Ato contra Marco Temporal, em São Paulo, reúne artistas em defesa da floresta
Foi um ato organizado em poucas horas pela Comissão Arns e o Instituto Vladimir Herzog, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a Comissão Justiça e Paz, e a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo), com parceria de partidos, parlamentares e sindicatos, mas deixou uma marca forte nesta quarta-feira, 7 de junho, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.
A presença de um coro de jovens guaranis e de cantores como Daniela Mercury, Zélia Duncan e Vanessa Bumagny, emocionou a todos com a mística da luta em defesa da floresta. Várias lideranças defenderam que o julgamento no Supremo Tribunal Federal define o destino do planeta e não apenas de povos indígenas.
O evento acontece no dia do julgamento da tese do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal. Os manifestantes defendem que os ministros rejeitem a tese de que os povos indígenas só possam reivindicar territórios que estivessem em sua posse até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.
Rogerio Sotilli, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, falou ao Portal Vermelho que a aprovação do Marco Temporal no Congresso é de uma simbologia e emblematismo que “retrata a cara triste do Brasil”.
“Por um lado, um Congresso nunca tão conservador como agora, não apenas do ponto de vista dos valores, mas do ponto de vista de todas as arbitrariedades, ilegalidades e imoralidades no parlamento. Um Congresso que aprova o marco temporal que é a maior expressão da política antinacional”, disse ele.
Para ele, o pior é que as pessoas pouco sabem o que significa isso. Não é uma questão indígena, dos povos originários, mas que implica e envolve toda a sociedade, na opinião dele. “A aprovação do marco sinaliza para o isolamento do Brasil diante da comunidade internacional, tem impacto na economia, na sociedade, na cultura. Estamos colocando mais uma vez nossa esperança na justiça para resgatar o rumo do Brasil para o mundo contemporâneo”, completou.
O ex-ministro Paulo Vanuchi, da Comissão Arns, disse ao Portal Vermelho que manter o Marco Temporal pode representar a continuidade de todo o esforço golpista, a ideia de que a Constituição não tem valor. “Não é um problema jurídico ou de conflito de poderes, mas a sobrevivência do planeta. A floresta está preservada em terras indígenas, em geral. É uma questão de direito a vida, direito a cultura dos primeiros brasileiros, e uma temática ambiental que clama pela solidariedade do planeta inteiro”, defendeu.
A decisão do Congresso já sofreu um primeiro freio no Senado, explica ele, e se for derrubado no STF, fica travado o processo legislativo. Segundo Vanucchi, o governo terá meios para agir diante do ataque aos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Originários.
“Os valores a serem reafirmados nesta manifestação, são para chamar a atenção que o tema indígena é interesse do planeta, da cidadania, da democracia. É um ato preparado em 72 horas para que São Paulo não deixe de mandar sua voz aos ministros que vão julgar esta tarde”, disse o ex-ministro de Direitos Humanos.
Pedro Pankararu vem de povos originários da Bahia para o contexto urbano de São Paulo. Ele disse que o PL do Marco Temporal põe em questão não apenas as demarcações, mas outras PLs, e põe em risco inclusive as demarcações que já foram feitas. “Mesmo sem a votação, a PM de SP já foi pra cima dos nossos parentes aqui”, afirmou. Um protesto realizado por grupos indígenas interrompeu o fluxo de veículos em um trecho da Rodovia dos Bandeirantes, na semana passada. A Polícia Militar fez uso de bombas de efeito moral e gás lacrimogênio para dispersar os manifestantes e liberar a via.
“Soube que no nosso território [na Bahia] tem criação invasiva de gado. O povo Pataxó também sofre com violência e morte por causa da grilarem e invasões a seus territórios na Bahia”, lembrou ele. “Precisamos das demarcações de territórios indígenas para que conseguir manter o mundo em pé, para manter o clima e exista vida”, afirmou.
O ex-senador da Itália, José Luis Del Roio, da Comissão Arns, considera a aprovação do Marco Temporal uma provocação contra o governo Lula. “Mas é um choque maior no STF, porque é uma lei pétrea constitucional. Tem muito interesse em jogo”, disse ele ao Vermelho.
“Para o Brasil é fundamental, porque manter a guarda da terra aos indígenas, salva um imenso território da destruição. O capital é voraz, não quer saber se tem arvore, tem rio, mas se tem lucro”, analisou.
Um canto em defesa da floresta
Houve manifestações da socióloga Maria Vitoria Benevides, da antropóloga Manuel Carneiro da Cunha, de Margarida Genevois, aos cem anos de idade, da deputada Sâmia Bonfim e de Simone Nascimento (PSOL), que denunciou a violência da PM paulista, assim como de sindicalistas.
A deputada Sâmia disse que este é um dia fundamental, em que o STF pode derrotar de vez o marco temporal. “Se temos grande parte de nossos biomas preservados, é por causa da luta e resistência dos nossos povos originários. A demarcação de terras indígenas é o principal obstáculo para esta sanha destrutiva e predatória do desmatamento e mineração ilegal”, afirmou. “O mundo todo tem expectativa sobre as definições de hoje. Ruralistas estão agindo para destruir os Ministério de Marina Silva e Sonia Guajajara”, completou
Daniela Mercury começou seu discurso no ato dizendo que o marco temporal é extremamente ruim para todos, pois coloca a Amazônia em risco e a Mata Atlântica. “Apesar do governo estar lutando, temos um parlamento que não defende o mesmo que nós. Ou defendemos ou vamos perder a floresta. E quem vai sofrer as consequências climáticas serão os nossos filhos, todos nós. Quando um de nós perde seus direitos, todos nós perdemos e ficamos fragilizados”, disse.
Ela contou que foi a uma comunidade Terena, no MS, há muitos anos e uma indígena de 111 anos cantou para ela. Ela, então, fez uma canção para agradecer o carinho com que ela foi recebida. Ela cantou, em seguida, Dona desse lugar. Depois se uniu a Zélia Duncan e Marcelo Quintanilha para cantar Terra, de Caetano Veloso
Zélia Duncan então animou o público da Praça Ramos com Alma, um de seus grandes sucessos. “É a nossa vida e a nossa democracia que está em jogo. Já sofremos sérias ameaças nos últimos 4 anos. Que os próximos anos estejam nas nossas mãos, cuidando de quem é dono do Brasil”, disse.
Vanessa Bumagny cantou Um Índio, também de Caetano Veloso. Vanusa Kaimbé representou sua etnia ao gritar “não ao genocídio”. “Estão nos tratando como se fôssemos invasores”, criticou.
O cacique Marcio Verá, do povo Guarani Nhandeva, só disse “nhanderu tenande, perdoa porque eles não sabem o que fazem”, referindo-se aos deputados que aprovaram o Marco Temporal.
O evento encerrou com apresentações comoventes dos coral de jovens guaranis, acompanhados de violino e percussão. De repente, a Praça Ramos se tornou o pátio de uma aldeia indígena com todos dançando ao som dos cantos ancestrais.
Fotos de Cezar Xavier: