MPF vive fuga de procuradores por crise atribuída à gestão de Aras e à Lava Jato
As repercussões dos abusos praticados pela Lava Jato, o clima tenso na gestão bolsonarista de Augusto Aras e a desvalorização da carreira levaram ao desligamento de 16 integrantes, desde 2019
Procuradores do Amazonas protestam contra indicação de Augusto Aras por Bolsonaro, num dos atos de mobilização pela independência do MPF, que ocorreram por todo o país em setembro de 2019.
Embora o Ministério Público Federal (MPF) negue as motivações políticas, chama a atenção a quantidade de exonerações de procuradores, desde 2019, início da gestão de Augusto Aras, que termina em dois meses. São 16 servidores num movimento de evasão raro em outras gestões. Reportagem do jornal Valor Econômico levantou avaliações desse quadro que apontam para uma perda de credibilidade sem precedentes da instituição.
“Precisamos fazer um acerto de contas, pois a instituição é maior que a Lava-Jato. Falta uma discussão séria sobre a operação e seus impactos”, ressalta o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, referindo-se ao impacto das repercussões negativas da Operação Lava Jato e seus abusos junto à sociedade. “O namoro do MPF com a sociedade civil acabou. Ou pelo menos está muito abalado”, afirmou ele à reportagem.
O representante dos servidores é um dos que falam num quadro que se soma para gerar uma grande desilusão nos integrantes da instituição. Como parte deste “momento ruim” do MPF, ele menciona ainda “a falta de liderança de Aras” além de sua defesa irrestrita de Bolsonaro, o que “manchou a imagem de autonomia” da instituição.
Há acusações de falta de diálogo do gestor e perseguição a adversários na instituição. A blindagem a Bolsonaro gerou um abaixo-assinado de repúdio elaborado pelos membros do MPF, algo que nunca ocorreu nos 35 anos de história do órgão.
O procurador Wilson Assis, de Goiás, defende que “há uma instituição para se resgatar”. Para ele, o problema vai além da questão salarial, e precisa discutir o papel institucional. “Apesar do enfraquecimento e da falta de respaldo, ainda acho que vale a pena”, afirma ele a.
O pedido de exoneração do prestigiado procurador Rodrigo de Grandis, causou comoção entre colegas. No fim de junho, a procuradora Janice Ascari, uma veterana do MPF, lamentou no Twitter a saída e desabafou na rede: “O trabalho aqui está bem difícil”.
Uma exoneração simbólica desse período é a de Deltan Dallagnol, para disputar um cargo eletivo que teve cassado pela Justiça Eleitoral. Ele é considerado por muitos, inclusive pelo decano do STF, Gilmar Mendes, “a encarnação da degeneração do MPF”.
Negação
Apesar dessas evidências, o MPF nega o que chama de “viés político” da análise. Em nota, a Procuradoria-Geral da República (PGR) justifica o número elevado de exonerações com a criação de órgãos e novas vagas que teriam exigido o deslocamento de procuradores pelo quinto constitucional, a magistratura da Justiça Federal, composto por vagas de Tribunais Regionais Federais por indicação do presidente da República. Diz-se que os procuradores que se sentem desprestigiados no MPF costumam seguir para a magistratura.
Dos exonerados, metade foi para estes cargos. Outros seguiram para o setor privado, onde os salários são mais altos. Além do limite do teto constitucional do Supremo Tribunal Federal (R$ 41,6 mil), a aposentadoria no setor também tem um teto de R$ 7.507,49, com possibilidade de desconto de até R$ 17 mil sobre o salário bruto.
A reportagem levantou que parte dos exonerados foi para grandes escritórios de advocacia especializados em crimes financeiros, que atuam justamente na defesa de empresas investigadas pelo MPF. É o caso de Rodrigo de Grandis (TozziniFreire) e Marcelo Ribeiro (Lefosse) e Carlos Fernando dos Santos Lima. Para Cazetta, a especialidade de compliance é “uma espécie de subproduto” da Lava-Jato, pois visa a enquadrar as empresas nas novas regras legais contra a corrupção.
Outro dado da própria PGR revela que o último concurso reuniu apenas metade dos inscritos das últimas 13 edições, numa demonstração do desinteresse pela carreira.
Há esperanças de mudanças de rumos com a próxima indicação do procurador-geral pelo presidente Lula, até setembro.
Depois da reportagem, o MPF se manifestou reafirmando que as exonerações de membros do MPF não decorrem de crise interna ou aspectos de gestão, mas de processos sucessórios “naturais” na carreira.
(por Cezar Xavier)