Ministério da Saúde chega aos 70 anos enfrentando o negacionismo
Na 75a. SBPC, Nísia Trindade aponta as ameaças em vigor e o foco na ciência e na indústria, assim como recriação de programas sob novos patamares.
Posse da ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima. Foto: Conselho Nacional de Saúde.
Neste 25 de julho de 2023, o Ministério da Saúde do Brasil comemora seus 70 anos de existência, e essa marca histórica acontece em um momento significativo após ter passado por um processo de “repaginação” que se tornou necessário em resposta ao desmonte que ocorreu durante o governo Bolsonaro.
A relevância da pasta da Saúde é incontestável, uma vez que ela desempenha um papel fundamental e único no mundo ao atender com saúde pública e universal uma população de mais de 200 milhões de brasileiros. Apesar disso, tem sido alvo de disputas entre partidos da base governista, gerando um movimento de defesa da ministra Nísia Trindade, a primeira mulher em seu comando depois de 50 gestores.
Com orçamento de cerca de R$ 190 bilhões, terceiro maior entre os ministérios, com reserva de R$ 14,7 bilhões para indicações de emendas de deputados e senadores em 2023. Este é o motivo da cobiça sobre o comando da pasta.
No começo de julho, no entanto, o presidente Lula elogiou Nísia publicamente e disse, em tom de recado aos partidos, que o comando da pasta não está em negociação. “Nísia, vá dormir e acorde tranquila, porque o Ministério da Saúde é do Lula, foi escolhido por mim e ficará até quando eu quiser”, afirmou em evento ao lado da ministra.
Diante disso, a ministra passa esse dia 25 de julho, histórico, em companhia de seus pares na 75a. Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), destacando os desafios que sua pasta tem pela frente.
“Todas as ações do Ministério da Saúde passam a ser valorizadas efetivamente com a criação do SUS e a Constituição de 1988. O Ministério se voltava para as endemias rurais, para a saúde dos portos, ações de saúde pública, como se dizia a época, mas ele só ganha a grande dimensão de cidadania inclusiva promovendo de fato uma cidadania social pela saúde em 1988”, disse a ministra na SBPC.
História de avanços
Ao longo de sua história, iniciada em 1953 por lei de Getúlio Vargas, o Ministério da Saúde tem feito história por diversas políticas públicas, programas e ações voltadas para a saúde dos cidadãos, como os marcos históricos da criação do PNI (Plano Nacional de Imunizações), em 1973, a criação do SNVS (Sistema Nacional de Vigilância Sanitária) em 1975 e a regulamentação do SUS, em 1990. O ministério ainda foi determinante na consolidação da política de atenção gratuita a pessoas vivendo com HIV/Aids a partir de 1988 e na garantia de interiorização do atendimento básico com a criação do Programa Mais Médicos em 2013.
As iniciativas que reconfiguraram o Ministério abrangem uma ampla gama de áreas, desde a prevenção de doenças até a gestão de recursos e investimentos no sistema de saúde do país. Com o desmonte que ocorreu durante o governo Bolsonaro, muitos desafios surgiram, impactando negativamente o setor de saúde do Brasil. A falta de investimento adequado, a redução de recursos para programas essenciais, bem como mudanças em diretrizes e prioridades prejudicaram o funcionamento da pasta e tiveram efeitos adversos.
Tudo isso ocorreu no momento em que os brasileiros mais precisaram de todo o conhecimento acumulado pela pasta nestes 70 anos, a pandemia de Covid-19. O desmonte do papel de coordenação central do sistema de saúde nacional veio acompanhado de um perverso negacionismo científico, que influenciou o número de 700 mil mortes, destacando o país entre as piores gestões da pandemia no mundo.
Um cenário de trevas muito parecido com o que aconteceu com a pasta durante a ditadura militar, a partir de 1964. Nísia disse na SBPC que o negacionismo que contaminou o Ministério, inclusive criminalizando pesquisadores de estudos clínicos, continua sendo uma ameaça a exigir vigilância constante para o futuro. Ela mencionou que uma parte da sociedade brasileira ainda defende que a tragédia da pandemia não ocorreu, por isso ela destacou a construção de um Memorial da Covid-19, como uma forma de “reverenciar a memória deste triste tempo”.
Desafios atuais
No entanto, desde a transição de governo, no final de 2022, a “repaginação” do Ministério da Saúde abriu uma nova perspectiva para a melhoria da saúde pública no país. Sob uma nova administração e com o compromisso de priorizar a saúde da população, diversas ações foram implementadas para reverter os danos causados e fortalecer o sistema de saúde. A própria retomada da nacionalização e centralização de políticas públicas é algo que sempre representou um revolução após a criação do Ministério, num país onde cada estado tinha seus próprios protocolos sanitários.
A ministra aponta a pandemia como um desafio atual, conforme continuam seus efeitos na desigualdade social e na própria covid prolongada que continua sobrecarregando o sistema.
O lançamento de uma estratégia de fortalecimento ao Complexo Econômico Industrial da Saúde também é consequência da covid, na medida em que se observou a dependência externa do país por medicamentos, insumos farmacêuticos e equipamentos médicos. Esta é uma das medidas em parceria com o Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), com o vice-presidente Geraldo Alckmin, o BNDES e a FINEP, que Nísia aponta ter um papel central na reconstrução e valorização do papel da ciência e da tecnologia do MS. O objetivo é garantir 70% de autosuficiência em medicamentos e vacinas e outros materiais médicos por meio de produção local.
Ela também aponta as mudanças demográficas observadas no novo levantamento do IBGE, pelo preparo que o SUS precisa ter para atender uma população cada vez mais idosa.
Segundo ela, a Saúde também precisa se incorporar a uma agenda de mudanças climáticas e a criação de uma Secretaria de Informação e Saúde Digital também aponta para os desafios éticos que esta questão impõe na atualidade. A questão da desinformação criminosa nas redes sociais em relação ao Programa Nacional de Imunizações também foi lembrada pela ministra no encontro com os cientistas no Paraná.
União e Reconstrução
Algumas das ações atuais realizadas pelo Ministério da Saúde incluem a recriação de programas que foram desmontados e desfigurados, e voltam sob outro patamar.
Investimento em programas de prevenção: Foram retomados e ampliados os programas de prevenção de doenças, com destaque para vacinação, controle de doenças transmissíveis e orientações sobre hábitos saudáveis. É o caso do Programa de Imunização que precisa recompor a perda de cobertura vacinal, especialmente entre as crianças, ameaçando o ressurgimento de doenças erradicadas, como a poliomielite.
O Farmácia Popular passou a ter uma correlação forte com o Bolsa Família, ao garantir gratuidade em todos os medicamentos para os beneficiários.
O Programa Mais Médicos foi atualizado com inscrição de 70% dos médicos formados no Brasil, com CRM (registro no Conselho Regional de Medicina), mas também previsão de mudança no processo de revalidação do diploma pelo Ministério da Educação. “O Mais Médico é um programa reivindicado por prefeitos de todo o Brasil, independente do partido”, acrescentou.
Melhoria no acesso à saúde: Medidas foram tomadas para aumentar o acesso da população aos serviços de saúde, incluindo a expansão de unidades básicas de saúde, a melhoria na infraestrutura hospitalar e o aumento do número de profissionais de saúde.
Fortalecimento da atenção primária: A atenção primária à saúde tem sido priorizada como a base para um sistema de saúde mais eficiente e equitativo, com foco na prevenção e tratamento precoce de doenças.
Investimento em pesquisa e inovação: Recursos têm sido direcionados para a pesquisa científica na área da saúde, buscando soluções inovadoras para os desafios enfrentados e o desenvolvimento de tecnologias médicas de ponta.
Valorização dos profissionais de saúde: Iniciativas foram implementadas para valorizar e apoiar os profissionais de saúde, incluindo a melhoria das condições de trabalho e a oferta de capacitação constante. O pagamento do piso salarial da Enfermagem, recentemente aprovado como lei, é uma dessas medidas que marcam este momento.
Essas ações visam restaurar a relevância e o papel essencial do Ministério da Saúde na promoção do bem-estar da população brasileira. O investimento adequado e a implementação de políticas eficazes são fundamentais para garantir um sistema de saúde robusto, capaz de enfrentar os desafios presentes e futuros.
Veja a conferência de Nísia Trindade durante a SBPC, em Curitiba:
(por Cezar Xavier)