceira de organizações que ofereceram apoio financeiro ao golpe militar e à Operação Bandeirantes, e a empresa construiu carros blindados para servir à repressão. A pesquisa identificou diretores e funcionários da empresa, entre eles o médico Harry Shibata, diretor do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo entre 1976 a 1983, com colaboração ativa com a repressão.
A Folha de S. Paulo manteve agentes da repressão, militares e policiais, entre seus funcionários, e, principalmente depois do AI-5, a empresa adotou uma posição favorável ao governo, com sustentação editorial do regime, auto censura e controle interno das informações a serem divulgadas, legitimando perante a opinião pública violações graves de direitos humanos da ditadura. Para além disso, a empresa colaborou diretamente com os aparatos repressivos, tendo cedido, segundo testemunhos, seus veículos para a realização de ações da Operação Bandeirante, que levaram a prisões, tortura e assassinatos. A pesquisa identificou ainda indícios de violações de direitos trabalhistas e perseguição a jornalistas que trabalhavam para ela, com demissão por “abandono de emprego” após serem presos.
Responsável pela construção da Transamazônica, a Paranapanema chegou a escravizar indígenas, além de espoliá-los de suas terras.
As revelações sobre a colaboração de empresas com a ditadura militar têm gerado debates importantes sobre a memória histórica do país, a responsabilização das empresas por violações de direitos humanos e a importância de enfrentar o passado para garantir que tais abusos não se repitam no futuro.
A comprovação dos abusos e violações geraram indignação e debates sobre a responsabilização das empresas envolvidas nos abusos de direitos humanos. Muitas organizações de direitos humanos e movimentos sindicais defendem que essas empresas devem ser investigadas e responsabilizadas por suas ações durante esse período sombrio da história brasileira.
A discussão sobre o papel das empresas durante a ditadura militar também é relevante para o contexto atual, uma vez que se reflete na responsabilidade das corporações em respeitar os direitos humanos e garantir condições dignas de trabalho para seus funcionários, mesmo em momentos políticos turbulentos. Esse tema também destaca a importância da transparência e do enfrentamento do passado, para que a sociedade possa aprender com os erros e garantir que violações de direitos não se repitam no futuro.
Em suma, durante a ditadura militar brasileira, trabalhadores operários foram perseguidos, e houve colaboração de grandes empresas, como o caso Volkswagen, para denunciar e reprimir seus próprios funcionários. Essas questões têm sido objeto de investigações e debates, e a responsabilização das empresas envolvidas é um tema importante para a sociedade brasileira.
Leia o informa Caaf/Unifesp com maior detalhamento das violações por cada empresa
(por Cezar Xavier)