“Não temos alternativa que não seja a união”, diz Lula em posse no Mercosul
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, nesta terça-feira (4), a presidência temporária do Mercosul pelos próximos seis meses. Na cerimônia de posse, realizada durante a cúpula do bloco, em Puerto Iguazu, na Argentina, Lula fez um discurso contundente em defesa da união e da soberania dos países latino-americanos frente a iniciativas neocolonialistas das potências europeias, pelo fortalecimento da democracia e da luta pela igualdade.
“O mundo está cada vez mais complexo e desafiador. Nenhum país resolverá seus problemas sozinho, nem pode permanecer alheio aos grandes dilemas da humanidade. Não temos alternativa que não seja a união”, disse Lula.
Frente à crise climática, salientou, “é preciso atuar coordenadamente na proteção de nossos biomas e na transição ecológica justa. Diante das guerras que trazem destruição, sofrimento e empobrecimento, cumpre falar da paz. Em um mundo cada vez mais pautado pela competição geopolítica, nossa opção regional deve ser a cooperação e a solidariedade”.
O presidente também falou sobre o combate à política de ódio e violência estimulada pela extrema-direita dentro e fora do Brasil. “Face ao aumento do ódio, da intolerância e da mentira na política, é urgente renovar o compromisso histórico do Mercosul com o estado de direito. Como presidentes democraticamente eleitos, temos o desafio de enfrentar todos os que tentam se apropriar e perverter a democracia. Estou convicto que a construção de um Mercosul mais democrático e participativo é o caminho a trilhar”.
Moeda comum
Ao entrar nas questões comerciais que envolvem o bloco, Lula destacou que “a adoção de uma moeda comum para realizar operações de compensação entre nossos países contribuirá para reduzir custos e facilitar ainda mais a convergência. Falo de uma moeda de referência específica para o comércio regional, que não eliminará as respectivas moedas nacionais”.
Lula também defendeu a ampliação e o aprimoramento de acordos com países vizinhos como Chile, Colômbia, Equador e Peru, bem como a retomada de uma “agenda externa ambiciosa” com o objetivo de aumentar o acesso a mercados para os produtos de exportação dos países do bloco.
Também expressou o desejo de explorar novas frentes de negociação com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe. “A proliferação de barreiras unilaterais ao comércio perpetua desigualdades e prejudicam os países em desenvolvimento”, explicou.
União Europeia
Com relação ao acordo com a União Europeia, Lula enfatizou: “Estou comprometido com a conclusão do acordo com a União Europeia, que deve ser equilibrado e assegurar o espaço necessário para adoção de políticas públicas em prol da integração produtiva e da reindustrialização. O Instrumento Adicional apresentado pela União Europeia em março deste ano é inaceitável”.
O presidente voltou a salientar que “parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções”. Afirmou ainda ser imperativo que o Mercosul “apresente uma resposta rápida e contundente” e acrescentou: “É inadmissível abrir mão do poder de compra do Estado – um dos poucos instrumentos de política industrial que nos resta. Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matérias-primas, minérios e petróleo”.
Lula defendeu ainda que é preciso o estabelecimento de políticas que contemplem uma “integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação”.
Comércio intra-Mercosul
Quanto à gestão do presidente Alberto Fernandez à frente do Mercosul, encerrada hoje, Lula lembrou de conquistas obtidas pelo argentino, tais como os resultados obtidos com a revisão do Regime de Origem, a negociação de Acordo em matéria de Direito de Família e a realização de mais uma edição do Fórum Empresarial.
Disse, ainda, que pretende aperfeiçoar a Tarifa Externa Comum e evitar que barreiras não tarifárias comprometam a fluidez do comércio. “Em 2022, o intercâmbio intra-Mercosul somou 46 bilhões de dólares. Não é pouco, mas está abaixo do auge registrado em 2011, de 52 bilhões de dólares. Estamos aquém do nosso potencial”, completou.
O presidente também pontou que o comércio entre os países do bloco se caracteriza pela presença significativa de produtos de maior valor agregado e acrescentou que este “é um ativo que precisa ser valorizado e ampliado” e defendeu a retomada da Cúpula Social do Mercosul. “Não é concebível que tenhamos deixado de lado, por quase sete anos, esse valioso espaço”, lamentou.
Lula também defendeu que “combater o ressurgimento do protecionismo no mundo implica resgatar o protagonismo do Mercosul na Organização Mundial do Comércio. Trabalharemos para mobilizar recursos junto aos bancos nacionais e aos organismos regionais para o desenvolvimento, como a CAF, o Fonplata e o BID, para financiar projetos de infraestrutura física e digital”.
Salientou, ainda, que “com a Agenda Verde, iniciamos exercício permanente de discussão sobre temas como desertificação, combate a incêndios e recuperação de solos degradados, que serão objeto de ações coordenadas do bloco em prol do desenvolvimento sustentável”.
Agenda cidadã
Ao concluir o discurso, Lula salientou que o Mercosul “não pode estar limitado à barganha do ‘quanto eu te vendo e quanto você vende pra mim’. É preciso recuperar uma agenda cidadã e inclusiva, de face humana, que gere benefícios tangíveis para amplos setores de nossas sociedades”.
Lula enfatizou que “nossa integração deve ser solidária e despertar o sentimento de pertencimento. Nossa integração também deve ser feminina, negra, indígena, camponesa e trabalhadora”.
O presidente destacou a sanção, nesta segunda-feira (3), da Lei de Igualdade Salarial e Remuneratória, apontando que assim o Brasil “começa a saldar uma dívida histórica. Homens e mulheres que exercem a mesma função terão salários iguais. Essa é uma grande conquista das mulheres brasileiras”. E finalizou: “Esse é o Mercosul que queremos e que voltou ao centro da estratégia brasileira de inserção no mundo”.