Maioria absoluta de Mitsotakis só veio com lei que doa 50 cadeiras extras ao mais votado | Foto: AFP

Em uma eleição em que o notável foi a abstenção de 47% – quase 1 em cada 2 eleitores se recusou a votar -, o primeiro-ministro neoliberal Kyriakos Mitsotakis conquistou maioria absoluta no segundo turno na Grécia, graças à curiosa lei eleitoral que concede um bônus de 50 cadeiras ao partido mais votado.

Além da memória de elefante do povo grego em relação a Alexis Tsipras e ao Syriza que, quando antes de chegar ao poder prometeu enfrentar a Troika e proteger os gregos, e chegando lá fez o contrário, o povo disse não ao estelionato eleitoral e confessado pelo então primeiro-ministro que foi a Bruxelas e Berlim e de lá voltou com a canga ainda mais apertada sobre o povo.

Na verdade, Mitsotakis teve menos votos que no primeiro turno há cinco semanas, pois manteve em torno de 40%, só que de menos votos no pleito, devido ao aumento da abstenção. Com os 50 mandatos com que foi agraciado, seu partido, o Nova Democracia, cujos teores de novidade e de democracia são, digamos, um tanto ralos, terá maioria de 158 em 300 deputados.

“Os cidadãos nos deram um forte mandato para avançar mais rapidamente no caminho das grandes mudanças”, asseverou. “Toda a Grécia é azul!”, gabou-se o líder conservador aos seus cabos eleitorais, aludindo à cor do partido.

A posse de Mitsotakis será na segunda-feira: é a primeira vez desde a eclosão da crise financeira em 2010 que um primeiro-ministro grego consegue ser reeleito após um mandato de quatro anos. Em seu favor, o crescimento do PIB em 2021 e 2022 ficou em, respectivamente, 8,3% e 5,9% – e com o desemprego em baixa.

Mitsotakis é filho de um ex-primeiro-ministro e tio da atual prefeita da capital grega – além de graduado em Harvard. “Nossos objetivos são altos e devem ser altos em um segundo mandato que pode transformar a Grécia com taxas de crescimento dinâmicas que aumentarão os salários e reduzirão as desigualdades”, disse Mitsotakis em sua primeira mensagem da sede de seu partido.

Durante a campanha, ele prometeu aumentos salariais, especialmente para pessoas com rendimentos mais baixos, a principal preocupação dos gregos num contexto de aumento do custo de vida. Também prometeu realizar contratações massivas no setor da saúde pública, afetado pelos drásticos programas de austeridade impostos em muitos serviços públicos.

O Syriza – a esquerda que Berlim aprendeu a gostar – viu seu desempenho piorar em cinco semanas, e caiu para 17,8%, depois de ter obtido 20,0%, acabando por ficar com 47 deputados. Em compensação, a social-democracia mais tradicional, o Pasok, de que o Syriza captara parte do eleitorado, mostrou certa recuperação, indo a 11,9% e 32 deputados.

Tsipras foi primeiro-ministro de 2015 a 2019. Na eleição perdida para o Nova Democracia em 2019, o Syriza tivera 31,5% (contra 39,8% do ND). Diante da pirambeira, ele admitiu o mau desempenho, considerou o resultado “negativo para a sociedade” e se pôs à disposição dos liderados para uma reavaliação.

Alexis Haritsis, ministro do Interior de Tsipras, disse que o “esforço programático” do Syriza não foi compreendido e prometeu que o partido irá “se reconectar” com os eleitores.

Resumo da ópera: o eleitorado deixou de lado os neoliberais fantasiados de esquerda e ficou, pelo menos por enquanto, com os originais. Os anteriores haviam cumprido à risca o papel de feitores da Troika – Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional (FMI) – para salvar bancos alemães e franceses e fundos norte-americanos pendurados nos títulos podres da dívida grega, fazendo com que o Produto Interno Bruto da Grécia chegasse a cair 25%, passando o facão em salários e pensões, e que quase tudo fosse privatizado, até o Porto de Pireus.

COMUNISTAS GREGOS

Os comunistas do KKE, que obtiveram 7,6% e 20 deputados, classificaram a eleição de “fraude” por causa dos 50 deputados que não existiram nas urnas e foram agraciados à Nova Democracia, que vai poder governar sem consultar ninguém.

Mas a calmaria com Mitsotakis pode não durar. Em março, Mitsotakis enfrentou uma onda de protestos sem precedentes desde que assumiu o poder devido a uma catástrofe ferroviária que causou 57 mortes e foi responsabilizada por negligência grosseira nos sistemas de sinalização ferroviária. Seu mandato também foi marcado por escândalos, incluindo um sobre espionagem de figuras políticas e jornalistas por meio do spyware Predator. Pouco antes do segundo turno, um barco pesqueiro naufragou diante das vistas da Guarda Costeira grega, com centenas de mortos, escândalo difícil de abafar.

Há ainda a sabujice em relação a Washington e Berlim, com o envio de armas para o regime de Kiev e a guerra por procuração dos EUA contra a Rússia na Ucrânia, o que é rejeitado por muitos setores da sociedade grega, inclusive com manifestações que afetam os trens que transportam o equipamento bélico. Há ainda, o efeito bumerangue das sanções desencadeadas contra a Rússia, que voltam como contas de eletricidade insuportáveis.

Alguns pequenos partidos ultrapassaram a barreira dos 3% e conquistaram cadeiras no parlamento. O Solução Grega ultranacionalista e pró-Rússia obteve 4,5% e 12 assentos, enquanto o partido religioso antiaborto Niki obteve 3,7% e 10 deputados. O Curso da Liberdade, liderado pela ex-integrante do Syriza Zoi Konstantopoulou, obteve 3,1% e 8 cadeiras. O partido de extrema-direita Espartanos – que adicionou um deputado neonazista do Amanhecer Dourado que está preso – obteve 4,7% e 13 deputados. O governo conservador havia aprovado uma emenda com o objetivo de bani-lo do parlamento.

Fonte: Papiro